www.karlosmrp.wapsite.me CHRISTOPHER GOLDEN O QUARTO LABIRINTO O ARQUEÓLOGO LUKA HZUJAK, especialista em labirintos mitológicos, acaba de ser assassinado. Seu corpo, esquartejado, é encontrado dentro de uma mala numa estação de Nova York. Para descobrir quem fez isso a um de seus melhores amigos, Victor Sullivan, um amante de charutos que dedica sua vida a “aquisições praticamente impossíveis de antiguidades”, pede ajuda ao caçador de tesouros Nathan Drake, seu pupilo e companheiro de peripécias. Junto com Jada, a filha do arqueólogo morto, Sully e Drake vão enfrentar a maior aventura de suas vidas. Seguindo as pistas e orientados pelas anotações do diário de Luka, eles descobrem que a solução do crime está ligada aos labirintos da antiguidade e seus mistérios – entre eles, o de Knossos, que abrigava o Minotauro, na ilha de Creta. Enquanto viajam pelo mundo, dos Estados Unidos para o Egito e a Grécia, Drake e seus amigos percebem que não estão sozinhos. Atraído pela lenda de que os labirintos antigos guardavam tesouros, um empresário ganancioso está disposto a fazer de tudo para chegar primeiro, ao mesmo tempo em que uma misteriosa legião de encapuzados quer impedi-los de descobrir que a chave do mistério está, na verdade, no Quarto Labirinto, que, além de ouro e prata, pode guardar um segredo que deixará o mundo assombrado. Baseado em Uncharted, uma das séries de videogame mais aclamadas do mundo, O quarto labirinto é um livro com tanta ação e reviravoltas quanto as melhores aventuras de Nathan Drake no Playstation 3. Para meu amigo Jim Moore SH 1 ma revoada de aves tropicais cortou o céu quando Drake manobrou o jipe em direção à trilha de terra, quebrando galhos e arrancando plantas ao se embrenhar na floresta, com matadores em seu encalço balas voando, uma garota linda, embora mimada, no banco do passageiro e uma dor de cabeça dos infernos, O veículo derrapou para a esquerda, e, com uma só mão no volante, Drake o forçou a voltar para a trilha, enquanto a garota soltava um grito segundos antes de passarem por cima de uma árvore caída. Nathan Drake começava a odiar a selva. Olhou pelo espelho retrovisor a tempo de ver o carro ser atingido por uma bala. Três veículos o perseguiam: um grande caminhão que ficara um pouco para trás e dois jipes exatamente iguais ao que dirigia o que fazia sentido, considerando que estavam estacionados lado a lado quando ele roubara o veículo. A selva se fechava ao redor, uma porção selvagem de floresta tropical que o povoado do Equador chamava de El Oriente, e que lhe soava como um nome comum demais para um lugar cheio de coisas que poderiam matá-lo a qualquer instante como psicopatas que trabalhavam para impiedosos chefes do tráfico de drogas. A trilha forçava os veículos a andar em fila indiana. Muito bom. Assim, apenas os ocupantes do primeiro carro em seu encalço podiam atirar nele. As balas rasgavam folhas e quebravam galhos, e o jipe se sacudia de um lado a outro, fazendo seus dentes ranger. Em meio a toda essa confusão, Drake tentava se manter de cabeça baixa. — Essa é sua ideia de um resgate? — a garota gritou. Ele observou os olhos arregalados, a boca bem desenhada e a pele macia cor de canela. Decidiu que, daquele dia em diante, não gostaria mais de canela. Apesar do maravilhoso sabor; em dose exagerada podia até mesmo estragar um pretzel. — Por que diabos acha que isso é um resgate? — Drake retrucou. A pergunta a deixou pálida, e ela o olhou com desconfiança. — Talvez o fato de que esteja aqui me resgatando? Drake riu, mas o sorriso desapareceu quando ouviu balas se cravando na traseira metálica do jipe. O estepe explodiu, mas era muito melhor perdê-lo que um dos pneus que estavam rodando. — Isso por acaso parece um resgate? — ele perguntou. — Você veio de carona por puro acidente, querida. Na verdade, a presença dela não era totalmente acidental. Drake havia se infiltrado no complexo da floresta onde Ramón Valdez se escondia do resto do mundo, dirigindo o cartel de drogas de um local tão remoto que ninguém se dava ao trabalho de caçá-lo. Ninguém com metade da capacidade mental em funcionamento, Drake pensou. Aquilo não o impedira de rastrear Valdez duas vezes em três anos. Não gostava de trabalhos que envolviam roubo puro e simples, e as razões eram as que o cercavam naquele momento. Mas, no caso de Ramón Valdez, abrira uma exceção, porque ele possuía o item que Drake fora contratado para roubar. Na verdade, já o tinha roubado antes. A presença da garota decorria de uma mudança súbita de plano. Drake a encontrara amarrada no quarto de Valdez e tinha intenção de deixá-la lá mesmo, até que seus esforços para se libertar o convenceram de que talvez a garota não fosse participante voluntária de uma brincadeira sadomasoquista. Aquilo havia complicado bastante as coisas, porque cada segundo era fundamental para o êxito do plano. Por alguns instantes, tentou se convencer de que não se arrependeria de abandoná-la ali; que os esforços dela em se libertar eram algum tipo de atuação ensaiada para entreter Valdez. Mas, assim que começou a se afastai soube que mentia para si mesmo. Drake reconhecia uma prisioneira quando via uma. — O que estava fazendo lá, afinal? — ele perguntou, girando com força o volante para a direita. — Passando férias — a garota respondeu secamente, naquele tom reprovador de “você é um perfeito cretino, não?” que as mulheres parecem aprimorar desde muito jovens. O que acha? — O que eu acho não vem ao caso — respondeu Drake. Uma rajada de balas atingiu árvores à esquerda e a lateral do jipe, arrebentando um dos faróis traseiros. Uma arara, alvejada, explodiu em pleno voo numa nuvem de sangue e penas. — Talvez devesse se concentrar um pouco mais no volante — a garota comentou com uma expressão de pânico, enquanto se abaixava ainda mais no assento. — Como consegue ficar tão calmo? — Ah, estou a quilômetros de distância de estar calmo — respondeu Drake, virando o volante para desviar de uma árvore caída. O jipe atravessou uma área com moitas e raízes, e raspou a lateral em uma paineira gigantesca. Este sou eu aterrorizado, os nós dos dedos brancos de tão apertados e o maxilar dolorido de tão travado. A garota olhou para as mãos de Drake ao volante e ficou ainda mais pálida. — Não vai me dizer quem você é? — Drake praguejou. — Não foi mesmo meu pai quem mandou você? — ela perguntou. Diante da negativa, o desapontamento da garota o sensibilizou, tanto quanto um sujeito que dirige no meio da selva, perseguido por pessoas que tentam matá-lo, pode se sentir tocado. Avistou o tronco rachado ao meio, único ponto de referência que tinha naquele lugar, e virou o volante com violência para a esquerda, fazendo o jipe atravessar com um estrondo um conjunto de trepadeiras e terminar em uma trilha que havia sido percorrida por muitos cascos, mas, com certeza, por poucos pneus. O veículo sacudia loucamente; parecia prestes a desmontar a qualquer momento. — Desculpe, criança. Não tenho a menor ideia do que está falando. Ela levantou o queixo, tentando, tarde demais, preservar a esperança que desaparecia de seus olhos. — Meu nome é Alex Mufloz. Meu pai é o prefeito de Guayaquil. Ele vem travando uma guerra contra as drogas na cidade e não aceitou ser comprado — expressou com orgulho. Drake não podia repreendê-la. Para o prefeito de uma grande cidade da América do Sul, enfrentar os cartéis exigia coragem demais. Ou loucura demais. Alex não precisava contar o resto da história. Uma linda garota, com seus dezenove anos, amarrada e amordaçada no quarto de um chefão do tráfico? Era uma refém, estava ali para ser negociada e, provavelmente, prestes a se tornar vítima de algo muito pior. Como é que eu me meto nessas coisas?, Drake pensou. Mas, até aí, não eram culpa de Alex todos aqueles tiros. Claro, desamarrá-la e tirá-la do complexo o fizera ser descoberto e se atrasar um pouco, mas o plano já era arriscado antes, e, pela sua experiência, planos arriscados quase sempre terminavam em tiros — e, algumas vezes, ele era atingido de verdade. — Mas, se não foi papai quem o mandou, quem é você? — Alex perguntou, fazendo um biquinho de menina mimada. — O que vai fazer comigo? Drake ignorou a segunda pergunta. Se havia aprendido algo ao longo daqueles anos, era que, se precisasse fugir para salvar a própria pele na companhia de uma mulher, o melhor era jamais lhe contar que não havia nenhum plano. — Meu nome é Drake. Nate Drake. Se ela entendeu a referência a James Bond, não deixou transparecer. — O que fez para deixar Valdez tão irritado? — Alex perguntou. Drake fez um gesto em direção ao banco de trás: — Está vendo aquilo? O cetro estava embrulhado em estopa, preso com firmeza por tiras de fita isolante. Drake havia encontrado a estopa perto da plantação de papoulas, do outro lado do complexo onde ficava a base de Valdez. Já a fita isolante, ele tinha levado. Conseguira entrar no escritório do traficante, abrir o compartimento de vidro onde se alojava o cetro e embrulhá-lo, tudo sem disparar nenhum dos alarmes. Estava quase de saída, quando olhara na direção do quarto e vira a garota de pele cor de canela. O resto aconteceu naturalmente. — Sim, estou — disse Alex. —Já ouviu falar da Pousada do Amanhecer? — Está falando de um bar ou de Pacaritambo, o local das origens, a colônia perdida? — Conhece a história? — Drake perguntou, satisfeito por não ter de explicar. Só o fato de terem travado aquela conversa era absurdo o suficiente, mas concluiu que era melhor do que ter de aguentá-la implorando, aos gritos, que não a deixasse morrer, ou ele próprio, aos berros, amaldiçoando-se por ter ido àquele lugar. — Claro — Alex respondeu. —Já estou na faculdade. Ótimo, Drake pensou. A única fedelha mimada da selva, e ela está no meu jipe. Na mitologia inca, Pacaritambo era a caverna da qual as primeiras pessoas tinham saído para o mundo. Uma dessas pessoas era um cara chamado Ayar Manco, que carregava um cetro dourado, objeto que supostamente indicaria onde o povo deveria construir a primeira cidade inca. A lenda afirma que o sujeito havia mudado de nome e fundado a cidade de Cuzco e que, com as irmãs, construíra as primeiras casas com as próprias mãos. Para muitos da região, isso tudo era mais fato histórico que lenda, o que justificaria a séria controvérsia causada pela descoberta, três anos atrás, de ruínas de uma colônia perdida — segundo se acreditava, uma extensão das colônias incas originais, obra do próprio Ayar Manco. Uma tribo local, cujos membros afirmavam saber da existência da colônia desde sempre, insistia que as ruínas eram de fato Pacaritambo e que, após ter sido traído pelos companheiros, Ayar Manco voltara à caverna onde nascera, com sua esposa e filhos, e fundara a vila. A discussão sobre o que seria real e o que não passava de mito não havia cessado desde então. — Três anos atrás, Valdez me contratou para liderar uma equipe até Pacaritambo, para recuperar todo artefato que conseguisse encontrar. Mas o que ele queria, na verdade, era o cetro dourado de Ayar Manco. Depois que o entreguei, Valdez decidiu que era mais lucrativo me matar do que me pagar. Consegui escapar do Equador com vida por um triz. Alex o encarou como se olhasse para um louco: — Daí você teve a brilhante ideia de pegar o cetro de volta? Drake riu. — Ficou doida? Valdez devora caras como eu no café da manhã. Sei como tive sorte de ainda estar respirando após toda essa história. Mas os cuiqawa, a tribo que falou todas aquelas coisas sobre Ayar Manco, acreditam que são descendentes diretos de Ayar Manco. Por isso, consideram-se os herdeiros do cetro, que, assim, deveria pertencer à tribo. Eles me contrataram para recuperá-lo. — E aceitou o trabalho, mesmo depois de Valdez quase ter acabado com você? — Preciso trabalhar — respondeu Drake. — E tem o seguinte: Valdez deu para trás no nosso acordo. Não é uma coisa legal, sabe? Pensei que o mínimo que podia fazer era incomodar o cara um pouquinho. Seguraram-se quando o jipe se precipitou em direção a um riacho, atravessou jogando água para todos os lados e subiu na outra margem. As armas silenciaram, e, por um instante, Drake teve esperança de que os capangas de Valdez houvessem desistido da perseguição. Mas então um dos jipes cruzou a vegetação atrás deles, e Drake percebeu que havia comemorado cedo demais. Não seria tão fácil assim. — Ei Drake exclamou, lançando um olhar a Alex enquanto dirigia e uma nova rajada de balas destruía as árvores à esquerda —, você acha que seu pai ofereceu alguma recompensa para quem te entregar a ele, sã e salva? Ela o encarou: — Você disse que isso não era um resgate. — E não era mesmo — Drake respondeu. — Mas é pra se pensar, não é? Quer dizer, depois que um cara realmente resgata a pessoa... — Você não me resgatou! — Alex gritou. Nesse momento, uma bala destruiu o espelho retrovisor a seu lado. — Bem... Drake concordou ainda não. Ele calculou mentalmente o tamanho do jipe. Ninguém que tivesse juízo enfiaria o carro ali. As duas árvores estavam muito próximas. Drake acelerou e entrou com tudo. O jipe passou a milímetros das árvores. Alex soltou um palavrão e cobriu a cabeça; depois olhou para cima, piscando, estarrecida, ao perceber que não haviam batido, enquanto Drake pisava fundo no acelerador e os pneus deixavam montes de barro para trás. Por alguns segundos, o barulho de tiros cessou de novo, e, conforme passavam por um corredor estranhamente uniforme de árvores e trepadeiras, o silêncio da floresta tropical os envolveu, abafando o ronco do motor. O jipe avançou para uma subida, atravessou a elevação e praticamente voou, os pneus girando em falso antes de tocar o chão de uma pequena clareira. Drake manteve o volante firme, mesmo com o terreno traiçoeiro, mas a trilha havia acabado. A clareira terminava em uma densa vegetação, com árvores que se entrelaçavam, formando um paredão verde. A única saída era o mesmo caminho pelo qual Drake havia chegado ali. Infelizmente, os atiradores de Valdez vinham logo atrás. — Ai, meu Deus, estamos mortos! — Alex gritou. Drake dirigiu a toda a velocidade para o final da clareira. Antes de se chocar com as árvores, no último segundo, virou o volante para a direita e pisou fundo no freio, dando um cavalo de pau e fazendo a parte de trás do jipe deslizar e em seguida parar abruptamente. O motor deu um solavanco e morreu, estalando com o esforço. —Levante as mãos ele disse. Alex o olhou, confusa. —Quê? Drake jogou a arma no assoalho do jipe e desceu, levantando as mãos e se rendendo. — Se não quiser levar um tiro, bote a porcaria das mãos pra cima! O primeiro dos veículos que os perseguiam entrou na clareira com o motor rugindo. Vários estampidos soaram. Drake gritava sua rendição em inglês e em espanhol, levantando as mãos ainda mais alto para mostrar que falava sério. Afastou-se do jipe enquanto Alex enfim levantava as mãos e descia, imitando-o da melhor maneira possível. Ela começou a chorar. Drake pensou que aquele não seria um bom momento para sorrir e teve que se controlar. O medo causava esse efeito nele. Imaginou que Valdez ordenara aos capangas que recuperassem a garota e o cetro de Ayar Manco, e era bem provável que tivesse mandado matar o ladrão — ele, no caso —, mas considerou que talvez uma rendição os deixasse confusos. Pelo menos, era essa sua esperança. O segundo carro chegou à clareira enquanto o primeiro parava a cerca de seis metros dele, com as armas apontadas para Drake e Alex. O caminhão chegaria em seguida. Em um dos veículos estaria o cara no comando, um imbecil mais esperto que os outros imbecis, e naquele momento de confusão os bandidos esperariam as ordens. Se Drake se rendesse, teriam de levá-lo de volta a Valdez ou ainda assim deveriam matá-lo? Enquanto a ordem não vinha, os homens desceram dos dois jipes, gritando e fechando um círculo ao redor de Drake e da garota, que ainda chorava, aparentemente sem entender que a levariam de volta com vida, para preservar seu valor como refém. Ou talvez fosse até por isso que chorasse, Drake pensou. Talvez ser levada com vida a assustasse mais do que morrer. Ou talvez você só esteja sendo melodramático, refletiu. Os capangas gesticulavam com as armas e ordenavam em espanhol que Drake se ajoelhasse no chão. Ele o fez, e Alex o imitou, mesmo sem ninguém ter pedido nada a ela. Um sujeito baixo, magro, com expressão feroz e um bigode que parecia ter sido desenhado à tinta desceu do segundo jipe e andou na direção de Drake com a arma ao lado do corpo, como se tentasse caminhar sorrateiramente por trás deles. Esse era o cara, então. Drake esperou que desse a ordem para atirar. O homem de bigode pintado não disse uma palavra, no entanto. Se seus amigos aguardavam ordens, ficariam esperando, porque era o tipo de cara que colocava a mão na massa. Tirou uma pistola de um coldre sob o braço, levantou-a e apontou-a para a testa de Drake. — Quando quiser! — Drake falou alto, a voz trêmula. O pequeno comandante franziu o rosto, surpreso, provavelmente pensando que Drake estivesse tentando apressá-lo em puxar o gatilho. — O que você... — Alex começou. Um único tiro ecoou, fazendo uma nuvem de pássaros coloridos disparar rumo ao céu. O homenzinho com o ridículo bigode cambaleou para trás, olhou para baixo, confuso, uma leve expressão de surpresa ao ver o buraco no peito, e então caiu na grama. Apenas o fato de Drake e Alex estarem com as mãos levantadas e vazias os manteve vivos naquele momento. Estupefatos, os capangas se viravam para todos os lados, olhando em direção às árvores, tentando descobrir em quem deveriam atirar. Um deles chegou a disparar alguns tiros a esmo. Em seguida, as sombras se moveram, e galhos balançaram enquanto dúzias de armas e rostos se fizeram visíveis em meio às árvores. Alguns estavam nos galhos, outros, no chão; alguns, vestidos como moradores das tribos locais, outros, no estilo simples dos trabalhadores da região. Todos carregavam armas de fogo, mas também arcos e flechas e até algumas facas prontas para ser arremessadas. Além do som de pistolas sendo engatilhadas, não havia nenhum outro ruído. Um dos homens de Valdez começou a gritar com os outros, mandando que atirassem, como se precisasse que outra pessoa puxasse o gatilho para não ter de ser o primeiro. Uma flecha voou e se enterrou no chão a alguns centímetros de sua bota esquerda enlameada. Ele olhou fixamente para a flecha por um ou dois segundos, depois jogou a arma no chão. Em questão de instantes, os outros capangas foram descartando suas armas, e os homens da tribo cuiqawa, antes ocultos pela vegetação, agora surgiam com rapidez e os cercaram. Vários deles correram para o jipe roubado de Drake, e um levantou o cetro embrulhado em estopa do banco traseiro, sacudindo-o no ar em triunfo. Depois assentiu com a cabeça em direção a Drake, em um agradecimento silencioso. Drake esperava que o sujeito soubesse que não fora atrás do cetro apenas para ganhar a gratidão da tribo. Levantou-se e se encaminhou para onde Alex estava. A garota ainda parecia apavorada, olhando para os cuiqawa como se fossem uma nova ameaça. Drake a ajudou a se levantar. — Que tal agora? — perguntou. — Isso conta como um resgate? 2 rake passou a maior parte do voo de Guayaquil a Chicago recuperando o sono perdido. Depois da adrenalina dos últimos dias, nos quais lutara com unhas e dentes contra a própria morte, sentia-se exausto, embora contente — o que era raro. Havia acertado as contas com Valdez, devolvido um artefato de valor cultural inestimável aos verdadeiros donos — tudo bem que ele mesmo o tinha roubado da primeira vez — e agora voltava para casa com mais dinheiro do que tivera em muito tempo. A tribo pagara o combinado por ter recuperado o cetro, e o prefeito de Guayaquil lhe dera mais uma quantia em dinheiro em agradecimento por ter a filha de volta, sã e salva. O fato de o resgate ter sido acidental só tornava a recompensa mais doce. Era o tipo de sorte que Drake raramente tinha, e mal podia esperar para dividir a narrativa desse acaso incrível com Victor Sullivan, seu melhor amigo e parceiro ocasional em aventuras como essa. Havia várias crianças choramingando durante o voo, e o passageiro do banco de trás, do tamanho de um lutador de sumô, não pareceu muito feliz quando Drake inclinou a poltrona, mas ele se sentia imune às tentativas do mundo de interromper seu deleite. Colocou os fones de ouvido e, embalado por um som baixinho, dormiu durante todo o filme, acordando apenas quando serviram um prato gosmento de frango e brócolis. O avião pousou quase quinze minutos antes do horário previsto — perto das dez da manhã , e, quando Drake desafivelou o cinto de segurança e se levantou, contente e descansado, teve a impressão de que vários passageiros o olhavam com inveja. A maioria parecia pálida e cansada, mas ele se sentia bem enquanto retirava a mochila de sob a poltrona e a sacola do compartimento de cima. O passageiro lutador de sumô ainda tentava soltar o cinto quando Drake saiu da aeronave. Enquanto caminhava de um terminal a outro, sentiu o cheiro de pretzels, e o estômago rugiu. Tinha conseguido engolir a gororoba que a companhia aérea servira aos passageiros, mas agora estava faminto outra vez, e essas delícias eram seu ponto fraco. Como criptonita se é que criptonita podia ser macia, quentinha e coberta de açúcar e canela. Ou algo parecido com isso, pensou. Enquanto esperava na fila por um pretzel e um café expresso, Drake enfiou a mão no bolso e tirou o celular, que permanecera desligado durante todo o voo. Havia algumas chamadas perdidas e recados na caixa postal. A primeira era um monólogo desconexo de uma mulher bêbada; supôs que fosse engano. A segunda mensagem era de Vivian, a agente de viagens que lhe prestava serviços quando precisava fazer uma longa jornada sem deixar rastros. Drake improvisava demais para o gosto dela, e, às vezes, Vivian reclamava do tempo que ele demorava para procurá-la entre uma viagem e outra. Dessa vez, ligara para repreendê-lo por voltar do Equador aos Estados Unidos usando o próprio passaporte. Drake não gostava de fazer isso, por medo de chamar a atenção do Departamento de Segurança Interna, mas era só um cara visitando a América do Sul, não um jihadista que tivera aulas de voo e passara semanas treinando nas montanhas do Afeganistão como explodir alguma base secreta. A terceira mensagem era de Sully: Nate, sou eu. Me ligue assim que pegar esse recado. Aconteceu uma coisa, e preciso muito de um segundo par de olhos. Um cérebro a mais também não faria nenhum mal... O telefone tocou, e ele olhou para o aparelho, surpreso ao ver que era Sully ligando de novo. — Sully ele disse, franzindo o rosto. O que há de tão importante assim? Notou um movimento com o canto dos olhos e tomou um susto, a desconfiança dos últimos dias voltando, mas era apenas a garota atrás do balcão entregando-lhe o pacote que exalava um delicioso aroma de canela. —Já está em solo americano, Nate? — Sully perguntou. — Tenho uma escala em Chicago — Drake respondeu, enquanto se dirigia a uma pequena mesa onde podia se sentar de costas para a parede. Ouviu quando Sully fez uma pequena pausa. Por causa do charuto, Drake pensou. Sully decidia parar de fumar praticamente uma vez por mês, e passava um bom tempo mastigando a ponta de um cubano apagado, como se desafiasse a si próprio a acendê-lo. Nessa manhã, era evidente que havia voltado a fumar. — Chicago — Sully repetiu, a voz grossa ainda mais áspera que de costume. — Em quanto tempo consegue chegar a Nova York? Nate parou, o pretzel macio na metade do caminho até a boca. — O que tem em Nova York? Ouviu Sully soltando outra nuvem de fumaça de charuto antes de responder: — Um assassinato. Pouco depois das três e meia da tarde, Drake estava sentado no banco de trás de um táxi em Nova York, inalando a fumaça do incenso que o motorista acendera e observando as placas verdes com nomes de ruas que passavam ao longo do caminho para a estação Grand Central. Poderia ter tomado o ônibus de traslado diretamente do Aeroporto Internacional JFK, no Queens, até a estação, no centro de Manhattan, mas Sully tinha urgência em vê-lo e, pelo menos dessa vez, estava com os bolsos cheios. Só lamentava que Sully não tivesse sido um pouco mais claro ao telefone. Drake passara a vida aprendendo a lidar com as coisas conforme aconteciam, e o amigo adorava guardar tudo até o último segundo. Mas Drake não achava que a relutância do velho caçador de tesouros em dar detalhes tivesse algo a ver com essa “mania”. Sully havia desligado o telefone com pressa, mas Drake pudera ouvir uma mulher chorando ao fundo. Se o velho amigo e mentor não queria falar sobre o assassinato, era porque alguém na sala estava de luto. Ninguém podia dizer que o cara era um tipo sensível, mas não significava que fosse desumano. Uma amiga de luto também justificaria o fato de Sully não ter ido buscá-lo no aeroporto. Normalmente, quando precisava da ajuda de Drake, ele passava todas as informações assim que possível. Dessa vez, no entanto, só pedira que o encontrasse perto do relógio no saguão da Grand Central. Parou em frente a um restaurante chamado Pershing Square, que ficava um tanto escondido sob o viaduto da Park Avenue. Pagou o motorista sem de fato olhar para o homem, concentrado nos próprios pensamentos. Tivera muita sorte em conseguir um voo para Nova York apenas meia hora depois de falar com Sully e, durante as quase duas horas e meia no ar e a corrida de táxi, havia deixado a mente viajar ou focar outros assuntos. Mas agora não podia mais evitar a curiosidade. Victor Sullivan praticamente o criara desde que era adolescente e lhe ensinara tudo — ou quase tudo que sabia a respeito da sobrevivência no negócio de “aquisições praticamente impossíveis”. Os dois tinham viajado o mundo inteiro caçando tesouros e antiguidades a serviço de qualquer um que pagasse bem. E, durante todo esse tempo, ele jamais ouvira a voz de Sully tão seca e cansada como naquele telefonema. Um taxista enfiou a mão na buzina quando Drake atravessou a rua correndo. O vento frio de outubro o atingiu em cheio, e ele tremeu, desejando ter um casaco à mão. Deixara as malas em um armário no JFK. Não havia grande coisa nelas que pudesse ajudá-lo ali. No Equador, o clima era quente e úmido. Drake passava tempo demais em locais assim, por isso não se importava com a brisa gelada de outono, embora fosse uma mudança brusca, como atravessar um portal que o conduzisse ao outro lado do mundo. Isso facilitaria muito minha vida!, pensou. Mas é claro que esse tipo de coisa só existia em histórias fantasiosas de ficção científica, nas quais os heróis eram nobres, e a morte, nem sempre a última parada. A vida real tinha regras bem menos convenientes. Drake abriu a pesada porta de vidro e latão e percorreu o caminho forrado de pedras até a segunda porta. Um homem com uma barba enorme e suja e olhos fundos estava de pé segurando uma placa que anunciava a chegada do fim dos tempos, mas não havia como saber se comemorava ou lamentava o acontecimento. Quando entrou no saguão — a câmara enorme e decorada que sempre lhe vinha à cabeça quando pensava na Grand Central --, caminhou em linha reta até o grande relógio. Avistou Sully nas imediações, mas ele estava de costas, observando as escadas do terminal, provavelmente recordando a cena do carrinho de bebê em Os intocáveis, de Brian de Palma, que por sua vez era uma homenagem ao russo O encouraçado Potemkin. Haviam passado juntos pela Grand Central algumas vezes, e em todas elas Sully mencionara os filmes ao ver a escada. O amigo o viu chegando e se empertigou. Pelo olhar amargo, Drake se deu conta de que talvez não fosse em velhos filmes de bandidos que estivesse pensando, afinal. — Nate — Sully disse , — obrigado por ter vindo. —Já estava em viagem. Só fiz um desvio — Drake respondeu. Geralmente, os diálogos entre os dois eram piadinhas e provocações, mas dessa vez tivera a impressão de que uma abordagem bem-humorada não seria a mais apropriada. — O que aconteceu, Sully? Você falou em assassinato. Só de olhar pra você, vejo que não se trata de um mistério qualquer. Sully franziu o rosto, alisando o bigode grisalho. — Não pareço tão jovial e alegre como de costume, não é? Acho que não mesmo. Mas você está um lixo também, portanto não me critique. Drake arqueou as sobrancelhas. — É bom ver você. Um sorriso cansado se esboçou no rosto de Sully, e um pouco do brilho malicioso tão característico reluziu em seus olhos. Mas logo o sorriso se desfez, e o olhar ficou sombrio. Ele apontou com a cabeça a fileira de arcos que conduziam às plataformas dos trens. — Vamos nessa. Por aqui disse. Drake o seguiu em silêncio. Se Sully desejava dar respostas em uma ordem específica, não faria objeção. Ele tinha esse direito, além de muitos outros, considerando os anos de amizade. Mesmo assim, Drake estudou o velho amigo enquanto desciam pela escada da estação. Grande apreciador de bebidas e mulherengo inveterado, Sully pareceria muito mais à vontade jogando em um cassino de Havana dos anos 1950 do que lidando com os Estados Unidos do século XXI. Os cabelos grisalhos e desgrenhados e as marcas profundas ao redor dos olhos denunciavam que não dormira bem na noite anterior. Usava uma jaqueta marrom de couro sobre uma de suas guajaberas — camisas de linho muito comuns na América Latina e no Caribe. Tanto a camisa quanto a calça cáqui estavam vincadas, um indício de que ainda usava a roupa da véspera. Fazia quase dois meses que não se viam, embora tivessem se falado por telefone menos de uma semana antes. Na ocasião, não notara nenhum sinal de que algo pudesse estar errado. Mas um assassinato, em geral, vinha sem aviso. Sully o conduziu pelo pátio inferior. Atravessaram diversas entradas em arco que davam para uma dezena de túneis de metrô, até que, em uma dessas passagens, desceram uma dúzia de degraus e chegaram a uma plataforma de embarque. Luzes piscavam, instáveis, lutando contra a escuridão. O ressoar de trens próximos e distantes dava a impressão de que a qualquer momento as paredes despencariam sobre eles. O barulho fez Drake se lembrar de quando era criança e ficava contando os segundos entre os trovões, tentando imaginar a distância da tempestade e se os raios viriam em sua direção. Nenhum sinal de trem na plataforma. Drake havia imaginado que estivessem prestes a embarcar, mas, ao que tudo indicava, não era isso. O local parecia abandonado, exceto por uma fita amarela usada pela polícia para isolar um dos lados da plataforma. Nem precisou perguntar; sabia agora para onde se dirigiam. A duas plataformas de distância, um trem assobiava, esperando passageiros atrasados, que corriam para alcançá-lo. Um maquinista estava ao lado da porta, apressando a entrada de todos. O homem olhou para eles. Em outros tempos, não ligaria para a presença daqueles dois, mas, depois do Onze de Setembro, tudo havia mudado em Nova York. Sully parou bem no limite da fita que isolava o local do crime e não fez menção de ultrapassá-la.Já haviam atraído atenção demais só por estarem ali sem nenhum motivo aparente. Drake se perguntou se o homem pensaria que eram detetives à paisana, mas então percebeu que estavam muito malvestidos para provocar essa impressão. E, se tivesse visto de relance aguajabera sob a jaqueta do amigo, saberia de cara que não eram tiras. A maior parte dos policiais mantinha suas esquisitices muito bem guardadas. Parado ao lado da fita, Sully tirou um charuto do bolso interno da jaqueta. Não era dado a obedecer regras, mas não o acendeu; só o colocou na boca e o prendeu entre os dentes por um minuto, pensativo. — Está me assustando um pouco, Sully. Que tal começar me contando quem morreu? Sully deteve o olhar mais um instante em um ponto além da fita amarela, depois tirou o charuto da boca e se virou para Drake: — Esta plataforma está fechada desde ontem à noite. Um trem chegou de Connecticut, após várias paradas, e, quando partiu, havia um velho baú bem ali. A maior parte das pessoas embarcou para deixar a cidade, mas algumas desceram também. Um dos maquinistas disse que se lembrava do baú e que havia dois homens sentados perto dele. Achou que os dois o tivessem carregado até ali, mas não olhou com muita atenção. Só conseguiu se lembrar depois dos casacos escuros que usavam. Sully franziu o rosto e sacudiu a cabeça, frustrado. — Pense nisso, Nate. Aquele baú podia ter qualquer coisa dentro dele, O troço podia estar cheio de explosivo plástico ou algo parecido. Pode imaginar um volume desses sendo detonado sob a cidade? Ficamos tão obcecados com aviões, mas ninguém presta atenção em... Fez uma pausa e respirou fundo. Parecia mais enfurecido que amargurado, mas Drake conhecia Sully o suficiente para ver que sentia uma mistura das duas coisas. — Então o baú não estaca cheio de explosivos? — Drake arriscou. Sully o fitou com uma expressão dura. Eu só estava divagando. Não, não estava, mas reagiram como se estivesse. Pararam centenas de trens antes de chegar à estação e evacuaram o local. As autoridades trouxeram agentes antiterrorismo, e a polícia mandou um esquadrão antibombas. Vieram até cães farejadores, que não encontraram nada, mas ainda assim trataram o negócio como se pudesse explodir a qualquer momento. Um dos policiais, que treina cães para localizar corpos e conhece o cheiro muito bem, suspeitou que havia um cadáver no baú. Estava certo. Drake colocou a mão no ombro do amigo, odiando testemunhar seu sofrimento. Sully... Era o Luka continuou Sully, o maxilar retesado e ódio no olhar. Mas não inteiro, Nate. Luka estava sem braços e sem pernas; só tinha o tronco. Cortaram a cabeça dele também, mas pelo menos ela estava no baú. Quem quer que tenha feito isso, não amputou os membros para atrapalhar a identificação, ou não teria posto a... A voz de Sully falhou. Com uma careta, enfiou o charuto de volta na boca e fixou mais uma vez um ponto além da fita, O trem que estava a duas plataformas de distância passou a se mover, rangendo alto, e Drake imaginou se o maquinista ainda os observava. Também se indagou sobre o motivo de os tiras ou o FBI ainda não estarem em cima deles, querendo saber por que estavam ali. Se o baú contivesse explosivos, e não um corpo, jamais teriam conseguido se aproximar do local sem ser detidos. Um assassinato, pelo jeito, não recebia a mesma atenção. Luka Hzujak era arqueólogo, professor universitário e colecionador de antiguidades, além de um dos mais antigos e queridos amigos de Victor Sullivan, alguém que encarava a história contemporânea como um mistério tão grande quanto o que viria amanhã. Era conhecido por irritar colegas e chefes, porque se recusava a aceitar as versões convencionais de episódios históricos, em particular as dos mais antigos. Nos últimos anos, Luka havia se firmado como autor bem-sucedido de histórias controvertidas, escritas em linguagem acessível ao público em geral. Drake estivera com Luka pelo menos uma dúzia de vezes e gostava muito dele. Naquele momento, lembrou-se do olhar sempre malicioso e da maneira como Luka costumava passar a mão no cavanhaque, como se fosse um diabo de desenho animado. O arqueólogo nunca condenara Sully pelo trabalho que ele e Drake faziam, principalmente por acreditar que a maior parte das provas existentes para desafiar a versão dos historiadores a respeito do passado vinha de saqueadores de tumbas e caçadores de tesouros. — Sinto muito, — Sully Drake disse. — Uma coisa como essa... não deveria acontecer com ninguém, muito menos com alguém como Luka. A polícia já descobriu alguma coisa? Drake nem perdeu tempo perguntando onde Sully havia conseguido tantas informações sobre a descoberta do corpo. Claro que ele tinha uma fonte dentro da polícia, o que não era surpresa alguma para alguém que parecia ter um companheiro de bebida ou de jogo em praticamente todo lugar. Seis anos atrás, haviam passado algumas semanas bem chuvosas no Butão, procurando por antigas máscaras com forma de animais e demônios. No primeiro dia, tinham ido ao mercado comprar alguma coisa para protegê-los da chuva, e um homem que vendia queijo de cabra e vinho batera nas costas de Sully e o abraçara como se fosse um irmão que não via fazia anos. Quando o cara se afastou um pouco, Drake percebeu uma vaga suspeita nos olhos do mercador. Os dois eram amigos, mas era evidente que não confiavam um no outro. Ele mesmo gostava bastante do velho amigo, pelo menos na maior parte do tempo, mas uma das primeiras coisas que Sully lhe ensinara era que manter certa dose de desconfiança era saudável e o manteria vivo durante um bom tempo. O contato de Sully na polícia, no entanto, não fora de muita ajuda. — Não conseguiram absolutamente nada — Sully respondeu. Drake franziu a testa e olhou para o teto, onde as luzes piscavam. — Sério? Isso aqui é a Grand Central. Há câmeras por todo lado. Claro. Mas não significa que todas funcionem. Quando o orçamento aperta, é preciso fazer algumas escolhas. Certas coisas são deixadas de lado — Sully comentou, virando-se de novo para Drake. — Só que temos uma coisa que os tiras não têm. —O quê? Os olhos de Sully cintilaram em uma mistura de dor e orgulho. — Temos Jada. 3 rake e Sully pegaram o metrô da Grand Central até a Times Square e, depois, a linha para o norte da cidade. Sentaram juntos, em silêncio, e Sully observava os outros passageiros quase obsessivamente. As luzes piscavam sem parar, fazendo as marcas de vandalismo no vagão parecer bizarras cicatrizes, O estofamento do assento onde Drake se sentara estava cortado, mas isso não o incomodava tanto quanto o cheiro que impregnava o lugar, mistura de suor e urina, como o espectro do fedor de alguém. O trem deslizava nos trilhos com uma cadência hipnotizante, que poderia ter feito Drake dormir se não tivesse em mente um assassinato. Sully não parava de olhar ao redor mais paranoico que em qualquer outra situação de que Drake se lembrava. — O que foi, Sully? — Drake perguntou, a voz sussurrante, enquanto tentava ver se alguém os observava. A paranoia do amigo começava a contagiá-lo também. Mas era o metrô de Nova York; em geral, as pessoas tendiam a fingir que eram as únicas ocupantes do irem. — Que história foi essa de esconder Jada? — Não foi minha ideia — Sully murmurou, lançando um ríspido olhar para Drake. — Ela não quer falar com os tiras, porque tem medo de terminar morta, como o pai. — Ela sabe quem foi? — Drake perguntou, intrigado. — Não. Mas acha que sabe o motivo. Agora dá um tempo. Vamos chegar lá daqui a pouco. Drake não retrucou. O assassinato de Luka deixara Sully assustado. Se estava mais precavido que o normal porque temia pela vida de Jada, Drake não o culpava. Seu amigo era padrinho da moça e levava isso muito a sério. Faria o que fosse preciso para assegurar que a garota estivesse a salvo. Muito embora Jada não fosse mais uma garotinha. Da última vez que Drake vira Jadranka Hzujak, ela tinha onze ou doze anos. O tempo havia passado, mas era dificil imaginar jada como uma mulher adulta. Cinco ou seis anos atrás, ele e Sully tinham se encontrado com Luka em um pequeno restaurante no Soho que tinha a mesma aparência fazia décadas. No jantar, Luka comentara que Jada estava gostando da faculdade; portanto, devia ter agora seus vinte e poucos anos. Mas ele não conseguia tirar da cabeça a imagem daquela garotinha que conhecera. Quando o trem desacelerou, próximo à estação da rua 79, Sully deu um tapinha no joelho de Drake e se levantou, desviando dos passageiros que estavam de pé. Ele o seguiu, sorrindo enquanto contornava uma moça escandalosamente grávida. Na plataforma, Sully se encostou na lateral de uma banca de jornais e esperou que as portas se fechassem e o trem partisse. Agora Drake teve certeza de que a cautela de Sully já beirava o exagero, mas, como havia mudado de planos, vindo direto para Nova York, e não parara um segundo sequer desde que descera do avião, aqueles minutos de descanso até que eram bem-vindos. Além do mais, conhecia a estratégia: esperar que a plataforma esvaziasse para que qualquer pessoa que os quisesse seguir não pudesse mais se misturar à multidão. Quando os últimos passageiros deixaram a plataforma e o trem partiu, Sully se movimentou, e os dois subiram a escada em silêncio. Do lado de fora, a brisa gélida de outono varria as folhas na calçada. Tomaram a direção do centro, e Drake esperou com calma até que estivessem a meio quarteirão da entrada da estação antes de voltar a falar. — Vamos, — Sully disse. A paciência é uma virtude, mas nunca foi uma das minhas. Você me arrastou metade do país afora... — Você estava em Chicago. Não chega nem perto da metade. Drake franziu a testa. — Nunca fui bom de conta. Mas não é esse o ponto. Luka está morto, e, pelo seu modo de agir, é óbvio que acha que quem quer que o tenha matado não vai parar por aí. E, se também posso acabar dentro de um baú, sem braços nem pernas, gostaria ao menos de saber no que estou me metendo. Sully lhe lançou outro olhar duro: — Também gostaria. Então soltou um longo suspiro e olhou ao redor para se certificar de que ninguém estaria prestando atenção neles. Enfiou as mãos nos bolsos e olhou para a frente, falando baixinho: — O negócio é o seguinte Sully começou: Talvez se lembre de que a mãe de Jada morreu quando ela era bem novinha. — Câncer de mama, não foi? — Drake perguntou. — Pulmão — corrigiu Sully. — Luka se casou de novo alguns anos atrás, com uma mulher chamada Olivia. Jada a chama de “bruxa-madrasta” Olivia trabalha para uma empresa chamada Phoenix Innovations. O presidente é um tal de Tyr Henriksen... norueguês, acho. A Phoenix é basicamente uma fabricante de armas com filiais no mundo todo, com um setor de pesquisas que trabalha sem fazer muito alarde. — Por que esse nome me parece familiar? — Drake perguntou, preocupando-se ao perceber, com o canto do olho, um carro diminuindo a velocidade. Era um táxi que deixava um passageiro, mas Sully o deixara assustado. — Tyr Henriksen, não a empresa. — Pensei que ia mesmo se tocar — Sully respondeu. Henriksen é um colecionador de antiguidades e não se importa de adquirir as coisas de maneira questionável se uma tentativa honesta não der certo. — Ou seja: contrata contrabandistas e ladrões se necessário — Drake resumiu. Sully arqueou uma das sobrancelhas. — Pois é. Consegue imaginar uma coisa dessas? Mentirosos e trapaceiros. Drake não respondeu. Sully estava brincando, mas não achou muita graça. Ele driblava um pouco as regras, algumas vezes chegando a quebrá- las, e seu ramo de trabalho o aproximava de pessoas bem desagradáveis, mas gostava de pensar que não fazia parte desse grupo malvisto. — Três meses atrás, Henriksen mandou um recado a Luka por intermédio de Olivia, a fim de atraí-lo para um projeto particular — Sully explicou. Luka teve um mau pressentimento sobre a proposta de Henriksen. Vasculhou um pouco, começou a fazer a pesquisa que ele queria, mas descobriu algo que o preocupou tanto que acabou caindo fora. Quer dizer, Luka não abandonou o projeto de verdade. Continuou trabalhando, mas para si mesmo, não para Tyr Henriksen. — Isso é muito vago, não? Haviam percorrido dois quarteirões e agora paravam na esquina da rua 81 com a Broadway, esperando o sinal abrir. Havia uma Starbucks do outro lado da rua, mas Drake, apesar de achar que um café cairia como uma bênção, manteve a atenção em Sully e nas pessoas ao redor. Uma jovem vestida de executiva, indiana ou talvez paquistanesa, caminhava com um cachorrinho de madame. Dois homens atravessavam na faixa carregando copos de café e rindo. Não conseguia ver nenhuma ameaça iminente, mas a sentia, mesmo sabendo que se devia muito mais ao que ouvira do amigo do que a algo concreto. — Num primeiro momento, Luka contou a Jada que o projeto de Henriksen envolvia a resolução de um mistério e que havia um tesouro na história, algo de valor incalculável — Sully disse. — Uma coisa... por cujo valor valeria a pena matar Drake concluiu. — Parece ter sido o caso, não? — Sully ponderou. O sinal abriu, e continuaram caminhando ao longo da Broadway. — Luka decidiu que queria o tesouro para si mesmo — Drake sugeriu. — Não, não era do feitio dele. Luka não se colocaria em risco desse jeito. Ele amava o trabalho e a filha, e sempre tive a impressão de que era muito feliz. — Sem querer ofender, Sully, mas você via Luka uma vez a cada dois anos. As pessoas mudam. E, mesmo que Luka não tivesse mudado, não tem como entrar na cabeça de uma pessoa e ver o mundo do jeito que ela vê. Sully balançou a cabeça em um gesto negativo: — Sem chance. Eu o conhecia tão bem quanto conheço você. E Jada concorda comigo. Ela disse que o pai não estava empolgado do jeito que alguém fica quando está prestes a colocar as mãos em algo especial. Falou que o velho parecia assustado. Quando quis saber o Luka respondeu que o projeto de Henriksen era perigoso e que único jeito de detê-lo era encontrar o tesouro antes dele. Viraram na rua 82. Cruzaram com um homem idoso, o sobretudo de lã grande demais para o corpo arqueado devido à idade, e Sully esperou que passasse antes de parar e se voltar para Drake: Olha, Nate, isto aqui é o que importa de verdade. Luka era um bom homem. Quero que quem o matou, quem quer que seja, pague por isso. Além do mais, Jada está determinada a continuar o trabalho dele. Custou a vida do pai, e ela vai levar a história até o fim, por Luka. Meu plano é fazer parte disso também. Não sou mais tão jovem, e Jada não está acostumada com esse tipo de risco, então precisamos da sua ajuda. Se terminar em uma cova rasa em algum lugar por aí, pelo menos vai saber que partiu dessa para uma melhor fazendo algo de bom. Drake arqueou uma das sobrancelhas, incapaz de esconder um sorriso irônico. — Bom, se você coloca desse jeito... como posso resistir? Sully deu um tapinha no ombro do amigo. — Obrigado. Significa muito pra mim. — Não me venha com esse papo sentimental, Sully. Vai me fazer corar. Sully revirou os olhos e se afastou, cruzando a rua em diagonal na direção de um prédio de cinco andares que ocupava metade do quarteirão, na esquina da rua 82 com a avenida West End. Drake esperou que um entregador numa lambreta antiga passasse zunindo por ele. depois seguiu o amigo. O Upper West Side de Manhattan parecia um bom lugar para morai com árvores plantadas ao longo das calçadas e portõezinhos de ferro trabalhado, na altura da cintura, protegendo pequenos caminhos que levavam às portas da frente. O prédio tinha a fachada vermelha, sótão e um detalhe no alto que lembrava um chalé suíço. Sully apertou um botão de interfone com o nome “Gorinsky” ao lado, e a porta foi aberta imediatamente. O apartamento ficava no quarto andar, nos fundos do prédio. De acordo com Sully, pertencia a uma amiga de Jada, dos tempos de faculdade, que estudava no exterior e lhe deixara a chave e um convite para usar o lugar sempre que estivesse na cidade. Se havia um elevador, Drake não viu, e ficou impressionado com a facilidade com que Sully subiu a escada. Não que achasse que ele teria uma parada cardíaca no meio do caminho, mas Sully não era mais jovem, e fumar charutos não era exatamente o hábito de um atleta. A porta se abriu antes que chegassem. A mulher que os esperava podia passar por uma adolescente, se vista de relance. Usava uma blusa creme de mangas longas, calça preta justa e botas pretas comuns, mais confortáveis que atraentes. Seu cabelo era preto, mas as longas mechas que emolduravam o rosto haviam sido tingidas de um vermelho intenso. Observando com atenção, Drake percebeu força no corpo de um metro e sessenta, e inteligência cintilando nos olhos castanhos. Definitivamente, Jada Hzujak não era mais uma criança. — Que diabos pensa que está fazendo? — Sully perguntou baixinho, conduzindo-a pelo braço de volta ao apartamento. Nem mesmo perguntou quem era antes de abrir a porta para nós. Jada levantou o queixo em um gesto de desafio: — Não sou burra, tio Vic. Tem uma câmera no hall, lembra? Eu vi vocês. — Ela apontou para o painel do interfone ao lado da porta. Do corredor, Drake não conseguia ver Sully, mas imaginou que estivesse checando o sistema de segurança, um tanto constrangido. Isso o fez sorrir. Jada se voltou para ele: — Vai ficar aí parado na porta, sorrindo feito um idiota, ou vai entrar? — Olha, estava hesitando — Drake respondeu —, mas acho que vou entrar. Ela se afastou para deixá-lo passai; depois fechou e trancou a porta. Drake olhou para Sully. — O gato comeu sua língua, “tio Vic”? — Cala a boca — o amigo rosnou. O apartamento era simples, sem luxo nem conforto, decorado em tom pastel por alguém sem um pingo de imaginação. As poucas obras de arte nas paredes pareciam ter sido todas escolhidas para combinar com a decoração. Os únicos indícios de que alguém morava ali eram as almofadas jogadas no sofá e papéis e livros amontoados no chão e na mesinha de centro. —Jada, talvez você se lembre de Nate... — Sully começou. — Eu me lembro bem dele Jada disse, prendendo uma mecha vermelha atrás da orelha enquanto observava Drake com frieza. — Só que me lembrava de você mais alto. Drake sorriu. — Bom, sendo bem honesto, você também era menor naquela época. — E você era mais bonito. O sorriso desapareceu do rosto de Drake. — Você também. Com aquele jeito de menina mandona de dez anos. — Eu tinha doze. — Eu sei. Jada riu, mas logo se conteve, sentindo-se culpada por se divertir depois de seu pai ter sido brutalmente assassinado. Ainda assim, conseguiu esboçar um leve e melancólico sorriso — o modo mais sutil possível de reconhecer que havia gostado da troca de gentilezas. Em seguida, voltou-se para Sully: — Fiquei trabalhando enquanto você estava fora —Jada disse. — Queria ter alguma coisa pra mostrar quando voltasse. Sully a seguiu e sentou no braço do sofá enquanto ela organizava os papéis na mesinha de centro e mais alguns que estavam no chão. Drake reparou que muitas das folhas tinham desenhos do que pareciam ser labirintos, com ilustrações completas e detalhadas, não um rascunho qualquer. — O que contou pra ele? —Jada perguntou a Sully. — Só a parte sobre Henriksen e os temores de Luka. Não falei nada sobre a parte histórica da coisa — Sully respondeu. — Ele está de pé, bem aqui — Drake retrucou para Jada, desviando o olhar para Sully em seguida. E pensei que ela não soubesse nada sobre esse projeto misterioso. — Ela sabia um pouco e está tentando descobrir o resto da história — Jada replicou, erguendo a cabeça e estudando-o. — O que sabe sobre alquimia? Drake deu de ombros: — O que se pode saber? Que gente louca acreditava poder transformar um metal qualquer em ouro... Seria legal, né? Só que acabaria com o mercado de trabalho de gente que vive em busca de objetos históricos. Jada pegou um velho livro com a capa amarelada e danificada nas bordas. Mal se podia ler o título: Ciência, magia e sociedade. — Você não parece ser do tipo que faz dever de casa — ela disse. — Mas, se quiser dar uma olhada, não seria má ideia. Muitos homens ao longo dos séculos se apresentavam como alquimistas e diziam ser capazes de produzir ouro. Diziam ser capazes de várias outras coisas também. São Germano contou para toda a Europa que era imortal. Fulcanelli tinha fama de feiticeiro. Nicolas Flamel supostamente descobriu os segredos da pedra filosofal. Drake pegou o livro e folheou algumas páginas. Na verdade, meu favorito sempre foi Ostanes, o Persa. Você sabe, o cara que estava com Xerxes durante a invasão da Grécia. Aparentemente foi ele quem levou a magia negra ao mundo helênico. Tremendo sem-vergonha, esse cara. Jada assentiu com a cabeça, impressionada. — Sabe a piada que fiz sobre dever de casa? Retiro o que disse. Drake sentou-se no sofá, atento como um aluno CDF em sala de aula. — Não se impressione tanto — Sully avisou, fazendo pouco-caso. — Não há como se dar bem como colecionador de antiguidades sem conhecer os principais alquimistas. — Mas completei todo o álbum de figurinhas... — Drake acrescentou. Sully fuzilou-o com o olhar. Drake se perguntou se era para parar com as piadas ou com o flerte. Não que desejasse chegar a algum lugar com isso. Era apenas um hábito que desenvolvera quando estava perto de mulheres que o deixavam meio nervoso. Deslumbrante, esperta e de língua afiada, Jada era dona de uma ironia que Drake apreciava. No entanto, Sully queria protegê-la de tudo, e Drake não tinha a menor intenção de testar os limites do amigo. — Fiz várias anotações para tentar entender um pouco melhor as coisas que ouvi meu pai falar nas últimas semanas — Jada explicou, gesticulando na direção dos papéis. Tio Vic e eu fomos à biblioteca hoje de manhã, logo depois que ele te ligou, para consultar os livros que tinham absorvido tanto meu pai no último verão. Não consegui encontrar todos, mas tentei achar outros que pudessem ajudar. “O que mais me interessou foram as coisas que não consegui encontrar — ela continuou, olhando para Drake. — Uma das minhas lembranças mais claras é do meu pai falando que tinha encontrado uma ligação entre todos os que ele chamava de grandes alquimistas e o rei Midas.” — Não é tão inusitado assim — Sully comentou. Supostamente, Midas conseguia transformar em ouro tudo o que tocava. Drake se inclinou para a frente e pegou uma das folhas. — Talvez tenha faltado à aula nesse dia, mas, até onde sei, Midas era apenas um mito. Jada assentiu com a cabeça. — Talvez, mas meu pai costumava dizer que toda lenda tem um mínimo de verdade. — O que significa tudo isso? — Drake perguntou, segurando o desenho parecido com um labirinto. Ela tomou o papel das mãos dele. — Meu pai estava fazendo várias pesquisas, mas as investigações convergiam para dois assuntos. O primeiro era a alquimia. O outro eram labirintos. — Qual é a ligação entre eles? — Drake perguntou. — Não sabemos ainda — Sully respondeu, folheando os desenhos. — Jada conseguiu desenterrar referências a alguns dos labirintos mais famosos hoje cedo. Rabiscar me ajuda a pensar — ela explicou. — Hoje em dia, só existem ruínas e fundações da maior parte dos labirintos antigos, mas os arqueólogos acreditam ter conseguido decifrar alguns com base em plantas locais. Tentei reproduzir algumas delas para ver se encontrava algo na maneira como foram desenhados. — Teve sorte? Drake indagou. Jada se deteve por alguns instantes, pensativa. — Um pouco — disse, inclinando-se para pegar um livro na mesinha de centro. — Mas a sorte maior estava bem diante do meu nariz, e só fui me dar conta disso há uns vinte minutos. — Ela indicou a capa com o dedo, chamando a atenção deles para o nome do autor: Maynard P. Cheney. — Você conhece o cara? — Sully perguntou. — Não — Jada respondeu. — Mas meu pai conversou com ele várias vezes nas últimas semanas. Cheney está finalizando uma nova exposição para o Museu de História Natural. Quer adivinhar o assunto? Drake levantou a ilustração do labirinto e arqueou as sobrancelhas. — Exatamente. — O museu fica a alguns quarteirões daqui — Sully falou, levantando-se. — Vamos ter uma conversa com o senhor Cheney, então — Drake propôs, deixando o papel de lado. Jada também se levantou, e os dois se viraram para ela. — Ah, não, nem pensar — ela argumentou, desviando o olhar de um para o outro. — Meu pai está morto, e esse cara pode nos ajudar a descobrir por quê. Se esperam que eu tranque a porta e me esconda atrás do sofá, estão muitíssimo enganados. Por um instante, Sully pareceu prestes a retrucar. A simples ideia de colocar Jada em risco já o deixava pálido, mas bastou um olhar de relance na direção dela para desistir de pedir que ficasse no apartamento. Drake gostava cada vez mais da garota. Enquanto Jada abria a porta, Drake comentou com Sully: — É, parece que ela vem conosco. Sully abriu um sorriso de derrota. — Quer tentar impedi-la? Drake seguiu Jada para fora do apartamento. — Nem se fosse louco. *** Enquanto desciam a rua 81, Drake ficou um pouco para trás, atento a Sully e Jada, mas também ao que acontecia ao redor. Observava cada pedestre e veículo que passava, mas não viu nenhum sinal de estarem sendo seguidos. Haviam montado apenas uma pequena parte do quebra-cabeça sobre a morte de Luka, mas, se ele descobrira algo importante relacionado à alquimia, as chances de o assunto envolver ouro eram grandes. Talvez muito ouro. E não eram poucas as pessoas que fariam qualquer coisa por um tesouro desses. Drake sabia que, mesmo que os assassinos de Luka a lógica sugeria mais de um, considerando o esforço necessário para carregar um baú com um corpo até uma plataforma de trem sem ninguém perceber tivessem descoberto onde Jada estava escondida, não tinham como prever qual caminho os três tomariam quando saíssem do apartamento. Ainda assim, estava preocupado. Conforme caminhava, repassou mentalmente tudo o que sabiam até então. A mulher de Luka o havia apresentado ao chefe. Drake não tinha certeza do cargo que ela ocupava na Phoenix Innovations, mas era de imaginar que conhecesse pelo menos alguns detalhes do projeto em que Henriksen queria que Luka trabalhasse. Ao abandonar tudo e começar as pesquisas sozinho, o marido poderia ter colocado Olivia em uma posição complicada. Teria ela relatado a Henriksen o que Luka fazia? Jada se referia a Olivia como “bruxa-madrasta”. Podia não passar de uma piada familiar, mas Drake estava desconfiado. A questão era se Olivia Hzujak dava mais valor ao emprego do que ao casamento. E, se de fato tivesse contado a Henrilcsen o que Luka estava fazendo, será que o bilionário iria tão longe a ponto de ordenar que o homem fosse assassinado? Drake não tinha como saber. Mas Luka estava morto, e quem quer que tivesse executado o trabalho tão violento, bizarro e repulsivo — fizera questão de assegurar que o mundo inteiro soubesse. Os assassinos pareciam querer dar um recado. A essa hora, detalhes da descoberta do corpo do arqueólogo estariam em todos os canais de notícia e na internet. Mas algo não encaixava. Se Henriksen quisesse ver Luka morto, faria do crime um espetáculo tão grandioso? Parecia um risco alto demais para um homem que tinha tanto a perder. Ruminando o assunto, acelerou o passo, enquanto Sully e Jada chegavam à entrada do museu, perto da esquina da Central Park West. Pareciam à vontade juntos, como pai e filha. Seu amigo passava a maior parte do tempo tão preocupado com o próprio umbigo que era fascinante vê-lo agora envolvido com a vida de outra pessoa. Ele não tinha filhos, mas Jada era sua afilhada, e isso bastava. Mesmo que Drake não quisesse ajudá-la algo que faria tanto por ela quanto para resolver esse quebra-cabeça que tanto o intrigava , ainda assim teria aceitado o pedido, apenas porque viera de Sully. Na verdade, era a única coisa que Drake e Jada tinham em comum. Sully era a figura mais próxima de uma família que ambos possuíam. Subiu com rapidez a escadaria da entrada do museu e cruzou a porta. — Alguma coisa? - Sully perguntou. — Não que eu tenha visto — Drake respondeu. Mas não sou nenhum detetive... Sully franziu o rosto. Se soubessem onde Jada estava, teriam nos seguido desde o apartamento. Jada parecia aliviada, e Sully se dirigiu ao balcão de informações. Para quem no dia anterior descobrira que o pai havia sido assassinado, ela até que segurava as pontas muito bem. Quando alcançaram Sully, ele já havia conversado com o homem impecavelmente bem-vestido atrás do balcão, que pegara o telefone e se afastara um pouco. Ao desligar, informou que uma pessoa da equipe do dr. Cheney viria buscá-los. Uma mulher jovem e atraente se apresentou como uma estudante que trabalhava com o dr. Cheney. Havia prendido os cabelos em um coque meio displicente, com alguns fios graciosamente soltos, e, por mais que a combinação da blusa vermelho-escura com a saia cinza tivesse ficado elegante, Drake a achou mais parecida com uma superespiã de filme policial fazendo-se passar por funcionária de museu do que com uma estudante de verdade. Era tão bonita que chegou a lhe provocar a vontade de voltar a estudar ou se tornar curador de museu.Jada e Sully já tinham feito a ela algumas perguntas enquanto eram conduzidos ao segundo andar, mas Drake perdera o início da conversa. — ...surpresa de verdade que a diretoria aceitou tudo tão facilmente a mulher dizia ao seguir escada acima diante deles. — O Whitney Memorial Hail fora usado para exposições especiais diversas vezes, mas neste caso tiveram de realocar toda a exposição de pássaros marítimos para a galeria Akeley. A maior parte dos pássaros, devo dizer. A Akeley é bem menor, por isso alguns deles tiveram de ser armazenados. Em todo caso, o fato de irem tão longe só ressalta o entusiasmo da diretoria com o trabalho do doutor Cheney. Ele vem se dedicando dia e noite nos últimos meses para preparar tudo a tempo. Chegaram ao topo da escada, que dava em uma espaçosa sala circular. Por uma grande entrada atrás dele, Drake entreviu elefantes empalhados, e a visão o entristeceu. Tinha visto alguns, vivos, bem de perto e no próprio território. Encontrá-los ali parecia quase grotesco. — Me desculpe — ele disse, desviando a atenção do elefante. Eu me distraí por um segundo. Qual o tema da exposição do senhor Cheney? A pergunta lhe rendeu um olhar de desprezo da guia. — A exibição do doutor Cheney se chama Labirintos do Mundo Antigo. Sua pesquisa histórica e as provas físicas encontradas são revolucionárias. — E ele é o curador? —Jada perguntou. — Claro — a estudante retrucou, ficando impaciente e claramente irritada com a ignorância deles. Sem dizer mais nenhuma palavra e esquecendo toda a educação, ela deixou a sala circular e desceu um corredor passando por banheiros e uma chapelaria. Uma corda de veludo bloqueava as enormes portas no final. Um pequeno suporte de latão trazia uma placa que pedia desculpas aos frequentadores do museu pelo transtorno causado pelas obras. — Deviam colocá-la no atendimento ao público — Drake murmurou para Sully e Jada. — Ela não é uma simpatia? Sully lhe lançou um olhar de reprovação, mas Jada ficou em silêncio. Ela tinha uma expressão esperançosa no rosto enquanto seguiam a guia e atravessavam a corda de veludo. A estudante pegou uma chave para abrir as grandes portas e empurrou uma delas para permitir que entrassem. — O doutor Cheney está trancado aqui dentro? —Jada perguntou. — Tem uma entrada para funcionários também. Mas este era o caminho mais conveniente para trazer vocês aqui. E Maynard tem uma chave também, é claro. Drake tentou disfarçar o sorriso. Ah, é Maynard agora. Parece que alguém tem uma quedinha pelo chefe. A moça seria até adorável, não fosse tão mal -educada. Drake quase atropelou Sully e Jada, que pararam um instante para admirar o trabalho do dr. Cheney. Bem à frente deles havia duas pedras enormes, com letras de idiomas ancestrais entalhadas: grego em um lado e hieróglifos egípcios no outro. Uma faixa pendurada na parede da direita anunciava, com toda a pompa, o nome da exposição Labirintos do Mundo Antigo. Depois, o siogan: “Você consegue encontrar a saída?” — Sem chance —Jada sussurrou. — Na verdade, acho que há uma chance, sim — Drake retrucou. A estudante fechou a porta atrás deles, mas não se preocupou em trancá-la de novo. Aparentemente, não achava que ficariam muito tempo ali. — Se fizerem a bondade de me seguir ela disse —, vou conduzi-los pelo labirinto. Por favor, não toquem em nada nem tirem fotos, claro. — Claro — Sully repetiu em um tom de voz seco. A exposição fora montada como se fosse um labirinto, com informações reveladas ao longo do caminho por meio de desenhos e maquetes. Monitores tinham sido instalados nas paredes para exibir animações de réplicas da construção dos labirintos, e, a intervalos regulares, havia nichos nas paredes, onde artefatos ancestrais tinham sido colocados atrás de lâminas grossas de vidro. Algumas placas de identificação das relíquias ainda não estavam no lugar, e existiam espaços vazios, mas Drake teve a impressão de que a mostra seria aberta logo. E seria uma senhora estreia. Uma multidão iria ao museu para se perder no labirinto que o dr. Cheney construíra. O local por onde a irritadiça estudante os conduzia não era uma versão em tamanho real de um labirinto, apenas um pequeno fragmento criado para dar aos visitantes a ilusão de que estavam perdidos em uma estrutura vasta, que se espalhava por todos os lados. Conforme dobravam em ângulos agudos, que os faziam voltar na direção de onde tinham vindo, Drake chegou à conclusão de que o dr. Cheney havia feito um excelente trabalho. De fato, perder-se ali não era apenas ilusão. Quando a mostra estivesse pronta para abrir, haveria sinalização para as pessoas saberem que andavam na direção correta, mas com certeza ele se perderia sem a guia, e pensou que poderia afirmar o mesmo de Sully e Jada. — Vai haver um Minotauro também? —Jada perguntou. A estudante olhou por cima do ombro e esboçou um sorriso. — Não, mas vamos ter uma curva em falso que vai dar num lugar bem escuro, de onde vai soar um rugido. Então as luzes vão se apagar, e aparecerá uma demonstração sobre a lenda do Minotauro. Nosso foco deveria ser a história, não os mitos, mas as pessoas esperam ver alguma coisa das lendas. Jada fez menção de falar algo, mas as palavras não saíram de sua boca. Um grito horrível ecoou labirinto adentro, parecendo vir de todas as partes e de lugar nenhum ao mesmo tempo. Uma voz masculina, tomada de dor e pânico. — Que porcaria é essa... — Sully rosnou. A estudante parecia petrificada. — Maynard? — ela chamou, o terror estampado no rosto. Drake e Jada trocaram um olhar, e ele percebeu que os dois tentavam a mesma coisa: identificar de onde viera o grito. Dentro do labirinto, era quase impossível descobrir a origem. — Por aqui — Drake disse, virando para a esquerda. — Não — a guia falou, pegando-lhe no braço. —Por aí não tem saída. Ela andou em linha reta para a frente, e, por um segundo, Drake achou que fosse bater na parede. Apenas quando chegou ao outro lado ele avistou a abertura — uma ilusão de óptica que dava a impressão de ser uma superficie inteiriça e sem entradas. O dr. Cheney tinha se superado ao montar sua exposição, mas o momento para apreciá-la havia passado. Drake, Sully e Jada a seguiram pela abertura e viraram em uma curva fechada, que os levou a uma bifurcação. — Para qual lado? —Jada perguntou. A estudante parecia prestes a virar à direita, mas ouviram um vidro se estilhaçando e o ruído do impacto de algo pesado contra as paredes. Drake passou correndo pela moça e desceu o corredor da esquerda. O som tinha vindo de bem perto, e, com a batida na parede, não havia dúvida sobre que direção tomar agora. Drake desviou de alguns objetos no chão, raspando de leve o corpo nas pedras falsas, e virou à esquerda. Por um instante, pensou que havia se perdido, que retornava ao corredor de onde tinha vindo, mas o caminho se dividiu em duas passagens estreitas, e ele dobrou à esquerda de novo, apressando-se em direção ao local de onde viera o barulho. Ouviu Sully, Jada e a guia correndo logo atrás, mas não reduziu a velocidade. O grito não fora de medo, e sim de dor. E, ele sabia, mais do que apenas dor. Só ouvira homens gritando daquela maneira na pior das circunstâncias, quando sangue era derramado e a vida estava por um fio. — Nate, fique esperto! — Sully gritou. Drake reduziu a velocidade diante do aviso. Não tinham escutado nenhum tiro, mas não havia como saber o que os esperava logo à frente. Passou correndo diante de uma abertura completamente escura à direita e imaginou que fosse o local de onde o rugido do Minotauro seria ouvido. Então chegou a uma curva onde o teto descia inclinado rumo a uma entrada em forma de arco. Abaixou-se para atravessá-la e quase tropeçou em um homem que estava no chão. — Droga — murmurou entre os dentes, recobrando o equilíbrio. Bastou uma olhada rápida pará os olhos embaçados e sem foco — e também para as marcas de facada no peito e o sangue que formava uma poça sob ele — para Drake concluir que aquele homem não tinha a menor chance de sobreviver. 4 sangue escorria dos lábios do dr. Cheney enquanto ele tentava respirar, o corpo todo tremendo. Drake analisou a cena. Um mostruário de vidro fora estilhaçado durante a luta do homem com o assassino. Um borrão de sangue na parede mostrava a área contra a qual o professor se chocara, em uma tentativa de evitar ir ao chão. Sully, Jada e a estudante se abaixaram para entrar pela passagem, e, quando a moça viu o homem moribundo, gritou: — Maynard! Ajoelhou-se ao lado dele, murmurando orações, num descontrole de partir o coração. — Não toque nele Sully avisou, quando ela tentou levantar a cabeça de Cheney. A moça o encarou, confusa, mas Drake pôde ver que compreendera o motivo da precaução, A polícia por certo não ficaria contente se alguém mexesse na cena do crime. Ela desejava ajudar o professor, mas não havia nada que pudesse fazer. Drake apressou-se pelo corredor e olhou para além da curva, tentando escutar passos. Haviam chegado ali em menos de trinta segundos após o assassino fugir o que poderia ser uma eternidade se o desgraçado não soubesse para onde ir. Fez menção de ceder ao impulso de segui-lo, porém hesitou. — Ei... disse, voltando para onde estavam os outros, e percebeu que não fazia ideia do nome da estudante esse tempo todo. — Pra que lado fica a entrada de funcionários que você mencionou? Ela piscou, desviou o olhar do dr. Cheney e o encarou. — Lá atrás — disse, indicando o caminho por onde tinham chegado. Pelo esconderijo do Minotauro. É a área escura que fica à esquerda conforme você... Mas Drake não precisava escutar mais nada. Havia se lembrado. Tinham passado pelo esconderijo, provavelmente apenas um ou dois segundos antes de o assassino se embrenhar na escuridão. Talvez até tivesse se escondido ali, em meio às sombras, esperando que passassem para fugir sorrateiramente. — Fique com ela — disse a Sully. O amigo concordou, mas não parecia muito feliz com isso. Drake abaixou-se para sair pela passagem, endireitando-se ao ganhar o corredor. Ouviu Jada seguindo-o e desejou que ela tivesse esperado com Sully, mas não tinha tempo para discutir. Algumas horas apenas com a Jada adulta tinham bastado para saber que ela não era o tipo de mulher que ficaria sentada e quieta em um momento de ação. Retrocederam por duas curvas do labirinto, refazendo os passos, e chegaram ao esconderijo do Minotauro. Drake nem chegou a reduzir a velocidade e já se atirava às trevas, as mãos espalmadas diante do corpo. Tropeçou em alguns cabos soltos no chão, mas conseguiu se apoiar na parede dos fundos. — Cuidado por onde pisa, — Jada aconselhou, os olhos se ajustando à escuridão. Encontrou uma maçaneta e a girou, passando a um corredor estreito e mal iluminado que não lembrava nem um pouco o restante do labirinto. O caminho à direita estava bloqueado por um equipamento de som e uma bancada, portanto escolheram o da esquerda, descendo pelo corredor estreito criado pela parte de trás das paredes do labirinto. A profusão de tábuas, compensados e lâmpadas penduradas o fez pensar nos bastidores de um teatro. — Em que enrascada estou me metendo?, — Drake pensou. — Luka havia sido assassinado, e agora o dr. Cheney, que o ajudara nas pesquisas sobre labirintos, também dera seu último suspiro. O que quer que os cientistas tivessem descoberto, alguém queria se certificar de que não revelariam nada sobre o assunto. Se os assassinos desconfiavam que o pai de Jada tinha dividido seus segredos com ela, ela já se tornara um alvo também, exatamente como Sully temia. E, mesmo assim, ali estavam eles, perseguindo uma das pessoas que poderiam desejá-la morta. O corredor abria em diagonal para a direita, depois fazia um ziguezague por entre as curvas das paredes um labirinto dentro do outro. Ele ouvia os passos de Jada logo atrás, a respiração dela tão próxima que quase podia senti-la, e sabia que eram tolos por correr tamanho risco. Mas também sabia que ela queria respostas e jamais se deteria para se sentir segura. O labirinto terminou de modo abrupto. Cada parede seguia para um lado, delimitando a grande estrutura, embora o corredor estreito or onde tinham passado desse em uma porta de metal com uma laca de saída brilhando acima e outra anunciando que por ali só poderiam passar funcionários. Drake empurrou a porta com os ombros e viu que dava para uma escadaria. Jada parou ao lado dele, olhando para cima, depois para baixo. —Pra onde? — perguntou, os olhos castanhos cintilando em determinação feroz, as mechas vermelhas formando uma moldura ao redor do rosto. — Não temos como saber - Drake respondeu. — E seríamos muito burros se arriscássemos. Temos que nos juntar a Sully e sair logo daqui. — O quê? — Jada vociferou, voltando-se para ele. — O doutor Cheney era nossa única pista, e ele está lá atrás, morto. Se pegarmos esse cara, ele pode nos contar.. Drake balançou a cabeça em negativa. — Não vamos conseguir pegá-lo. Ele saiu na nossa frente, não sabemos onde está nem como ele é. Nem que soubéssemos se ele subiu ou desceu as escadas, agora já se misturou aos funcionários ou visitantes, e logo, logo vai estar lá fora. O melhor a fazer agora é tirar você deste lugar o mais rápido possível. Os olhos de Jada se estreitaram. — Acha que corro perigo? — Você estava se escondendo no apartamento de uma amiga porque pensou que estava em perigo — lembrou Drake. — O negócio é que agora acredito em você. — Legal —Jada retrucou. — Você não costumava ser mais educado e sedutor? — Pois é. Por estranho que pareça, não estou nesse clima hoje. A aparência determinada de Jada cedeu, e por um instante Drake pôde ver a dor e a vulnerabilidade que ela tentava esconder. —Tá bom — ela concordou. — Vamos embora. Jada correu ao longo do corredor no caminho de volta. Drake a seguiu, perguntando-se onde tudo aquilo terminaria. Ele e Sully não eram guarda-costas nem detetives particulares, e muito menos tiras. Esse não era um trabalho para eles, mas já haviam se envolvido demais para apenas virar as costas e ir embora. Jada tinha deixado entreaberta a porta do esconderijo do Minotauro, mas, quando passou, Drake a fechou com firmeza, e com as mangas da camisa limpou bem a maçaneta, antecipando-se. A polícia apareceria a qualquer minuto, e eles não estariam mais no controle da situação. O que quer que acontecesse dali para a frente seria decidido pelos detetives que cuidariam do caso. Chegaram ao local do crime, detendo-se a poucos metros de dois guardas do museu, ao lado do corpo do dr. Maynard Cheney. Um deles falava ao celular, chamando a polícia. O outro apenas coçava a cabeça, consternado. Quando Drake e Jada entraram, os guardas se viraram, e um deles tentou apanhar a arma de choque que carregava ao lado do corpo. — Opa! — Drake disse, levantando as mãos. — Estamos com eles, amigão. Os guardas olharam para onde Sully e a estudante estavam, sentados no chão, de costas para a parede do corredor. — Está tudo bem — a moça disse. — Estavam comigo quando eu o encontrei. Os guardas ignoraram Drake e Jada depois disso. Pareciam bastante abalados, e Drake pensou que ficariam incrivelmente aliviados quando a polícia chegasse. Deu mais uma olhada no corpo. O dr. Cheney estava deitado na mesma posição de antes, ainda sangrando, a pele cada vez mais pálida conforme se esvaía em sangue. O peito parara de subir e descer. Observando os olhos vermelhos e cheios de lágrimas da estudante e a maneira como Sully a abraçava — na verdade, até um pouco constrangido com a situação —, ficou claro que uma ambulância não ajudaria. Não que Drake precisasse de confirmação. Quando vira a extensão dos ferimentos de Cheney, sabia que seu destino estava selado. — Tio Vic — Jada chamou com suavidade, os próprios olhos começando a se encher de lágrimas com a visão do homem morto —, temos que ir. Sully fez um movimento com a cabeça, alertando-os para terem cuidado com o que diriam perto dos guardas. Inclinou-se e falou com a estudante em um tom gentil que Drake raramente ouvia: — Gretchen — sussurrou —, conte a eles o que me contou. Rápido, por favor. Não temos muito tempo. Enfim, a estudante tinha um nome, e Drake pensou que lhe caía bem. Aproximou-se dela, ao lado de Jada, e olhou por cima do ombro para se certificar de que os guardas não tentavam escutar o que falavam. Gretchen fixou o olhar em Jada: — Você é filha de Luka Hzujak? Jada assentiu. — É verdade que ele morreu? Jada respirou fundo e secou uma lágrima, lutando contra uma enorme tristeza. — Morreu. Assassinado. Provavelmente pela mesma pessoa que fez isso com o doutor Cheney. — Qual é a ligação, Gretchen? — Drake perguntou em voz baixa, olhando para os guardas e refletindo sobre quanto tempo ainda teriam até que a polícia chegasse ao museu. — O pai de Jada estava pesquisando labirintos. Ele fez uma descoberta, desvendou algum mistério que o deixou bastante empolgado. — Não sei de tudo Gretchen disse. — É só que... meu Deus, é só história. Mas sei que Maynard contou ao professor Hzujak sobre uma ligação que havia encontrado entre uma tumba em forma de labirinto da Décima Segunda Dinastia do Egito e o Labirinto de Knossos, aquele do Minotauro... — Pensei que fosse apenas uma lenda — Drake interrompeu. — Eu também Gretchen concordou. — Mas os registros históricos mostram que havia alguma coisa ali no primeiro século depois de Cristo. Já é consenso que o Labirinto de Knossos existiu, mas a questão é quanto da história é real e quanto não passa de mito. Maynard chegou à conclusão de que havia encontrado parte da resposta. Agora mesmo, o museu está promovendo uma escavação em um sítio arqueológico perto da Cidade dos Crocodilos, no Egito (meu irmão, lan, é um dos responsáveis pelo projeto), e encontraram coisas extraordinárias por lá. — Meu pai esteve no Egito faz menos de um mês —Jada sussurrou. Gretchen assentiu. — Sim. Ele visitou o sítio. Você não sabia o motivo de ele ter viajado para lá? Jada cruzou os braços como se quisesse se proteger: — Ele só me contou que era para a pesquisa dele. — Maynard estava traduzindo os símbolos escritos nos artefatos que foram trazidos do Egito — Gretchen continuou. — Encontrou referências a três labirintos, todos construídos na mesma época e desenhados por Dédalo. —— Outro mito — Drake comentou. — Com base em uma pessoa real— respondeu Gretchen. — Pense bem, Nate — Sully interferiu. — Quantas vezes nós mesmos não conseguimos provar que a maior parte das lendas tem pelo menos um fundo de verdade? Drake anuiu. Não tinha como discordar das próprias experiências. — Algo sobre Midas? — ele perguntou, pensando na pesquisa de Luka sobre alquimia. Gretchen balançou a cabeça em negativa: — Não. Até onde Maynard sabia, toda a história sobre o “toque de Midas” transformar coisas em ouro era apenas ficção. Tinha alguma coisa ali, mas ainda não havia descoberto o que era. — Mas o doutor Cheney pensou ter conseguido provas de todo o resto, não é? —Jada perguntou. Ele tinha certeza disso Gretchen respondeu, um tanto sem fôlego agora, secando as lágrimas enquanto olhava para os guardas. Ela não tinha nenhum motivo para acreditar na história deles, exceto pela dor de Jada, que refletia a sua, e devia ter percebido como essas informações eram importantes para eles. — Havia ainda referências ao Minotauro — prosseguiu. — Não apenas em Creta, mas no Egito também. Ambos os labirintos tinham monstros, de acordo com os escritos que encontramos na escavação egípcia. Havia mais que apenas um traço de verdade nisso tudo, e ele tinha provas. Foi assim que conseguiu a aprovação do museu para fazer a exposição. Sully começou a se levantar. Gretchen lhe estendeu a mão, como se temesse ser deixada sozinha, mesmo com os guardas ali perto. Ele tomou a mão dela e a ajudou a ficar de pé. —Jada — Sully disse —, o doutor Cheney contou a Gretchen que, fosse lá o que seu pai estivesse procurando, seria encontrado no centro do Terceiro Labirinto. — E onde fica isso? — Drake perguntou. — Esse é o problema — Gretchen respondeu, olhando para Drake e Jada. — É um mistério. Mas seu pai ligou para Maynard a alguns dias atrás, e, ao desligarem, Maynard estava muito empolgado. Seu pai achava ter descoberto a localização do Terceiro Labirinto. Ele não queria revelar o lugar até que tivesse certeza, mas Maynard acreditou nele. Disse que, se havia alguém com capacidade para encontrá-lo, esse alguém era Luka Hzujak. As duas moças trocaram um olhar de pura tristeza, e Drake baixou o rosto, sentindo-se um intruso na intimidade daquele momento. Então Jada tocou seu braço. — Tem que ser isso — ela disse, mas olhava para Sully. — É por esse motivo que o mataram, tio Vic. — Para manter o lugar em segredo? Gretchen perguntou, uma expressão de dúvida no rosto. — Ou para evitar que Luka chegasse lá primeiro — Sully respondeu, voltando-se para Drake. — Henriksen? — Drake indagou. — Bom, ele já era nosso melhor palpite mesmo. Os rádios dos guardas começaram a emitir ruídos de vozes e estática. A polícia havia chegado. Estariam no segundo andar dentro de instantes. — Temos de ir — Sully disse, olhando para Jada. — Gretchen Drake falou, encarando-a com atenção —, você falou que seu irmão está trabalhando no sítio arqueológico do Egito. Se conseguirmos chegar lá, você poderia dar um toque pra ele, fazer um contato? Temos de entrar naquele lugar. — Quê? —Jada perguntou. — Egito? Mas Sully já assentia, também encarando Gretchen com expectativa no olhar: — É o único jeito de descobrirmos quem realmente está por trás disso. Gretchen relanceou o olhar uma vez mais para o corpo do dr. Cheney, e em seguida concordou. — Vou ligar pra ele. — Ótimo Sully disse. — Sinto muito, mas temos de ir agora. Quando tudo isso tiver terminado, entrarei em contato com você para contar os detalhes. — Obrigada — a moça respondeu, a expressão se transformando enquanto eles se afastavam e ela era forçada a lidar com a morte do homem que admirava e amava. — Aonde pensam que vão? — um dos guardas perguntou. — Os policiais estão subindo, certo? — Drake falou no tom de voz mais amigável de que foi capaz naquele momento. — Nunca vão conseguir chegar aqui no meio desse labirinto. Vamos encontrá-los e trazê- los pra cá. — Está bem — o guarda concordou. — Devia ter pensado nisso. — Não esquenta — Sully respondeu. Nenhum de nós está pensando direito agora. Foi um dia horrível. Assim que Drake, Jada e Sully atravessaram a passagem, correram apressados pelo corredor rumo ao esconderijo do Minotauro. Podiam ouvir vozes e a estátjca dos rádios vindo na direção deles, enquanto saíam em silêncio pela porta nos fundos do esconderijo. Apressaram-se pelo corredor estreito até a saída para funcionários. — Como diabos vamos chegar ao Egito? - Sully perguntou a Drake. — A gente dá um jeito. —Não podemos ir ainda —Jada disse ao descerem a escada. — Não até o enterro do meu pai. Sully se deteve e pegou as mãos dela. —Jada, escute. Do jeito que ele morreu, vai levar dias até os legistas liberarem o corpo para o enterro. Se Henriksen estiver mesmo por trás dessa história, já está trabalhando nisso há algum tempo. Sejam quais forem os segredos que Luka tenha descoberto, Henriksen também os conhece ou está tentando decifrá-los agora mesmo. Se vamos até o fim, não podemos deixar que ele chegue antes às respostas. Jada parecia frustrada e confusa. — E se estiverem prontos para liberá-lo e eu não tiver voltado? — Vamos deixar tudo acertado — Drake prometeu. — Ou um de nós vai estar lá para buscá-la, ou os legistas o manterão até que você possa ir lá pessoalmente. E tem outro problema. Se os caras que mataram seu pai estão mesmo procurando você, um velório a deixaria exposta, vulnerável. Jada estreitou os olhos. — Quando descobrirem que vocês estão me ajudando, sabem que também se tornarão alvos, não é? — Imagina só — Drake gracejou com um sorriso. — Quem ia querer machucar um cara tão charmoso quanto eu? — Às vezes eu quero — Sully respondeu. — Vamos cair fora daqui. Apressaram-se até o térreo, pararam um instante para se recompor e em seguida abriram a porta. Ninguém tentou detê-los. Drake se lembrou das câmeras de segurança, mas chegou à conclusão de que se aquelas portas eram monitoradas por vídeo, ou o assassino conseguira desligá-las para não ser visto nesse caso, não teriam com que se preocupar —, ou os tiras fariam uma varredura na gravação até achar o assassino e parariam por ali. Pelo menos, era o que esperava. Precisaram responder a algumas perguntas rápidas da polícia, passar por uma revista e deixar o nome antes de sair do museu, mas o tiveram mais problemas. Logo estavam na rua de novo, voltando para o apartamento onde Jada se escondia. — Temos de dar um pulo no apartamento de Luka —Drake disse. Sully o olhou fixamente. — Não é uma boa ideia. — Com certeza os tiras já fizeram uma busca — Drake argumentou. Mas não procuraram pelas mesmas coisas que nós. Se existem anotações ou arquivos eletrônicos sobre essa história, precisamos de todas as informações possíveis. Até que a gente consiga descobrir o que Henriksen realmente está procurando e colocar as mãos nisso... — E revelar tudo ao público... —Jada acrescentou. — ... Jada nunca estará segura. — Não sei — Sully respondeu. — Talvez a gente deva falar com Olivia. Jada ajeitou uma mecha de cabelo e o encarou: — Sem chance. Aquela vadia está envolvida nisso de alguma forma. Tenho certeza. Só assim o que aconteceu faz sentido. — Não há como ter certeza — Sully replicou. — Mas eu tenho —Jada insistiu, tirando o celular vermelho de dentro do bolso. Abriu-o e o ligou, esperando um instante enquanto o aparelho se preparava para funcionar — Ei, olhe só para isso. Nenhum recado. Os tiras devem ter contado horas atrás que encontraram o marido dela morto e... — a voz dela falhou. — . . . e enfiado num baú velho. E ela por acaso tentou entrar em contato comigo? A filha dele, sua enteada? — Tem razão — concordou Sully, levantando as mãos em sinal de rendição. — Acredito em você. Vamos ao apartamento de Luka. Mas temos de ser muito cuidadosos. Se quem está por trás disso realmente é Henriksen, ele deve ter deixado alguém vigiando o local. — Temos de correr o risco — Drake concluiu. — E, se vierem atrás de nós, pode ser que a gente consiga agarrar um deles e confirmar as suspeitas sobre a Phoenix Innovations. Com todos de acordo, andaram em silêncio por mais um quarteirão. Então, Sully chamou um táxi, e se prepararam para um eventual problema que os aguardasse ao chegar ao apartamento de Luka Hzujak. Quando estavam quase lá, viram o prédio em chamas. Antes que alguém o mutilasse, decapitasse e o colocasse aos pedaços em um baú velho que cheirava a cachorro molhado e naftalina, o professor Luka Hzujak morava em um prédio de tijolos de quatro andares na rua 12, a oeste do Abingdon Square Park, em West Village. Árvores esguias cresciam em pequenos recortes quadrados na calçada estreita. Com molduras de pedra encimando as janelas quadradas e pequenos protetores de fumaça nas chaminés, o edifício parecia saído de Oliver Twist, não fosse o fato de que o fogo o consumia naquele momento. Drake notou a fumaça pela janela do táxi, a alguns quarteirões de distância. Segundos depois, Sully franziu o cenho, farejando o ar. O cheiro forte de algo ardendo em fogo não era um bom sinal. — Encoste aqui — Drake pediu. O motorista o atendeu, e Jada e Sully desceram enquanto Drake pagava o homem, incluindo uma generosa gorjeta, mais por estar com pressa e não ter tempo de esperar o troco. Fechou a porta e enfiou as mãos no bolso, andando no encalço de Sully e Jada. Ninguém comentou nada, mas ele tinha certeza de que os três poderiam dizer, sem muito esforço, qual prédio pegava fogo. Quando chegaram ao quarteirão da rua 12, nenhuma surpresa os esperava, mas Jada, ainda assim, parecia ter levado um soco no estômago. Cruzou os braços, num gesto de autoproteção, e recuou para longe do prédio, que continuava em chamas. Ouviram sirenes, e uma viatura de polícia encostou do outro lado da rua. Os bombeiros já estavam em ação, as mangueiras espalhadas pelo asfalto e pelo meio-fio. Uma senhora de idade estava sentada em uma maca atrás de uma ambulância, olhando em choque para o prédio enquanto um paramédico colocava uma máscara de oxigênio em seu rosto. Várias outras pessoas — aparentemente moradores — encontravam-se do outro lado da rua, diante do edifício, muitas delas em completo desalinho e algumas até mesmo descalças, enquanto os policiais faziam perguntas. Drake se pegou pensando por quanto tempo Luka tinha morado lá e se haveria lembranças de sua vida guardadas em algum outro local. Caso contrário, Jada teria perdido não apenas o pai, mas todos os documentos, anotações e fotografias dele todas as recordações de sua vida. Viu quando a moça cobriu a boca com mãos trêmulas, e seu coração se partiu. Ela parecia prestes a gritar, correr ou esmurrar alguém; parecia completamente perdida. — Tudo está acontecendo rápido demais — Drake cochichou para Sully. O amigo fez uma careta e concordou. Aproximou-se de Jada e passou o braço ao redor de seus ombros. — Querida, escute — sussurrou. — Não vamos conseguir nada de útil agora. Se ficarmos por aqui, atrairemos mais problemas, especialmente se a pessoa que fez isso estiver procurando por você. Jada se virou para ele, as mechas vermelhas cobrindo parte do rosto. — Sabemos quem fez isso! — gritou. — E não vou mais me esconder! Graças aos semáforos e ao trânsito nova-iorquino, o táxi que acabara de deixá-los ainda não havia se afastado muito. Quando o motorista acelerou para atravessar o cruzamento, inclinando-se sobre o volante para observar o prédio em chamas e as viaturas, Jada correu para a rua e o chamou. — Você não acha que ela... — Sully começou. — Phoenix Innovations — concluiu Drake. Sully soltou um palavrão. Péssima ideia — disse, correndo atrás de Jada. — Pois é Drake — concordou. — Mas acha que vai conseguir impedi-la? Sully ignorou a pergunta, embora ambos soubessem a resposta. Com a dor que Jada sentia naquele momento, não podiam culpá-la por querer confrontar o homem que considerava responsável pela morte de seu pai ou a madrasta, que, segundo pensava, o traíra descaradamente. Mas a raiva não tornava aquela uma grande empreitada. Drake duvidava que conseguissem convencê-la a desistir de ir ao escritório de Tyr Henriksen, portanto o melhor que podiam fazer era protegê-la. — Rua 59 com Broadway — Jada falou, praticamente se atirando no banco de trás do táxi. — Mas acabei de deixar vocês — o motorista respondeu, surpreso. — É isso aí — Sully rosnou. — Mudança de planos. Ele parou por um instante antes de entrar no táxi. — O que quer que aconteça agora — falou, trocando um olhar com Drake —, tem de ser do modo mais público possível. Precisamos as câmeras de segurança gravem tudo, que outras pessoas nos vejam seguindo para o escritório de Henriksen. Vai contra absolutamente todas as regras que já tivemos.. — Você está certo — Drake concordou. — Se vamos até lá, precisamos assegurar que Jada seja vista. Não importa quanto queiram silenciá-la, não vão ser loucos de matá-la no escritório se uma centena de pessoas a tiver visto entrar lá. Nesse instante, ouviram o estilhaçar de vidros atrás deles e se viraram para observar a fumaça negra e o fogo cintilante saindo em ondas das janelas do último andar do prédio, que explodiam uma a uma. A construção seria inteiramente consumida pelas chamas. Não se conseguia um fogo tão voraz sem usar alguma substância como combustível. Os investigadores veriam de cara que era um incêndio criminoso, mas não faria diferença se não conseguissem identificar o responsável. Sully sentou-se ao lado de Jada. Drake lançou um olhar ao taxista, mas o homem ainda estava desconcertado, observando o trabalho dos bombeiros. Uma ambulância encostou atrás deles e ligou a sirene, insistindo para que saíssem do caminho. Irritado, o motorista fez um gesto para que Drake entrasse no carro também. Quando Drake sentou no banco de trás, a janela do carro explodiu numa chuva de cacos de vidro. — Mas o que... — Sully nem conseguiu terminar a frase, enquanto uma bala atravessava o teto e se alojava no encosto do estofamento, atrás da cabeça de Jada. — Abaixe-se! — Drake gritou, enquanto outro tiro atingia a lateral do táxi. Com um rugido, um furgão preto passou pela ambulância e parou, com os pneus cantando, ao lado do táxi. As janelas do veículo eram escuras, mas o vidro do passageiro começou a descer, e Drake sabia que de umjeito ou de outro estavam mortos. Se o atirador no telhado do outro lado da rua não conseguisse matá-los — apenas dessa maneira se explicaria o ângulo dos primeiros tiros —, os desgraçados do furgão fariam parecer uma execução de gangues. — Acelere! — ele berrou ao taxista. O motorista da ambulância acordou do susto, deu marcha a ré e acelerou, fugindo. Ao longo da rua 12, lado oeste, as pessoas passaram a desviar a atenção do incêndio ao ouvir os tiros. — Droga, acelere esse carro! — Drake gritou, batendo na divisória de plástico para atrair a atenção do taxista apavorado. O homem havia se abaixado, tentando se esconder atrás do painel. Algo (os gritos de Drake ou o próprio instinto de sobrevivência) o fez perceber que, se ficassem ali parados, estariam mortos; então ele se endireitou e acelerou o veículo. Outra bala atravessou o para-brisa e atingiu o motorista em cheio no peito. Ele estremeceu contra o banco e começou a tombar para o lado, as mãos trêmulas ao volante. — Filho da puta! — Sully gritou. — Preciso de uma arma, Nate! Mas não havia nenhuma. Não ali. Iriam até o inferno para buscar uma depois, mas, por ora, a única saída era fugir. Drake abriu a porta de trás, abaixando-se para se proteger enquanto procurava a maçaneta da porta da frente. O táxi começara a andar, mas muito lentamente, impulsionado pelo pé do motorista morto no acelerador. Drake viu a ponta de uma arma saindo da janela aberta do furgão enquanto se atirava no banco do passageiro. Com as duas mãos, agarrou o taxista e o puxou em sua direção, depois passou por cima dele. Mais balas se chocaram contra a lateral do carro, destruindo vidros e se cravaram nas portas metálicas. Uma chegou a atingir a coxa do taxista. Drake ainda teve tempo de pensar em seu ato de insanidade um suicídio colocar-se assim na linha dos tiros, mas também sabia que não viveria muito mais se não fizesse nada. Colocou as mãos no volante, inclinando o corpo para o lado, e estava prestes a pisar no acelerador quando ouviu um baque surdo. Arriscando-se, olhou pela janela e notou que o motorista da ambulância tinha batido de propósito na traseira do furgão. — Cara doido! — Sully gritou, mais agradecido que qualquer outra coisa. — Pelo menos ganhamos alguns segundos — Drake disse. Jada gritou quando outra bala fez um buraco no teto, deixando a luz do dia entrar — uma nova investida do atirador. Drake rangeu os dentes. Tinham de fugir de ambos os ataques, o de cima e o do furgão, e só havia uma solução para saírem dali vivos. Engatou a ré, fez o táxi recuar dez metros e, depois, enfiou o pé no acelerador, virando com força o volante para a direita, O carro deslizou, descrevendo uma curva. — Ficou maluco? — Sully berrou. —Você vai bater no caminhão de bombeiros! —Jada alertou. Apertando firme o volante, Drake mirou o caminhão mais próximo. Os bombeiros gritaram em alerta, tentando fazê-lo desviar. Sobreviventes do prédio se apressaram em sair do caminho. Os dois policiais que estavam na calçada tentaram sacar as armas, mas não foram ágeis o suficiente. Drake fez o carro disparar pelo vão entre o caminhão dos bombeiros e a ambulância, e acelerou rua abaixo, na direção das viaturas de polícia que aguardavam ali. O som de tiros cortou o ar, reverberando nos prédios, mas ele não reduziu a velocidade. —Jada, estão vindo atrás de nós? — Drake perguntou. Ela se virou no banco de trás e olhou pela janela traseira. — Estão! — Tá brincando? — Sully disse. — Quem são esses caras? — Vamos sair do alcance do atirador assim que virarmos a esquina. Drake falou. — E os malucos do furgão? — Sully perguntou. Drake apenas sorriu. Fez o carro passar pelas duas viaturas paradas em diagonal no meio-fio, raspou em uma Mercedes estacionada, arrancando o retrovisor lateral do táxi, e acelerou ainda mais. Na esquina, pisou no freio, a traseira do carro derrapando para a direita, e subiu pela contramão na rua Washington. Buzinas soavam alto, e um caminhão-baú branco desviou para evitar uma colisão frontal. Drake olhou por cima do ombro e viu uma das viaturas saindo para bloquear a rua. Dois policiais a pé tinham sacado as armas e corriam em direção ao furgão enquanto ele freava ruidosamente. — Estamos livres! — Sully comemorou. — Por quanto tempo? — Jada perguntou, inclinando-se e encarando Drake pelo retrovisor. — Haverá tiras por toda parte com um minuto. Drake fez uma rápida curva para a esquerda na rua Jane, dessa vez dirigindo no sentido certo da rua. Olhou para Sully por cima do ombro: — O que você acha? Os píeres em Chelsea? — Não temos outra escolha — Sully concordou. — O que tem nos píeres em Chelsea? Drake sorriu, encarando-a pelo retrovisor. — O que geralmente há num píer. Barcos. 5 parque suspenso de High Line tinha sido, a princípio, uma linha para trens de carga construída sobre a cidade para manter os trilhos fora das ruas e, assim, não atrapalhar o trânsito. Depois, a plataforma que ia do Meatpacking até a rua 34 fora convertida em um oásis. Drake nunca havia caminhado no local, mas lera um artigo a respeito em uma revista de bordo, que o descrevia como um tesouro oculto em Nova York. Esperava algum dia ter mais tempo para conhecer o High Line, mas hoje só precisava dele como esconderijo. Aproximou o táxi do meio-fio na rua 12, em Little West, e rodou devagarinho rumo às sombras do parque antes de parar. No banco de trás, Jada ainda tremia. — Ai, meu Deus — ela disse —, o que vamos fazer agora? — Sully pegou sua mão, e ela o encarou. — Vamos improvisar, querida. Não se preocupe. Se tem uma coisa que Nate e eu sabemos fazer é improvisar. Drake vigiava pelo espelho retrovisor, para se certificar de que nenhum carro os seguia. A rua era de mão única — algo muito bem-vindo. Esperou que um carro vermelho passasse por eles, torcendo para que as janelas estilhaçadas não chamassem muita atenção. O outro veículo diminuiu a velocidade, e ,o motorista se virou para ele, curioso. Drake respondeu com um olhar duro, e o sujeito acelerou, aparentemente concluindo que era melhor cuidar da própria vida. É claro que o cara poderia pegar o celular e ligar para a polícia dali mesmo, mas eles ainda tinham alguns minutos de vantagem. Drake abriu a porta do motorista. — Saiam do carro — falou. — Vamos embora. Sully abriu a porta de trás e desceu, e Jada o seguiu, apressada. Quando Drake se afastou do táxi, ela se inclinou na direção da porta, observando o taxista morto no banco do passageiro. Seu sangue formara uma poça no assento. — Não podemos deixá-lo aqui —Jada falou. — Certamente não podemos levá-lo conosco — resmungou Sully. Drake deu mais uma olhada no homem. — A polícia vai cuidar dele melhor que nós. E, se ficarmos mais tempo aqui, pode ser que tenham de nos enterrar com ele. Fechou a porta do táxi e notou que Sully o encarava. — Que foi? — Drake perguntou. Sully apontou para o peito dele. — Tem sangue na sua roupa. Drake tirou o casaco, mas não poderia abandoná-lo no táxi. Já haviam deixado provas suficientes da presença deles. Se tivessem sorte, ninguém os reconheceria, e nunca seriam ligados ao tiroteio ou ao taxista morto. Desse modo, a polícia não teria motivos para fazer testes de DNA e compará-los com os fios de cabelo encontrados no táxi. Na verdade, essa não era a maior de suas preocupações. A principal estava no museu. Se Gretchen tivesse contado aos tiras sobre eles e os ajudasse a ligar o assassinato do dr. Cheney ao incêndio no prédio de Luka Hzujak, mais cedo ou mais tarde ele, Sully e Jada seriam pegos. Teriam de confiar totalmente no bom-senso de Gretchen, e Drake não gostava nada disso. Não que tivesse dificuldades para confiar em estranhos; tendia a seguir seus instintos, O problema é que, algumas vezes, esses instintos se mostravam perigosamente equivocados. Drake virou o casaco do avesso e o usou para tirar os cacos de vidro das roupas de Sully e Jada. Vamos nessa convidou, carregando a jaqueta enrolada debaixo do braço. Atravessaram a rua na direção oeste, e, quando uma antiga Mercedes cinza veio descendo, estavam longe o suficiente do táxi. Ninguém conseguiria associar de imediato o trio de pedestres ao carro destruído. Mas Drake continuou andando com passos rápidos. A polícia não partiria do princípio de que eram inocentes. Viraram na direção norte, a seis quarteirões do complexo de píeres de Chelsea. Quase tudo ali tinha sido transformado em instalações de esporte e recreação, mas ainda havia uma marina privativa no local. Apesar do friozinho de outono e das sombras do fim do dia, que se esgueiravam pela rua, Drake quase podia sentir um círculo incandescente no meio das costas, como se houvesse um alvo pintado ali. — Jada, onde você acha que a bruxa-madrasta está agora? Drake perguntou. Sully voltou o olhar para ele, nervoso: — Quer fazer uma visita? Não tenho certeza de que gosto desse plano. — Ou já esqueceu dos caras armados e de como estão a fim de nos matar? — Não é um plano Drake falou. Ainda não tenho um. Bom, não um de verdade, e o que estou pensando em fazer não inclui a madrasta de Jada. Só quero saber com quem estamos lidando. Enquanto atravessavam um pequeno parque oval, cortando em diagonal da 1 O para a 11 avenida, Jada tirou o celular do bolso. — O que está fazendo? — Sully perguntou. — Obtendo resposta para a pergunta de Nate — ela disse, apertando alguns botões antes de colocar o telefone junto à orelha. Escutou por um momento, e os olhos se estreitaram. — Oi, Brenda, é Jada Hzujak. Olivia está aí? Drake observou uma confusão momentânea na expressão de seu rosto. — Desculpe, Miranda —Jada respondeu, olhando para os pés enquanto caminhava. Pensei que Brenda atenderia e... bem, estou com muita coisa na cabeça. Escute, sei que está ocupadíssima com os telefones, mas não tinha me tocado de que esta era a semana em que Olivia estaria fora da cidade. Contava em almoçar com ela... Tem alguma ideia de quando ela volta? Jada deu um sorrisinho, mas não havia nada de alegre nele. Agradeceu a Miranda, desligou e, em seguida, ligou para outro número. — O que aconteceu? — Drake perguntou. Se a assistente de Olivia não tivesse saído pra almoçar, provavelmente não teríamos como saber disso, mas minha madrasta viajou a negócios. Pois é, em sua angústia e dor, em vez de organizar o funeral do marido, ela simplesmente caiu fora da cidade. Pelo jeito como Miranda falou, ela não sabe que meu pai morreu. Olivia não deve ter contado aos colegas que o marido foi assassinado. —Bem, isso não me parece estranho nem suspeito — Sully resmungou. — E pra onde ela foi? — Drake perguntou. Jada levantou um dedo, pedindo que ficasse em silêncio, e voltou a atenção para o celular. Deu seu nome e número de telefone, respondeu a algumas perguntas, e ficou claro que falava com a central de atendimento de sua operadora. — Sim, espero que você possa me ajudar falou, tão logo conseguiu provar sua identidade para o atendente do outro lado da linha. Não estou em casa, mas preciso desesperadamente de um número de telefone. No mês passado, meu pai esteve no Egito, e liguei várias vezes para o hotel onde ele ficou. Sei que é um pedido estranho, mas queria que você desse uma olhada na minha conta, lá pelo fim de setembro, e me passasse o número. Preciso ligar pra ele com urgência. Vou demorar para chegar em casa e não me lembro do nome do... Sim, seria ótimo. Muito obrigada. Ela ficou calada, esperando a informação. Quando deixaram o parque, de onde podiam avistar o rio, além de várias ruas com trânsito carregado, ela cobriu o telefone com a mão por um segundo e olhou para Sully e Drake: — Vou dar duas chances para adivinharem onde Olivia está agora. — Ela foi pro Egito? Sully perguntou. — Olha só — Drake gracejou , nem precisou da segunda tentativa. Sully enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta. — Acho que isso responde à pergunta sobre Olivia estar ou não do lado de Henriksen. —Jamais tive dúvidas a respeito —Jada afirmou. Drake arqueou uma das sobrancelhas. — E se tivermos tirado um monte de conclusões precipitadas? Henriksen está atrás das descobertas de Luka, e parece mesmo que Olivia tramava pelas costas dele, mas nada disso prova que o tenham matado ou mandado aqueles cavalheiros gentis e armados até os dentes atrás de nós. Jada fez um gesto pedindo silêncio de novo. Voltou a atenção ao telefone: — Sim, ainda estou aqui. Perfeito, perfeito, obrigada. — Olhou ao redor e percebeu que não tinha nada que pudesse usar para anotar. — Na verdade, poderia me fazer outro enorme favor? Pode me encaminhar esse número por e-mail? Sei que não deve ser praxe fazerem isso, mas... — Deteve-se novamente, escutando, e então sorriu. — Melhor ainda. Obrigada mais uma vez. Jada desligou e colocou o celular no bolso. — Ele vai me mandar toda a conta por e-mail. Devia ter pedido isso logo de cara. — Olhou para Sully. — Bem, pelo menos sabemos por onde começar quando estivermos no Egito, no hotel onde meu pai ficou. Mas como é que a gente vai chegar lá? — Dando um passo de cada vez — Sully respondeu enquanto caminhavam, o vasto complexo de Chelsea agora à frente deles. — Primeiro precisamos de um barco. — Vai simplesmente entrar na marina e pegar um? — ela perguntou. Drake deu de ombros. — Talvez a gente não entre assim de cara limpa, mas de um jeito sorrateiro. Furtivo. Possivelmente escondidos. Mas o que não resolvermos com discrição podemos compensar com uma boa dose de estupidez descarada e desespero. — Ah, por favor —Jada disse, virando-se para Sully —, acha que isso vai dar certo mesmo? Sully esboçou um sorriso maroto. — Fala sério, menina. Acha que nunca roubamos um barco antes? Jada pareceu ponderar sobre o assunto um instante, então soltou um suspiro. — Na verdade, considerando as últimas horas, isso não me surpreenderia nem um pouco. — Foi um elogio ou uma ofensa? — Drake indagou a Sully. Roubaram o barco no fim daquela terça-feira, quando o sol começava a se pôr. Enquanto andavam pelas docas, um guarda os observou com uma expressão precavida, tentando adivinhar se seriam ou não contraventores. Drake pegou a mão de Jada, virou-se e lhe lançou um sorriso radiante. Ela manteve a encenação, aninhando-se contra ele. Os dois fingiam, mas tiveram uma sensação quase agradável, e Drake teve de se lembrar de que a garota era afilhada de Sully. — Opa, tudo bom? — Sully perguntou, caminhando com animação até o guarda, como se estivesse em casa. O guarda franziu o cenho, detendo-se na observação da jaqueta sobre a guqyabera e do bigode benfeito, claramente se perguntando se era alguém que deveria reconhecer. Sully o conduziu a um canto. mas Drake sabia de antemão o que falaria. Os dois tinham combinado tudo momentos antes, e era um estratagema que haviam usado mais de uma vez. — Escute, amigo, o negócio é o seguinte: trabalho para Theresa Fonseca. Sou corretor e estou cuidando da venda de algumas coisas que ela recebeu no divórcio. Esse casal está interessado, mas estão um pouco nervosos por comprar uma coisa que veio de um relacionamento destruído, e ficam procurando desculpas pra não fechar o negócio. Ficam falando mal da segurança aqui, dizem que o pessoal é meio devagar, por isso preciso que aja como se estivesse quebrando o pau comigo. Finja que é durão... O guarda parecia confuso. Lançou um rápido olhar para Drake e Jada, e depois balançou a cabeça. — Não conheço nenhuma Theresa... qual é o sobrenome? —Fonseca. Ela... —Não — o guarda afirmou. — Não tem Fonseca nenhuma aqui. Sully se virou para os dois, levantando as mãos como a dizer “viram do que estava falando?”, como se tentasse mostrar quanto a segurança era rígida na marina. — Tá ótimo, cara. Perfeito — sussurrou ao guarda. O homem o observou com desconfiança: — Não estou fingindo, amigo. Não tem nenhum cliente com o nome Fonseca. Sully bateu com a palma da mão na lateral da cabeça. — Claro, claro. É um divórcio, lembra? Saco, qual era o sobrenome do marido? Começa com K, eu acho. Keller? Kramer? — Kurland? — o guarda sugeriu. Sully lhe apontou o dedo, como se fosse uma pistola. — É isso aí. Olha só, tudo o que preciso é mostrar o barco pra eles, e a gente vai embora rapidinho. Se fizer o trabalho direito, a senhorita Fonseca, quer dizer, senhora Kurland por enquanto, consegue um bom preço por ele, e a gente dá uma lição no sem-vergonha por ter feito um monte de filhos com a amante. O guarda fez uma careta de profunda desaprovação: — Filhos? — Pois é. Dureza. Imagina descobrir que seu marido tem um caso há coisa de seis anos. Já é ruim o bastante, não é? Mas o cara ainda teve dois filhos com a outra mulher. Como uma senhora se recupera de um golpe desses? Nesse ponto, o guarda já assentia com a cabeça, concordando com tudo o que ele falava. — Que cachorro! — o homem resmungou. — Por sorte, o juiz concorda com você — Sully comentou, lançando um sorriso cheio de cumplicidade. — Agora, pode me fazer um favor? Diga que temos apenas meia hora, não mais que isso. Tenho outro compromisso antes de ir pra casa, e estou sem a menor vontade de perder horas tagarelando com esses dois. O guarda foi além. Levou Sully até onde Drake e Jada estavam, fingindo estar fazendo a eles um grande favor. — Sinto muito, mas a marina tem uma política muito rígida quanto a visitantes falou. — Sem a presença do proprietário, só posso dar meia hora a vocês. Terão de preencher um cadastro e mostrar a identidade. Por favor, respeitem a privacidade dos outros frequentadores e falem comigo antes de sair. Jada apertou o braço de Drake, aparentemente preocupada por ter de mostrar um documento. — Sem problemas — ele respondeu. — Nem desejaríamos que fosse de outra maneira, especialmente se formos nos tornar proprietários também. — Eu, hã... esqueci minha bolsa no carro —Jada mencionou. O guarda franziu o cenho. Mas o sorriso de Drake só aumentava. — Tudo bem, querida, eu resolvo isso. Pode ficar com meu documento. — O guarda olhou para Sully, tentando decidir se devia ser mais rígido quanto à apresentação das identidades, mas resolveu deixar pra lá. Aparentemente, não queria criar problemas para a senhora Kurland, porque levou os três a uma pequena guarita, não muito longe da entrada da marina, e mal passou os olhos pelos documentos falsos que Drake e Sully lhe mostraram antes de assinar o livro de visitantes. Drake ainda carregava o casaco manchado de sangue dobrado sob o braço. O guarda lançou um olhar desconfiado enquanto ele assinava. como se considerasse se não havia algo escondido ali. — O que você tem embaixo do braço? — perguntou. Drake deu um suspiro cheio de arrependimento. — Porcaria nenhuma. Só derrubei suco na roupa, como um perfeito idiota. Estragou meu casaco. Tomando cuidado para mostrar apenas a parte interna, ele desdobrou o casaco para o guarda ver que não havia nada embrulhado nele. Depois, colocou-o cautelosamente sobre o braço. — Obrigado, amigão Sully agradeceu. Qual é o número da doca, mesmo? Ele bateu nos bolsos da calça, como se procurasse um pedaço de papel com o número anotado. — Um, quatro, sete — o guarda respondeu. Drake sentiu pena. Não era culpa do guarda ser tolo o suficiente para cair no truque. Provavelmente, ele ficaria em sérios apuros por causa disso, talvez até perdesse o emprego. Mas, se tinha de escolher entre levar um tiro, ser trancafiado na cadeia e causar problemas a esse cara, bem... de fato, não era uma escolha difícil. Sully agradeceu, passando uma nota de vinte dólares dobrada para o guarda ao apertar sua mão. Em seguida, caminharam ao longo da doca, os barcos balançando, embalados pelo rio. Comparado com algumas das embarcações de luxo ancoradas na marina, o barco dos Kurland não era grande coisa: um Chris Craft 35 pés com casco de fibra de vidro, tendo um mastro de talvez quatro meti-os, mas servia perfeitamente. Melhor ainda, estava atracado a uma estaca no fim da doca. Subiram como se o barco fosse deles, Sully se comportando tal qual um genuíno vendedor. Então ele se abaixou no convés, mexendo na alavanca principal da ignição e puxando os cabos para fora, tentando descobrir qual deles daria a partida. Drake observava o guarda disfarçadamente, até que ele recebeu um telefonema na guarita. Era uma dessas pessoas que gostavam de andar conforme falam ao telefone e, enquanto atendia a ligação, foi de um lado para o outro no caminho entre a pequena cabine e o passeio que ligava as docas ao clube da marina. Da terceira vez que percorreu o caminho, Drake acenou com a cabeça, e Sully juntou dois cabos. O motor roncou, e ele sorriu para o amigo. — Vocês são bons demais pro meu gosto nesse tipo de coisa — Jada comentou. — Nosso ramo de trabalho exige muita capacidade de improvisação — Drake argumentou. Jada lhe lançou um sorriso hesitante. — Certo. Sully soltou o barco da estaca e o fez deslizar de ré. Quando colocou o motor para avançar, afastando-se da doca, o guarda veio correndo na direção deles, gritando e acenando para que voltassem. Drake tinha certeza de que, naquele instante, o homem não sabia bem o que pensar de tudo aquilo. Estava claro que havia acreditado na história de Sully, e, nesse caso, poderia concluir que a senhora Kurland teria dado a chave ao corretor para que levasse os prováveis compradores para dar uma volta. Certamente o guarda teria suspeitas, mas não faria nada drástico até ter certeza do que se tratava. Conforme aceleravam rio acima, o barco balançando contra a água, Drake via o guarda diminuindo. — O cara teve um péssimo dia —falou. — Podia ser pior —Jada respondeu. — Ele poderia estar no nosso lugar. Drake e Sully a encararam ao mesmo tempo, notando o sarcasmo em seus olhos, e riram. Ela estava certa. Seu pai fora assassinado, e tinham dado de cara com outros dois mortos, só naquele dia. Alguém havia mandado homens armados atirar dezenas de balas neles, na esperança de que se juntassem aos outros três. Outra pessoa, ou talvez a mesma, deixara o prédio do pai de Jada em chamas. O dia deles, de fato, tinha sido muito pior que o do guarda. — Mesmo assim — Drake disse —, quando voltarmos ao país, vou mandar alguma coisa para ele. Uma boa garrafa de vinho, talvez. — Charutos— Sully sugeriu, como se vinho tivesse sido a sugestão mais inútil que Drake pudesse ter dado. —Talvez uns bifes. — Bifes? — Drake perguntou. — O cara tem de comer. Você notou o cidadão? Não se fica daquele tamanho comendo couve-de-bruxelas. — Vocês dois não existem — Jada os interrompeu, levantando a voz para que a ouvissem acima do assobio do vento, agora mais forte pela velocidade acelerada do barco. Drake assentiu. — Na verdade, não é a primeira vez que ouvimos isso. Jada lhe deu um tapa no braço. — Não foi um elogio. Mas ela não parou de sorrir, e Drake ficou satisfeito. Depois de tudo a que fora submetida desde a descoberta dos restos mortais do pai, precisava de toda a distração que pudesse encontrar. Logo em seguida, no entanto, percebeu que o sorriso foi se desvanecendo de suas feições ao observar a cidade passando à direita, as luzes se acendendo com o anoitece a expressão solene e o olhar perdido no horizonte. Drake esperava que a madrasta de Jada não estivesse envolvida na morte do pai, mas mantinha a terrível suspeita de que Olivia Hzujak era tão má quanto a enteada suspeitava. Incomodado, pôs a mão no bolso interno do casaco e tirou a carteira de couro que continha uma parte do dinheiro que ganhara como recompensa no Equador. Havia mais na bagagem, a salvo em um armário no JFK, e mais algum distribuído em outros bolsos, O resto fora colocado em uma conta que usava ocasionalmente nas Ilhas Cayman. Por enquanto, aquilo era tudo que tinham, e teria de bastar. Deixou o casaco cair na água e o viu boiar, ficando rapidamente para trás. Por enquanto, tudo corria bem. Atracariam o barco em outra marina que ficava na rua 79, por sugestão de Jada, e dariam uma passada no apartamento onde se escondia, apenas para pegar algumas coisas. Drake e Sully teriam de improvisar. Também arranjariam um par de celulares pré- pagos, para carregar com o valor que fosse necessário, e os descartariam depois, sem correr o risco de ser rastreados. Sully sugeriu que ligassem para a marina e avisassem onde o barco estaria, e ambos concordaram. Se por qualquer motivo fossem pegos, ainda seriam presos, mas uma voltinha sem permissão seria muito mais simpática aos olhos de um juiz que um roubo. Do apartamento, tomariam o rumo na direção norte. Precisavam deixar a cidade com rapidez, mas era necessária a maior discrição possível. A Grand Central não era uma opção, pelo risco de alguma cá- mera na marina ter flagrado o rosto deles. Decidiram pegar um táxi para a estação da rua 125, no Harlem, e tomar o trem para New Haven, em Connecticut, onde poderiam alugar um carro. A identidade que haviam usado na marina não serviria mais, mas Drake contava que Sully tivesse mais de um documento falso para viajar. Quando tivessem o carro em mãos, poderiam respirar com mais tranquilidade. Drake conhecia um homem em Boston que forjaria os passaportes e outros documentos para os três. Poderiam embarcar na balsa para a Nova Escócia e então em um barco para New Brunswick. no continente, em vez de passar por procedimentos de segurança mais rígidos se fossem atravessar a fronteira com o Canadá de carro. Lá, poderiam arranjar outro veículo de aluguel para Montreal, na província de Quebec. O Aeroporto Internacional de Mirabel era usado quase exclusivamente por aviões de carga, e ele e Sully tinham amigos lá. Em diversas ocasiões, ao longo dos anos, haviam tido necessidade de transitar, muitas vezes com antiguidades de todos os tipos, por dentro e para fora da América do Norte. Esperava que agora tudo também corresse sem maiores problemas. Mesmo assim, sabia que ficaria nervoso até que tivessem decolado a caminho do Egito e do sítio arqueológico na Cidade dos Crocodilos. Pela experiência de Drake, quanto mais chegava perto de um segredo, ou de um tesouro, mais fácil era detectar uma ameaça iminente ou um inimigo. As pessoas tendiam a revelar quem eram de verdade quando coisas valiosas estavam em jogo. Naquela noite, nenhum deles dormiu mais que algumas horas no banco de trás do carro alugado antes de chegarem a Boston, onde o contato esperava com as novas identidades de Drake e Sully. O sujeito, a terceira geração de uma família de falsários, chamava-se Charlie, mas todos achavam que esse não era seu nome verdadeiro. Ele tinha a foto dos dois no arquivo, o que lhe permitira forjar os passaportes com antecedência, embora tivesse precisado criar o de Jada na hora, além de vários outros itens, como um cartão-biblioteca e também um de crédito. Na manhã seguinte pararam em Portland, no Maine, onde Drake e Sully compraram malas e algumas roupas. À meia-noite estavam em m velho motel perto do Aeroporto de Montreal, com uma cama de casal para os três. Drake pegou um travesseiro e um cobertor e dormiu chão, enquanto Jada e o padrinho dividiram a cama. Viram um pouco de televisão, esperando por alguma notícia sobre os atos violentos em Nova York, mas Montreal ficava a meio mundo de Manhattan. Naquela noite, Drake mal pegou no sono, ansioso para decolar de manhã. Só então se convenceria de que estavam a salvo. Jada também não conseguia dormir. Por várias vezes a notara deitada de lado, encolhida, observando-o com olhos que cintilavam no quarto escuro. Nenhum deles disse uma palavra sequer. Apenas Sully tinha conseguido pegar no sono. Parecia ser sempre capaz de dormir, não importava a seriedade das circunstâncias. Roncava profundamente, algumas vezes suspirando alto, o lábio superior tremendo com o barulho. Na quinta-feira de manhã, o voo que pensavam ter reservado partiu sem eles. Horas desesperadoras se passaram até que confirmassem o embarque em outro avião. No meio da tarde, contudo, estavam no ar, confortavelmente abrigados em um compartimento atrás da cabine do piloto. Enfim, Drake dormiu. Quando acordou, ouvindo a batida abafada de um punk rock vindo da cabine, notou que Sully não estava lá, e soube que o amigo estava com os tripulantes do avião. Manteve-se deitado em silêncio, observando Jada dormir. As mechas avermelhadas ao redor do rosto em geral lhe davam um ar de autoconfiança, mesmo com o excedente de angústia dos últimos dias. Mas agora, dormindo em paz, parecia vulnerável, o que tornava ainda mais insensato levá-la nessa jornada. Drake conhecera muitas mulheres verdadeiramente capazes, e várias delas tinham chutado seu traseiro. Eram lutadoras habilidosas, sobreviventes. independentes por completo. Jada, por sua vez, era um ponto de interrogação. Tinha esperança de que ela provaria ser durona, pelo bem dos três. Não queria vê-la mais machucada do que já fora. Ao mesmo tempo, sabia que precisava ficar de olho em Sully. O amigo pensava que seu trabalho era proteger Jada, em vez de deixar que ela mesma se protegesse. Pensar desse modo poderia distraí-lo facilmente, a ponto de causar sérios problemas. — No que está pensando? — ela perguntou, a voz rouca, quase inaudível com o barulho alto dos motores do avião. —Já esteve numa briga? ele perguntou. — Uma de verdade? Jada franziu a testa. — Não em uma de verdade, se está falando de sangue e hematomas, como um espancamento, por exemplo. Mas me viro bem num tatame. Ele arqueou uma sobrancelha. — Tatame? O que você faz? — Aikido, basicamente. Por quê? Drake esboçou um leve sorriso. Outra mulher que podia chutar seu traseiro. — Sabe, se conseguirmos encontrá-lo... esse tesouro, o que quer que seja... falei para Sully que podemos dividi-lo em três, sem problemas — ela disse. Drake se sentiria ofendido se a ideia não fosse tão atraente. Mesmo assim, não queria que Jada pensasse que a motivação para ajudá-la era a probabilidade de ganhos pessoais. — Um tesouro é sempre bem-vindo ele disse. Mas não é pôr isso que estou nessa. — Não? — ela o estudou, como se tentasse ler seus olhos. Por quê, então? Pela primeira vez, Drake se deu conta de quanto os dois estavam próximos. Reclinados na poltrona, de frente um para o outro, apenas meio metro os separava. Se esticasse o braço, poderia tocar seu rosto. Se ficasse um pouco mais próximo, sentiria a respiração dela tocar sua face. — Seu pai era um bom homem — respondeu de modo abrupto. — Eu gostava dele. E Sully é meu melhor amigo; não podia dizer não pra ele. —Já disse não antes — Jada o lembrou. Tio Vic me falou que não garantia que você viesse. — Alguém tentou me matar. Costumo levar essas coisas para o lado pessoal. Não curto muito quando pessoas apontam armas na minha direção, que dirá quando puxam o gatilho. — E é só? —Jada indagou. — É por esses motivos que embarcou neste avião? Drake confirmou com a cabeça, franzindo o cenho. Ela queria uma resposta diferente, pelo visto, O que mais esperava que ele dissesse? — Basicamente, sim — ele disse. Foi só quando viu o desapontamento no olhar dela que percebeu o que esperava. Jada queria que também tivesse vindo por causa dela. porque não queria lhe dizer adeus. A expressão em seu rosto durou só um segundo antes que escondesse a reação, mas ele a percebeu, e Jada tinha consciência disso. — Tio Vic falou que você gosta de mistérios — ela comentou. — Como assim? — Ora, de história. Desenterrar fragmentos do passado que ficaram escondidos por séculos. Drake sorriu. — Ah, sim. Com certeza. Os arqueólogos acham que sabem de tudo. Escrevem livros e artigos que explicam o mundo antigo, como se não houvesse nada mais para ser descoberto. É uma atitude arrogante e tola, e toda vez que encontramos uma prova de que estão errados. evidências que comprovam a existência de coisas sobre o passado que não entendem ou jamais imaginaram, isso me deixa feliz. Jada se encolheu um pouco mais na poltrona. — É mesmo empolgante. Ouvi esse tipo de coisa do meu pai a vida inteira. E este foi seu último mistério. Quero saber o que ele descobriu, e me agrada saber que você quer descobrir quase tanto quanto eu. Dessa vez, Drake não respondeu. A tentação de tocar o rosto dela, ajeitar seu cabelo e se aproximar era quase grande demais para resistir, mas ele conseguiu. Drake não estava ali para isso, e sua vida era complicada e agitada demais para se envolver com Jada Hzujak. Mas, caramba, ela era linda! — E, além disso, tem o tesouro — ele acrescentou. Ela estreitou os olhos, parecendo estar irritada e se divertindo ao mesmo tempo. Era um efeito que Drake costumava causar nas mulheres. — Isso aí, o tesouro. Seja lá o que for. 6 rake desceu do avião de carga na pista do Aeroporto Internacional do Cairo com o corpo dolorido por causa do tempo de voo. Conseguira dormir por pelo menos sete horas, mais da metade do percurso. mas ainda assim estava cansado. Apesar dejá ter estado ali diversas vezes, o Egito sempre o atraía. As cidades eram modernas, cheias de fumaça saindo de escapamentos, música alta e pessoas estressadas, como em qualquer outro lugar, mas era possível sentir história no ar. Havia lugares a apenas alguns quilômetros de qualquer cidade, incluindo o Cairo, onde se tinha a impressão de voltar no tempo. Deixou a sacola no chão e esticou os braços, feliz por ter descido do avião e poder respirar ar puro. O motivo da viagem era sombrio, mas era bom estar em movimento, tentando fazer algo para solucionar mistério da morte de Luka. E seria excelente se conseguissem resolver tudo antes que alguém começasse a alvejá-los novamente. — Preciso beber alguma coisa — Jada disse enquanto descia do avião, a mala na mão. Sully havia descido primeiro e dado um giro rápido, fazendo reconhecimento visual da área onde o avião de carga tinha parado. Virou-se ao ouvir a voz de Jada e arqueou uma das sobrancelhas. — Não sou ninguém para reclamar de um drinque, mas não acha que está um pouco cedo pra isso? Já passou do meio-dia aqui, só que em Nova York nem amanheceu. — Água, tio Vic — Jada respondeu com um sorriso. — Só uma garrafa de água. Estou morrendo de sede por causa do voo. Drake sorriu ao ver a expressão constrangida de Sully. — Certo o amigo disse, tirando um charuto do bolso e enfiando - entre os dentes. Um pouco de água até que é uma boa ideia mesmo. Viajar de avião sempre deixa minha boca com gosto de palha de aço. Quando Jada se afastou para agradecer ao piloto por trazê-los sem problemas ao Egito, Drake se aproximou de Sully: — Talvez devesse controlar um pouco essa mania de pai protetor. Sully mastigou a ponta do charuto. — Você adoraria isso, não é, Romeu? — Do que está falando? — Sabe muito bem do que estou falando. Drake levantou as mãos, recuando o corpo. — Olha só, Sully, não tenho nenhum interesse em um romance com Jada. O que quero de verdade é que a gente consiga chegar ao final disso tudo com vida, e, se continuar pensando que ela não passa de uma criança, pode acabar nos matando. Jada parece perfeitamente capaz de cuidar de si mesma. Vamos nos focar no que é importante aqui, certo? O rosto de Sully parecia esculpido em pedra. — Estou ouvindo alto e claro. Não sou o pai dela. Acha que não sei Mas Luka está morto, e não sei o que faria se algo acontecesse a Jada. — O melhor jeito de se certificar da segurança dela é manter-se vivo — Drake retrucou, abaixando a voz enquanto Jada se aproximava deles. — Pare de se preocupar com ela, apenas o suficiente para não levar um tiro, tá bom? Um sorriso sem nenhum humor passou pelo rosto de Sully. Qualquer que fosse a réplica que fosse dar, e Drake não tinha dúvida de que estava na ponta da língua, deixou-a passar e se virou para falar com Jada. —Já parou de bancar a Pequena Miss Sunshine com a tripulação? — Sully resmungou. Jada sorriu: — Não seja um velho ranzinza. Sei que não dormiu bem, mas, quando é preciso viajar sem ninguém saber que você deixou o país ou desconfiar de que é um terrorista, não dá pra ser muito exigente com as acomodações. Se falar direito com eles, pode até ser que ganhe um travesseiro macio da próxima vez. Por um segundo, Sully pareceu prestes a soltar um grunhido feroz, mas só murmurou alguma coisa e partiu na direção de uma guarita de controle na saída do terminal de carga. Gotas de suor já brotavam de sua pele, e Drake o observou passar a mão na testa. — Ele odeia o Egito nesta época do ano Drake falou, pegando a mala. — É mesmo? —Jada perguntou, ambos caminhando lado a lado. — E que época seria melhor? — Ele costuma gostar da segunda semana de janeiro. Normalmente quarta-feira, por volta das três da tarde, é possível respirar de verdade por um ou dois minutos — Drake disse. Jada riu. — Não me importo com o calor. É melhor que passar o inverno em casa. — Não deixe que Sully a ouça falando isso — Drake respondeu. — E você? — ela indagou. — O que me diz do Egito? — Quente e misterioso. Preciso de uma pitada de algo assim na minha vida. Ela balançou a cabeça em negativa. — Olha só. Se não te conhecesse, poderia até pensar que é um cara romântico, e não sarcástico. — Posso ser sarcástico e romântico. Jada esboçou um leve sorriso. — Gostei dessa. Acho que vou roubar essa frase pra mim. — Pode ficar com ela de graça; dou de livre e espontânea vontade. — Ah, não tem graça se não for roubada. Os dois hesitaram por um instante. Haviam deixado o flerte correr até onde seria possível naquele momento; dizer qualquer outra coisa criaria uma situação desconfortável, por isso Drake ficou quieto, e Jada fez o mesmo. O silêncio entre eles era confortável, como se os breves encontros de anos atrás tivessem construído os alicerces para uma amizade futura. Fugir de atiradores também contribuía para criar essa sensação de intimidade. Drake sabia, até bem demais, com que rapidez pessoas em perigo podiam criar vínculos. — E esse lance seu e do tio Vic? — Jada perguntou, mudando de assunto. — Vocês dois têm amigos em tudo quanto é canto. Um caminhão de carga passou por eles, o motor roncando quase alto quanto os aviões pousando e decolando no aeroporto. — Não são amigos — Drake explicou. — São contatos. Sabemos em procurar quando precisamos de alguma coisa: informação, equipamento, transporte... — . . .uma nova identidade —Jada acrescentou. Drake assentiu. — E armas, quando precisamos delas. Mas saber a quem pagar para fazer algo que não é estritamente legal não é a mesma coisa que ter um amigo. Um contato que me vende informações sobre um caçador de tesouros pode vender informações sobre mim para a concorrência. — Pensei que você fosse um “consultor para aquisição de antiguidades” —Jada disse. — Também — Drake respondeu. — Então você acha que um amigo não vai te vender, é isso? — ela perguntou. Quero dizer, todo mundo tem um preço, certo? — Quase todo mundo. E, sobre amigos... eu escolho com muito cuidado. Jada assentiu, mas uma sombra pareceu nublar seus olhos, e ele sabia que ela havia lembrado do pai. — O que foi? — perguntou. — Meu pai sempre me dava conselhos como esse —Jada respondeu. Trocou a mala de mão devido ao peso e ficou olhando o nada. como se assistisse a um filme das próprias memórias. Sempre me dizia essas belas frases sobre escolher amigos com sabedoria e tudo o mais, mas acho que era péssimo para analisar o caráter dos outros, considerando que se casou com Olivia. — Não sei se concordo com você Drake retrucou. — Sully pode fumar os charutos mais fedorentos do universo, e algumas vezes chego a pensar que compra tabaco aromatizado com esterco só pra me deixar irritado, mas nunca conheci alguém mais leal. Luka o escolheu como amigo... talvez não estivesse tão errado sobre em quem confiar. — E por que foi se casar com aquela bruxa? — Para os homens, as mulheres são um enigma. Não sabemos como a cabeça de vocês funciona, o que torna muito mais difícil evitar uma facada pelas costas. — Oscar Wilde disse que um amigo é alguém que te dá uma facada pela frente. E, só pra constar, as mulheres têm o mesmo problema com os homens. Podemos enxergar deslealdade em outra mulher com facilidade, mas os caras podem até ter vindo de outro planeta que nem percebemos. Drake a olhou de esguelha. — Deslealdade? — É uma boa palavra ela protestou. — Verdade, gosto de dizê-la. Deslealdade. A gente não fala essa palavra o suficiente durante a vida. Drake franziu o cenho. Provavelmente, deve ser uma boa coisa. Mais à frente, Sully chegou à guarita localizada na pista. Drake não saberia afirmar se era uma guarita de segurança, um local para a tripulação pegar listas de cargas dos voos ou algum tipo de controle de tráfego. Um homem magro, de calça cáqui e camisa larga azul de algodão, estava encostado na parede, fumando um cigarro. Usava um par de óculos escuros que eram grandes demais para o rosto e sorriu quando Sully se aproximou. Os dois apertaram as mãos. — Não é mesmo um amigo? —Jada perguntou, mantendo a voz baixa enquanto se aproximavam dos outros dois. — Um contato — Drake confirmou. Quando chegaram perto da guarita, Sully acendia um charuto, gesto que Drake interpretou como um sinal positivo do andamento das coisas. Os charutos eram um meio de comunicação particular do amigo, e algumas vezes acender um deles poderia ser indício de frustração, mas não era o caso naquele momento. Ele parecia satisfeito. — Este é Chigaru — apresentou, e o egípcio os saudou com um leve aceno de cabeça. — Chigaru, quero lhe apresentar jada Hzujak e Nathan Drake. Ambos são praticamente minha família. Levo a saúde e o bem-estar deles muito, muito a sério mesmo. — Sem falar no seu, não é mesmo? — Chigaru gracejou num forte sotaque britânico. Sully riu, mas em um instante passou a tossir. Franziu a testa e olhou para o charuto. — Um dia ainda preciso largar essa porcaria. — Voltou-se para Chigaru. — Pois é, levo meu bem-estar a sério também. — Não tem com que se preocupar, Sully. Você tem amigos de verdade no Egito. Ao ouvir a palavra amigos, Drake lançou um rápido olhar para Jada, e notou que ela arqueava a sobrancelha. — Os melhores amigos que o dinheiro pode comprar — Sully completou. Chigaru sorriu e concordou com a cabeça: — Tem toda a razão. — Observou os três com atenção, obviamente notando as parcas bagagens que traziam. — Podemos ir? — Foi um voo demorado Drake comentou. E temos um longo caminho pela frente até Al-Fayoum. Gostaríamos de beber alguma coisa. A expressão de Chigaru desabrochou em um sorriso radiante: — Meus amigos, acham que sou um anfitrião tão ruim assim? Tenho Coca-Cola, cerveja e água com gás, tudo muito gelado, no carra Se quiserem, posso parar em um mercado e pegar comida pronta antes de deixarmos o Cairo. — Seria fantástico —Jada retrucou, a felicidade em pessoa estampada no rosto. Drake não podia discordar. Chigaru era apenas um contato, mas no momento sentia bastante simpatia por ele. Uma refeição e uma Coca gelada pareciam o paraíso. Chigaru os conduziu a urna perua Volvo com janelas com insulfilm, estacionada entre a guarita e o terminal de carga. Antes que chegassem ao carro, Sully sussurrou, para ninguém mais escutá-lo: — E sobre o armamento que conversamos? — Não falei pra não se preocupar? — Chigaru respondeu. — Nossa primeira parada é para pegar as armas. — Abriu a porta do motorista e sentou-se ao volante. Sully sorriu para Drake e Jada como se fosse uma criança no dia de Natal. — É assim que se fala. Vou retribuir sua atenção qualquer hora dessas disse, antes de sentar-se no banco do passageiro. Drake abriu a porta de trás e a segurou para Jada entrar. — Tudo parece estar encaminhado ela comentou, tentando parecer bem-humorada, embora a voz soasse tensa. Era evidente que a ideia de armas e mais tiros não a atraía, e Drake não podia culpá-la. Por enquanto ele concordou. Mas, mesmo ao sentar-se no banco de trás do Volvo com Jada e ouvir o tilintar do gelo quando ela tirou uma garrafa de água com gás de uma caixa térmica, não conseguiu evitar um arrepio e a tentação de olhar por sobre o ombro. Teve a sensação de estar sendo observado. Era uma impressão que havia experimentado antes, e estivera certo tantas vezes que nem gostava de se lembrar disso. O Auberge du Lac fora construído para servir como alojamento de caça a Farouk, o último monarca do Egito. Drake achou que se parecia mais com o tipo de lugar onde Frank Sinatra poderia ter cantado nos primeiros dias em Las Vegas, com suas paredes brancas de cal e palmeiras por toda parte. O hotel ficava às margens de um lago que fazia parte do Oásis de Al-Fayoum, não muito longe da cidade de Al-Fayoum bastante moderna e industrializada para os padrões locais. Bastava uma hora caminhando em qualquer direção, e você era transportado a outro mundo. O Vale das Baleias era um desses lugares, um deserto vasto e silencioso onde a areia escondia fósseis de animais marítimos, mas também pirâmides que não faziam parte das rotas turísticas principais, assim como cachoeiras que pertenciam ao oásis. Algumas haviam surgido como parte de um plano de irrigação que se estendia até Alexandria e desviava água do rio Nilo para a agricultura. Outras, como o Vale de Wadi el Rayan, faziam parte de modernos projetos hídricos. A área recebia poucos turistas, mas, pelo que Drake soubera, essa realidade vinha mudando aos poucos. E tudo aquilo, a área inteira, era parte do que uma vez fora chamado de Cidade dos Crocodilos. O lugar recebera esse nome devido à abundância dos répteis nas margens do lago em tempos antigos. Assim como Kom Ombo, que surgira mais tarde, a Cidade dos Crocodilos fora um centro de adoração a Sobek, o deus-crocodilo. Para o culto, fora construído um enorme templo, cujo ícone era um dos crocodilos do lago, coberto com ouro e pedras preciosas para simbolizar o deus. Arqueólogos tinham encontrado as ruínas do Templo de Sobek havia algumas décadas. Apesar de existirem lendas sobre um labirinto na Cidade dos Crocodilos, essa parte do templo nunca tinha sido desenterrada, pelo menos até um ano após o início do projeto hídrico de Wadi el Rayan, quando a água excedente do Oásis de Al-Fayoum fora desviada para lagos artificiais. Dois dos lagos ainda se encontravam em uso, mas o terceiro havia secado sem nenhuma explicação aparente. Na investigação, os engenheiros descobriram que a água não tinha evaporado; fora escoada para as ruínas do Labirinto de Sobek. O último mistério do culto a Sobek fora localizado por puro acidente. Mas, para desvendar os segredos do labirinto, a primeira tarefa da expedição arqueológica seria retirar a água da estrutura. Mais de um ano se passara antes de os cientistas conseguirem começar a mapear a área e fazer as primeiras escavações, e Luka Hzujak tivera reuniões com a responsável pelos trabalhos, Hilary Russo, desde o primeiro dia. Jada narrara a história a Drake e Sully durante as últimas horas do voo entre Montreal e o Cairo. Com isso, sabiam tudo de que precisavam, pelo menos até que pudessem contatar lan Welch, cuja irmã, Gretchen, era a estudante que trabalhara com Maynard Cheney na exposição sobre labirintos no Museu de História Natural de Nova York. Ela prometera conseguir a ajuda do irmão. Se não tivesse cumprido a palavra, contudo, teriam percorrido um longo caminho por nada. Por enquanto, o melhor que podiam fazer era tentar não derreter por completo. Os pneus levantavam pequenas nuvens de poeira, enquanto Chiaru conduzia o Volvo pela entrada do Auberge du Lac e estacionava o veículo em uma vaga numa pequena área ao lado do hotel. — Não estão próximos do centro de Al-Fayoum Chigaru avisou em seu sotaque cortês. — Mas é um lindo hotel. Certamente não achariam um lugar assim na cidade. Drake teve a impressão de ouvir um leve ressentimento na voz de Chigaru. Talvez se sentisse excluído por não terem deixado as providências de acomodação em suas mãos também. Perguntou-se se o egípcio não ganharia alguma comissão sobre as diárias de hotel. Era ótimo contato para conseguir armas, veículos e informação, que eram os produtos mais caros, mas Drake suspeitava de que fosse o tipo de homem que não se importaria em ganhar um dinheiro a mais com outras coisas. Assim como guias de turismo, que recebiam uma graninha das lojas de suvenir ao levar turistas para consumir no local, ele bem que poderia ganhar uma porcentagem dos hotéis — uma chance, como Sully costumava dizer, de “molhar o bico”. — Parece bom — Jada concordou, abrindo a porta do carro. — Mas, só de poder me deitar, já vou ficar feliz. Drake deslizou no banco de trás, arrastando a mala atrás de si Tinham parado no meio do nada — e nada talvez fosse exagerar na importância do lugar para dividir as armas que Chigaru conseguira. Sully e Drake tinham pistolas semiautomáticas FN, calibre 0.57, em coldres nas costas. Um coldre axilar seria suspeito demais. tanto quanto usar um casaco no calor egípcio para ocultá-lo. Com as camisas para fora da calça, as armas ficariam escondidas e facilmente acessíveis. Jada pegara a SIG P250, uma pistola menor e mais compacta que carregava algumas balas a menos. Seu pai a ensinara a atirar em um clube em Nova York, mas ela jamais havia apontado uma arma para outro ser humano. Devido às circunstâncias, no entanto, embora com relutância, manteve a SIG em um coldre sob a blusa leve que usava. Com uma Coca gelada na mão, a garrafa de vidro pingando, Sully desceu e se encostou no carro, observando Chigaru sair do veículo. — Você sabe como conquistar um cara, Chigaru — Sully falou. — Sempre me traz aos melhores lugares. Chigaru sorriu e bateu no bolso para encontrar o cigarro e um isqueiro. — Estão por conta própria a partir de agora, amigos — ele respondeu, encarando os três. — O carro é de vocês. Por favor, deixem-no no Aeroporto do Cairo quando terminarem, ou me enviem uma mensagem de texto e me avisem onde o deixaram, que mando alguém buscá-lo Têm meu telefone se precisarem de mais alguma coisa. Sully pegou a mala e contornou o carro para se despedir de Chigaru. Acho que estamos com as coisas mais resolvidas do que poderíamos esperar. Vou me certificar de que a segunda metade do dinheiro seja transferida para a sua conta antes de colocar a cabeça no travesseiro hoje à noite. Drake pegou outra garrafa de água na caixa térmica do carro. O gelo estava praticamente derretido, mas as bebidas ainda se conservavam geladas o suficiente para aliviar o calor. Chigaru fez uma pequena mesura, depois deixou as chaves do carro escorregar na mão de Sully. — Boa caçada, meu amigo. Jada e Drake também agradeceram e seguiram Sully em direção ao hotel. Chigaru ficou para trás, apoiado no carro, os óculos escuros cintilando na luz do fim do dia. — Ele vai ficar parado ali? —Jada perguntou em voz baixa. — Um cara elegante como ele? Tenho certeza de que alguém virá buscá-lo. — Você está é com ciúme por não ser tão elegante quanto ele. — A elegância é supervalorizada. E tão do século passado... Sou mais rude, é verdade, e algumas vezes adoravelmente desajeitado — Drake retrucou. Antes que Jada pudesse responder com alguma piadinha, Sully se ou no meio deles, abrindo espaço com os ombros, como um professor preocupado com algum casal de alunos que estivesse dançando colado demais num bailinho de colégio. — Podem, por favor, parar com essa conversinha mole? — Sully disse. — Estão me deixando enjoado. Drake esboçou um sorriso inocente. Gostaria de poder dizer a Sully que só tentava fazer Jada esquecer um pouco da morte do pai e da razão de estarem ali no Egito, mas não queria dizer isso com ela bem ali do lado. —Tenho certeza de que Chigaru já tem tudo programado — Sully esclareceu a Jada. — Acho que em menos de uma hora já terá partido. Drake olhou para trás e observou o egípcio encostado no carro, fumando como se não tivesse nenhuma outra preocupação no mundo. Mesmo a distância, parecia ter tudo sob controle. Podia não passar de um capanga bem pago, mas estava claro que se considerava bem mais que isso. — Assim que escurecer, vou fazer uma busca no carro — Drake murmurou para Sully. — Vai buscar o quê? —Jada perguntou. — Escutas — Sully respondeu. — Talvez explosivos. Ela empalideceu. — Viajamos mais de duas horas naquele carro. — Chigaru não deixaria que uma explosão acontecesse com ele dentro do carro. É um negociador, não um homem-bomba. Jada estreitou os olhos e observou o estacionamento. Estavam quase na porta do hotel, mas ainda conseguiam ver o homem junto ao carro. Ela parecia irritada. — Seria muito desonesto. Você pagou pelos serviços dele. Sully riu baixinho: — Sempre tem alguém disposto a pagar mais, querida. Lembre-se disso, O dinheiro não compra mais que um minuto de lealdade. Drake relanceou o olhar pelo lago, visível apenas entre as folhas de uma palmeira, e avistou uma lancha prateada deslizando na água. O piloto devia ter acabado de desligar os motores, porque a embarcação parou em seguida, ao sabor das ondulações do lago, a proa apontando para o hotel como uma flecha. Ou como uma bala. Olhando com mais atenção, percebeu um segundo barco, aparentemente idêntico ao primeiro, a cerca de cem metros de distância, também boiando com a proa apontada para o Auberge du Lac. Apesar de saber que a chegada repentina da segunda lancha poderia ser apenas uma coincidência, as duas embarcações não pareciam estar ali por acaso, como se viajassem a negócios, e não por prazer. Sully o chamou, interrompendo seus pensamentos, e ele percebeu que Jada segurava a porta aberta para os dois. Drake os seguiu para dentro do hotel, apreciando o frescor do ar-condicionado, e se esqueceu das lanchas. No fim dos anos 1940, líderes políticos de todo o mundo encontravam-se e se hospedavam no Auberge du Lac para reuniões de cúpula que ajudaram a determinar as relações globais da época. O hotel ainda mantinha os ares daqueles tempos, com seus ventiladores de teto que giravam preguiçosamente, enormes janelas em forma de arco e a mobília de madeira no saguão evidenciando a paixão do arquiteto por chalés suíços. Na opinião de Drake, parecia ser o tipo de lugar para onde o casal romântico de Casablanca poderia dar uma escapadinha a fim de passar alguns dias a sós se o final do filme tivesse sido diferente. Sully olhou para a direita, então virou para a esquerda, encostando as costas em um pilar. De lá, dava para observar os amigos o balcão de check-in e ainda vigiar a porta e a maior parte do saguão. Drake lutou contra a tentação de continuar a satirizar o local. O momento para distrações havia passado. Uma vez no hotel, encontravam-se em território desconhecido. Em algum lugar existiriam pistas do motivo que levara Luka Hzujak a ser esquartejado e abandonado em uma plataforma de trem em um antigo baú. Drake e Jada se aproximaram do balcão. O homem que os recebeu lhes deu um breve sorriso, O casaco vermelho que vestia não tinha sequer um vinco, e os cabelos grisalhos e o rosto limado pareciam ter sido passados pelo mesmo ferro. — Boa tarde, senhor — o homem cumprimentou, acenando com a cabeça para Drake, depois para Jada. — Senhora. Como posso ajudá-los? — Temos reservas. Este é o senhor Merrill Jada disse, apontando para Drake e dando o nome do passaporte falso. — A minha reserva está em nome de Hzujak. Ela soletrou o sobrenome. Drake ficou satisfeito por ela ter se lembrado de pegar o passaporte verdadeiro ao passarem pelo apartamento onde estivera escondida em Nova York. Ela havia viajado com a nova identidade falsa, assim como Drake e Sully, mas no Egito era importante que voltasse a ser Jada Hzujak. O recepcionista dedilhou o teclado do computador e olhou atento para o monitor, franzindo o cenho. Viu algo na reserva de que não gostou. Pegou os passaportes, o verdadeiro de Jada e o falso de Drake, e os colocou ao lado do computador. Mais algumas teclas, e, em um gesto rápido, entregava a Drake um pequeno envelope que continha um par de cartões-chave de plástico. — No seu quarto consta uma reserva para dois, senhor Merrill. Está viajando com o senhor David Farzan? — Em carne e osso — Sully disse, a voz áspera de costume. Fez aceno com a mão enquanto caminhava até o balcão para se juntar eles e apresentar o passaporte falso. O recepcionista sorriu e meneou a cabeça. — Excelente — disse. Pegou o documento de Sully, digitou o número no sistema e em seguida o devolveu. — Os cavalheiros estão no quarto 137. Tenho certeza de que ficarão satisfeitos com as acomodações, mas, se precisarem de alguma coisa, é só ligar para a recepção. Franziu a testa ao perceber que não tinham mais nenhuma bagagem além das malas que carregavam, mas não fez nenhum comentário. Depois, entregou outro envelope a Jada com seu cartão-chave dentro e devolveu o passaporte. — Senhorita Hzujak, seu quarto é o 151. Jada estacou, então balançou a cabeça. — Não, está errado. Drake e Sully trocaram um olhai percebendo o que acontecia. — Acertei tudo com alguém aqui do hotel por telefone Jada— explicou enfaticamente. Deveria ficar no quarto 213. O homem de casaco vermelho estreitou os olhos. — Sim, vejo que há uma anotação a respeito disso aqui no sistema. Mas esse quarto não está disponível. — Quer dizer que já está ocupado? — Drake perguntou. Não gostava do jeito daquele homem. A situação parecia estranhamente tensa e constrangedora, e o funcionário do hotel não aparentava estar muito disposto a colaborar. — Não exatamente. — O que quer dizer com “não exatamente”? — Sully perguntou. — Se o quarto não está ocupado, por que ela não pode usá-lo? O funcionário não sabia o que responder. Inquieto e nervoso, olhou ao redor, como se tivesse esperanças de que um supervisor aparecesse para salvá-lo da situação. — Por que não conversamos com seu gerente? — Drake sugeriu. — Se não consegue explicar o que aconteceu, chame alguém que possa fazer isso. Ofendido, o recepcionista suspirou. Deu mais uma olhada ao redor, mas dessa vez respondeu em voz baixa, furtiva, para não ser ouvido por mais ninguém: — O quarto não está disponível porque está em reforma. Aconteceram alguns danos lá na última vez em que foi ocupado. Agora Drake entendia, e gostava cada vez menos. Uma gota fria de suor lhe desceu pelas costas. — Então um dos hóspedes destruiu o quarto? — perguntou. — Certamente que não — o recepcionista respondeu, com alguma rispidez. O quarto 213 foi vandalizado. Os reparos estão em andamento, mas, se fizerem a gentileza, não é algo que o hotel gostaria que os outros hóspedes soubessem. Não é bom para nossa reputação, compreendem? — Compreendemos Sully disse. Mas mesmo assim ela vai precisar do quarto. E, se quiser que a gente mantenha silêncio sobre essa bagunça toda, pode dar um jeito de arranjá-lo. Pela primeira vez, a expressão do homem deixou transparecer a irritação que já devia estar sentindo havia muito. Em um segundo, contudo, o sorriso voltou, forçado e nem um pouco sincero. — Senhor já expliquei que é impossível. Drake se inclinou sobre o balcão, aproximando-se para poder falar no tom mais baixo possível: — Escute, não queremos fazer nenhum escândalo aqui. Talvez a pessoa que fez a reserva para a senhorita Hzujak não tenha explicado as circunstâncias para você. Algumas semanas atrás, o pai dela ficou hospedado no quarto 213. Logo após retornar a Nova York, ele morreu. Uma centelha de compaixão passou pelos olhos do recepcionista. Muito bom. Drake prosseguiu: — Este é o adeus dela para ele, entendeu? Não há nada que possa mudar isso. Tenho certeza de que a maior parte dos danos já foi consertada. As janelas estão quebradas? — Não, mas eu... — Todo o resto é só decoração. Mande uma camareira lá para trocar a roupa de cama e dê o maldito cartão do 213 para a moça. Pode dobrar a diária. E chamar de sobretaxa, ou qualquer outro nome que queira dar. Mas ela vai estar naquele quarto na próxima hora, ou as coisas vão ficar pretas por aqui. 7 uase vinte minutos depois, escoltaram Jada até o quarto 213. Havia lençóis limpos na cama e toalhas novas em folha no banheiro, mas o rack de madeira tinha um enorme buraco onde deveria ficar a televisão, e o vaso sanitário estava sem tampa. Alguém arrombara o cofre, que ainda não tinha sido substituído. Na parede, onde havia lugar para três quadros, restara apenas um pedaço de papiro com a pintura de uma cena de caça. Ao lado dele, os outros dois ganchos estavam vazios. Outro indício de que o lugar fora ocupado por obras de arte era a tinta da parede, que tinha um tom mais forte que o do resto do quarto, mostrando que o sol não batia ali com frequência. —Já fiquei em lugares piores — Jada observou, jogando a mala na cama e sentando-se ao lado. Parecia ter se esquecido da arma que trazia, mas Drake pensou que não era uma boa hora para refrescar sua memória. Sully começou a vasculhar o quarto, e Drake foi direto para a janela O quarto tinha vista para o lago, e conseguiu ver as duas lanchas prateadas lá fora, ainda boiando. Abriu as janelas e saiu para a pequena varanda, procurando perto das grades, sob as cadeiras e a pequena mesa redonda para ver se Luka havia deixado algo para trás. Quando voltou para dentro, Jada se encontrava ao lado da porta, mexendo no botão que controlava o velho ventilador de teto. O aparelho começou a girar devagar. Estava quente ali no quarto. Foi até o pequeno ar-condicionado no canto e descobriu que estava quebrado. Mais precisamente, alguém o desmontara, e ainda não havia sido remontado por completo. — Quem quer que tenha revirado este lugar fez um bom trabalho no ar-condicionado. Está totalmente destruído. Você vai suar bastante esta noite — disse a Jada. — O ventilador vai ajudar — ela respondeu. — Vou deixar a janela aberta também. Com a brisa que vem do lago, vai refrescar depois que anoitecer. Sully estava de pé com as mãos na cintura, olhando para a cômoda. Havia tirado as gavetas e as colocara no chão, e fazia um trabalho muito mais organizado do que quem invadira e vasculhara o quarto antes deles. — Cuide da cama, por favor - Sully pediu. Drake se ajoelhou no chão e olhou embaixo dela. Depois levantou e arrancou a roupa de cama, procurando algo sob o colchão. Os dois sabiam que não encontrariam muita coisa. Se havia algo ali, a pessoa que revirara o quarto já teria encontrado. Mas vasculhou assim mesmo, conferindo as costuras do colchão para ver se tinha algum ponto que tivesse sido cortado e depois remendado. Já que estavam ali, não faria mal a ninguém ser meticuloso. Enquanto Drake vasculhava a cama, Sully tirou a cômoda do lugar e olhou atrás. Em seguida fez o mesmo com o rack onde deveria ficar a televisão, indo depois ao banheiro. Jada assistia à movimentação, primeiro fascinada, depois com divertimento cada vez maior. — Espero que arrume a cama de novo — falou, prendendo uma mecha de cabelo atrás da orelha. Drake franziu o cenho. — Ora, estamos procurando por... — ...qualquer coisa que meu pai possa ter deixado para trás — Jada completou a frase. Ajoelhou-se no colchão, as mãos na cintura. — Acha que sou burra, Nate? Se alguém virou esse quarto de cabeça para baixo, é porque procurava alguma coisa. Parece razoável pensar que havia algo a ser encontrado. Quem quer que esteja trabalhando para Henriksen, deve saber um monte de coisas que não sabemos. Meu pai deve ter descoberto algo quando veio pra cá. —Já sabíamos disso — Sully comentou. Os dois voltaram o olhar para onde ele estava, na porta do banheiro, de braços cruzados. — Sim, mas se chegaram ao ponto de destruir o quarto, acho que meu pai não estava apenas no rastro de alguma coisa — Jada continuou. — Acredito que essa gente sabia, e que meu pai suspeitava, que alguém tentaria roubar essa coisa de qualquer jeito. Pareciam ter certeza de que ele se preocuparia em esconder bem escondido. Drake olhou ao redor. — A questão é: será que encontraram, o que quer que seja? Jada jogou o lençol de volta na cama, sem se preocupar em arrumá-lo e se lançou de costas no colchão, observando o teto. Cruzou os tornozelos, parecendo estar em casa. — Meu pai era um cara muito, muito esperto disse. — Se tivesse em mãos algo importante, algo que temesse que outras pessoas pudessem roubar, daria um jeito de manter essa coisa em segurança. SuIly soltou uma risadinha e bateu com o nó dos dedos no batente da porta, como se pedisse sorte. — Está coberta de razão. Ele fez isso mais de uma vez. Mas se Henriksen, ou quem quer que tenha matado Luka, acha que está aqui... Não completou a frase, pensativo, e depois assentiu com a cabeça para si mesmo. —... talvez tenham incendiado o apartamento para destruir anotações ou arquivos que seu pai pudesse ter feito quando voltou para casa, mas, se ainda assim estão procurando, devem ter muita certeza de que Luka não levou nada para casa, seja o que for. Vamos partir do princípio de que ele deixou algo para trás aqui. Por que faria isso? E onde o esconderia? Drake caminhou pelo quarto enquanto os dois conversavam, passando a mão no batente da porta da varanda e na moldura das janelas, verificando cortinas, testando o chão com os sapatos para ver se achava algo solto. Parou e desviou o olhar para Sully. — Ele conseguiu voltar para casa vivo — Drake refletiu, tentando imaginar o tipo de medo e a paranoia que Luka devia ter sentido. Mas, se imaginava que não ia conseguir, que talvez não saísse do Egito vivo... Sully concordou, apontando para ele. — É isso aí. Faz sentido. Certo. Digamos então que realmente escondeu algo, mas, como Jada disse, é mais esperto do que acreditam. Ele esconderia essa coisa neste quarto? Acredito que não. — O que nos traz de volta à estaca zero — Drake resmungou. Passou os dedos no queixo, coçando a barba por fazer, confuso e frustrado. Os assassinos de Luka estavam em grande vantagem em relação a eles; tinham muito mais peças do quebra-cabeça. Ele, Sully e Jada haviam começado do nada, basicamente, e quase tinham sido assassinados. Jada soltou um risinho sarcástico. Drake franziu o cenho e a encarou. — Qual é a graça? — Sully perguntou. Ela levantou um pouco o corpo, apoiando-se nos cotovelos, ainda olhando para o teto. Mal parecia notar a presença dos outros dois no quarto. —Jada? — Drake chamou. — Este lugar é bem antigo. Tem a aura gloriosa dos velhos tempos, não é? — ela disse. — Mas o ventilador do teto é bem novo. Silencioso. Mal se consegue ouvi-lo, a não ser pelo assobio do ar. Nenhuma chacoalhada, nada. Drake dirigiu um olhar preocupado a Sully, depois se voltou para ela: —E...? Jada ficou de joelhos e então se levantou na cama, um tanto desequilibrada. Deu um pulinho, sorrindo para eles. — Tio Vic, desligue o ventilador. Sully se dirigiu imediatamente até o botão ao lado da porta, sem perder tempo perguntando o motivo. Estava claro que Jada tinha se tocado de alguma coisa. — Conversei com o meu pai na noite anterior à volta dele. Pude ouvir... medo, acho, em sua voz. Mas na hora pensei que fosse só cansaço, sabe? Que estivesse esgotado e velho demais pra ficar correndo mundo afora sem descanso. Falei que estava preocupada, e ele respondeu que não havia motivo, que ficaria bem desde que não ressecasse a ponto de desintegrar no ar com o sopro de uma tempestade de areia. Ele não gostava do calor. — Acha que seu pai estava tentando dizer alguma coisa? — Drake perguntou. — Na hora não percebi, mas, sim, acho que sim. Do jeito dele, sem falar abertamente, acredito que tentou me avisar de que talvez... não conseguisse voltar. Ficou imóvel em cima da cama, perdida em memórias, uma tristeza doída de se ver no rosto. Sully se aproximou e pegou sua mão. Drake não comentou nada. Não queria interferir em um momento tão íntimo. Esse pesar era para ser compartilhado por familiares. Jada desviou o olhar para Sully. — Ele reclamou do ventilador, tio Vic. Tinha me esquecido, mas, agora que estamos aqui, tentei me colocar no lugar do meu pai, com medo, sozinho e falando com a filha ao telefone. Olhei para a hélice e notei que era tão silenciosa, e aí me lembrei de tudo. Drake olhou para o ventilador, girando cada vez mais devagar, agora que Sully o havia desligado. Mal continha a própria curiosidade, mas checá-lo era algo que Jada merecia fazer. Lágrimas começaram a descer por seu rosto. Ela as limpou, esboçando um sorriso triste. — Ele disse... — O quê, Jada? — Sully a incentivou. — Disse que detestava deixar o ar-condicionado ligado, mas que o ventilador chacoalhava e fazia tanto barulho que era como estar com outra pessoa no quarto, alguém que não calava a boca. Ele falou: “Essa porcaria tem muito a dizer” Jada se virou para Drake, um traço de empolgação no rosto: — Não foram essas as palavras exatas, mas era algo bem parecido. Sei que não é muito, mas é estranho, não é? Drake assentiu com a cabeça. — Vá em frente; olhe. Ela respirou fundo, esticou o braço e começou passando a mão pela parte superior das hélices, uma de cada vez. Na terceira, ficou paralisada, quase sem respirar. Drake ouviu apenas o ruído — Jada retirando um pedaço de papel preso com fita adesiva no topo da hélice. — O que diz aí? — Sully perguntou. Jada olhou bem para o papel, e um sorriso desabrochou em seu rosto. Entregou-o a Sully, que deu uma lida rápida e depois o passou para Drake. No pequeno pedaço de papel, dentro de um coração rabiscado com pressa, Luka Hzujak havia escrito o número 271. Drake se virou para Sully: — Quarto 271? Jada riu, secando as próprias lágrimas. — Procuraram no quarto errado. Apressaram-se em direção à porta. Da segunda vez, intimidação não funcionava mais com o recepcionista. Drake e Sully explicaram que as acomodações que haviam recebido não serviam de maneira nenhuma e que o quarto 271 seria muito melhor, mas o funcionário não parecia interessado em cooperar. Uma coisa era Jada dizer que desejava ficar no mesmo quarto onde o pai havia se hospedado, mas era evidente, agora, que o homenzinho de casaco vermelho achava que alguns americanos metidos queriam acabar com seu dia, ou então tramavam algo. Sem mencionar que não haviam despertado exatamente simpatia no funcionário ao criarem tanto caso para arranjar o primeiro quarto. No fim, a solução foi dinheiro. Drake estava grato pela viagem ao Equador, mesmo que o dinheiro que ganhara lá estivesse desaparecendo mais rápido que assistente de mágico. O egípcio se manteve com uma expressão austera e levemente suspeita durante toda a transação, que terminou com um par de cartões-chave para o quarto 271 nas mãos de Drake. O recepcionista deu um tapinha no bolso do casaco, e o dinheiro que pertencera a Drake emitiu um leve farfalhar. — Foi um prazer fazer negócios com o senhor — o funcionário do hotel disse. Sorriu, e os dentes amarelados sob o bigode pareciam grãos de milho escurecidos. — Meu amigo, você é um clichê ambulante — Drake respondeu. Jada o pegou pelo braço, puxando-o para longe da recepção, com pressa de subir novamente. O recepcionista já fazia uma reserva ao telefone quando chegaram à escada, mas ainda assim lançou um olhar rápido para Drake e sorriu, dando mais um tapinha no bolso e fazendo em seguida um sinal de positivo. — O desgraçado acabou com o meu dinheiro Drake resmungou enquanto subiam apressadamente os degraus. — Gostava muito de ter aquele dinheiro no meu bolso. — Vai ter muito mais quando descobrirmos o tal tesouro — Jada sussurrou. — Pode repor o valor das suas despesas antes de dividirmos o total em três. O tom de voz dela não era nada amargo, mas, ao ouvir aquelas palavras, lembrou-se do motivo de estarem ali. Aquele trabalho vinha lhe custando um bom dinheiro, e pretendia recuperar quanto pudesse, mas se sentiu um idiota ao pensar nisso. — Desculpe — Drake disse quando terminaram de subir a escada. Jada tocou em seu braço. — Não precisa pedir desculpas — respondeu, desviando o olhar de Drake para Sully. — Muito obrigada, aos dois, O que quer que aconteça no fim disso tudo, não teria chegado tão longe se não fosse por vocês. Passaram por um homem que empurrava um carrinho de serviço de quarto no corredor do segundo andar. Em uma curva no fim do corredor, havia uma janela que ia do chão ao teto, com uma vista estonteante do lago. O sol do entardecer ficara dourado, e um veleiro solitário deslizava pela água. Ver a embarcação fez Drake se lembrar das duas lanchas que havia notado antes, mas, se ainda estavam no lago, não se encontravam mais à vista. Na porta do quarto 271, Sully estendeu a mão, e Drake colocou nela o cartão-chave. Olharam atentamente para os dois lados do corredor. Provavelmente, os assassinos de Luka não tinham a mínima ideia de que os segredos que procuravam estavam nesse quarto, tampouco poderiam imaginar algo parecido sem ter encontrado o papel no ventilador, mas um pouco de cautela nunca era demais. — Demos sorte de este quarto não estar reservado para hoje, certo? — Sully perguntou, como se pudesse ser mais que pura obra do acaso. Às vezes, é só sorte mesmo —Jada confirmou. Drake concordou com ela: —Verdade. É que nunca costumamos ter sorte. Sully passou a mão no rosto, ajeitando o bigode, e então deslizou o cartão no trinco da porta. Drake sentia o peso da arma contra as costas, mas não a sacaria sem sentir uma ameaça iminente. A porta fez um dique, e Sully a abriu, apontando a cabeça na direção do amigo e indicando, ao mesmo tempo, que Jada permanecesse no corredor. Ela parecia prestes a explodir de ansiedade, mas cruzou os braços e esperou enquanto os dois entravam e faziam uma rápida inspeção para se certificar de que ninguém esperava por eles lá dentro. — Tudo certo, pode entrar — Sully avisou. Jada irrompeu como um furacão quarto adentro, deixando a porta bater atrás dela. Quando Sully fez menção de recomeçar a falar, ela lhe deu uma chave de braço, empurrando-o de costas na cama, e Drake soltou uma sonora gargalhada. — Esta é a última vez que você me trata como a porcaria de uma donzela em apuros — ela disse, parecendo ameaçadora, apesar da pequena estatura. — Não tem nada a ver com isso, menina — Sully respondeu. — É que Nate e eu... já estivemos em situações como esta antes. Ajeitou-se para se levantar, um olhar de quem pede desculpas, mas Jada o empurrou de novo na cama. Drake riu, embora o sorriso tenha desaparecido com rapidez assim que a moça lhe lançou um olhar fulminante. Quando por fim ela sacou a arma, a situação perdera qualquer traço de humor. — Sei lutar, tio Vic. E também sei atirar. Ele pode ter sido seu amigo, mas era meu pai. Até onde sei, esta viagem é minha missão, não sua. Não trabalho pra você nem obedeço às suas ordens. Sim, vou levar em conta a experiência que tem, especialmente se a pessoa que nos quer mortos fizer outra tentativa. Mas, pela última vez, não tente me proteger. Não sou um ponto fraco; sou um trunfo. Drake se encostou na cômoda, tentando não sorrir ao encarar Sully. — Tentei te avisar, mas nãããã0000... Sully disparou um olhar irritado em sua direção. Drake deu de ombros. — Somos uma equipe aqui Jada olhava de um para outro —, ou vocês dois podem me desejar sorte e seguir em frente, atrás de outro contrato pra roubar alguma antiguidade. Sully estava atento à arma na mão dela, e Drake não podia culpá-lo Embora o tambor estivesse voltado para a cabeceira da cama, e não para ele, quando havia uma pistola nas mãos de alguém era sempre bom saber onde a bala pararia se o gatilho fosse puxado. Admita Drake disse. Somos tão encantadores que não consegue suportar a ideia de nos ver longe. Jada sorriu, mas em seguida pareceu ainda mais irritada por a piadinha ter desanuviado sua raiva por alguns instantes. — Vocês não passam de patifes — resmungou. — Patifes encantadores — Drake acrescentou. Quando ficou claro que Jada não pretendia atirar nele, Drake passou a vasculhar o quarto assobiando uma música tema do trabalho dos Sete Anões em Branca de Neve.Jada balançou a cabeça e colocou a pequena pistola no coldre que usava sob a blusa bege. — Posso me levantar agora? — Sully perguntou, as mãos para o alto, simulando um ato de rendição. — Cale a boca e volte a trabalhar — Jada respondeu com um pequeno sorriso. Sully se levantou e a puxou pelo braço, abraçando-a e dando um leve beijo em sua testa. — Não é que não a ache capaz — comentou, a voz num sussurro que Drake mal conseguia escutar. — Eu sei — Jada respondeu. Drake pensou em meia dúzia de piadas, mas permaneceu em silêncio. Embora o espelho da cômoda aparentemente fosse parafusado na parede, ainda assim passou os dedos ao redor. Em seguida, vasculhou as gavetas, conferindo o fundo para ver se Luka não havia prendido algo ali. Não parecia muito provável. Se de fato esperava que Jada encontrasse o quarto certo ou mandasse alguém investigar, não esconderia nada em um lugar que pudesse ser facilmente descoberto por acidente. Sully verificou o armário, depois entrou no banheiro. Drake o ouviu andar de um lado a outro e escutou o barulho da tampa da privada sendo removida e depois colocada no lugar. Jada arrancou a roupa de cama e tirou o colchão. Drake não pôde inspecionar a área embaixo da cômoda; não havia espaço nem mesmo para um dedo ali. Mas resolveu arrastá-la e olhar atrás. Quando Sully saiu do banheiro, e ele e Jada passaram a vasculhar os criados-mudos, Drake se dirigiu ao rack da televisão. Estava com as mãos atrás do monitor quando percebeu que os outros dois tinham abandonado a busca. Por cima do ombro, viu que Jada e Sully olhavam fixamente para o ventilador. Ela subiu na cama para inspecioná-lo mas não encontrou nada. — Luka estava com muita pressa — Drake refletiu, olhando ao redor. — Não dava tempo para nada muito elaborado. De algum modo, conseguiu entrar aqui sem ser notado. Teria de colocar, o que quer que fosse, em algum lugar onde não pudesse ser achado de maneira rápida ou fácil, mas também levou em conta que ninguém procuraria nada neste quarto. Não deve estar num lugar tão difícil assim; ele queria que Jada encontrasse. — Não deve ser o cofre — ela concluiu. — Tenho certeza de que é aberto toda vez que um novo hóspede entra no quarto. Sully estreitou os olhos, depois se virou para o ar-condicionado ao lado da janela. Correu até lá e se ajoelhou para arrancar o painel frontal da máquina. Quando conseguiu removê-lo, um pequeno pacote caiu no chão. — Bingo! — Sully quase gritou. Apanhou o pacote e retirou os grossos elásticos que o envolviam. O conteúdo era um pequeno maço de folhas dobradas e um diário surrado, do tipo vendido em qualquer loja de material de escritório mundo afora. Um pedaço de papel flutuou até o chão, e Sully o pegou, deu uma olhada rápida e o entregou a Jada, que desceu da cama. A mão tremia um pouco ao levantá-lo na altura dos olhos, mas, quando o leu, a voz era firme: —“ A quem possa interessar. Quando estes documentos forem descobertos, por favor, contatem minha filha, Jadranka Hzujak. e providenciem para que lhe sejam entregues.” — Jada trocou um rápido olhar com Drake. Ele colocou meu endereço aqui. E mais nada. Sully desdobrou uma das folhas e a deixou aberta sobre a cama. Os três observaram um mapa da Cidade dos Crocodilos, onde Luka havia desenhado a localização do Labirinto de Sobek e as dimensões e o formato que, segundo suspeitava, ele tinha. Havia anotações aqui e ali, a maior parte alusões ao comprimento dos corredores, embora algumas evidentemente fossem comparações com o Labirinto de Knossos, na ilha de Creta. — Está aqui. Você é quem deve fazer isso — Sully disse, entregando o diário a Jada. Ela o abriu e fez menção de ler, mas a expressão de ansiedade transformou-se logo em desapontamento. — O que foi? — Drake perguntou. Jada franziu o cenho, virando as páginas e passando os olhos por várias delas. — A maior parte é de anotações. Tinha esperança de que fosse um diário de verdade, sabe? Algo que fosse colocar tudo em pratos limpos. Mas são notas pra ele mesmo. Ela se colocou entre os dois, para que Drake e Sully pudessem examinar as páginas ao mesmo tempo. Drake compreendeu seu desapontamento. O diário continha vários desenhos de labirintos, alguns maiores e outros com detalhes mais complexos, mas nenhum relato consistente. — É uma armadilha? — Sully perguntou, apontando para um rascunho. — Como aquelas que se encontram em pirâmides? — Parece muito — Drake concordou. Havia alguns rabiscos sobre Dédalo. “Knossos primeiro”, Luka escrevera. “Depois o da Cidade dos Crocodilos... Então, onde está o número três?” — Com essa anotação ele confirma que Dédalo desenhou os três labirintos? — Drake perguntou. — Isso mesmo — Jada falou, voltando duas páginas. — Está bem aqui: “O projeto essencial do Labirinto de Creta foi usado três vezes. O mel é uma constante”. — Mel? — Sully resmungou. — Que diabos ele quer dizer com isso? Nenhum deles soube responder. Jada virou mais algumas páginas, parando apenas por um momento, para estudar os pequenos mapas que Luka desenhara ao longo do diário. Detalhavam o progresso da escavação no Labirinto de Sobek. Um deles tinha outra referência ao mel: um desenho que parecia indicar quatro caminhos independentes que conduziam a um único ponto do labirinto. Bem ao lado, indicado com uma flecha, Luka escrevera: “A localização da Câmara do Mel é diferente da dc Knossos, mas a orientação é a mesma: a Senhora do Labirinto deve receber quantidade equivalente à de todos os outros deuses juntos”. Luka desenhara outra flecha, para indicar que as anotações continuavam na página seguinte — um costume seu, que confirmava a autenticidade do diário, O farfalhar do papel era o único som no quarto quando Jada virou a folha. “Incrível”, Luka escrevera. “Em pleno Templo de Sobek — no Labirinto de Sobek —, os próprios adoradores pagam um tributo maior à Senhora do Labirinto do que a seu deus? Por quê?” — Bela pergunta — Sully resmungou. — Seria uma pergunta melhor ainda se soubéssemos a que tipo de mel ele se refere — Drake retrucou. — Não acha que ele esteja falando do mel comum? — Jada perguntou. Drake a encarou: — E você acha? Quer dizer... Deixando de lado qualquer piadinha sobre algo chamado “Câmara do Mel”, embora soe como um lugar romântico aonde Elvis poderia ter levado suas gatinhas, esse mel ofertado a todos os deuses provavelmente não deve ser o mesmo que o Ursinho Puff gosta de comer, não é? Sully lhe deu um olhar de esguelha, mas ignorou as piadinhas. — Jada, você não disse que os adoradores de Sobek decoravam crocodilos com ouro e pedras preciosas? Jada assentiu. — Então eles tinham ouro e pedras preciosas — Sully continuou. — Ouro suficiente para fazer o quê? Armaduras novas? Armaduras para gerações e gerações de crocodilos que representassem seu deus? As pedras podiam perfeitamente ser arrancadas para se usar de novo, mas, se faziam armaduras de ouro para cobrir os crocodilos, podiam muito bem fabricar uma nova a cada geração. — Mas onde conseguiam tanto ouro? Drake ponderou. — Este lugar não é exatamente o Eldorado. Jada suspirou. — Bom, não vamos conseguir nenhuma resposta com isto aqui — ela disse, virando outra página do diário. — Talvez não — Drake respondeu. — Mas pelo menos temos uma ideia melhor de quais lacunas devemos preencher. Jada virou outra página e hesitou. Uma anotação fora rabiscada às pressas ali, e, ao virar a folha seguinte, descobriu que o resto do diário estava vazio. Voltou ao último rabisco. Tinha sido escrito semanas atrás, e de algum modo era a última mensagem do pai para ela. “Falar com Welch”, Luka escrevera. “Toque de ouro? Talvez Dédalo. Para onde ele iria? Eis a questão. Henriksen não se importa com os Três Labirintos; está atrás do tesouro do Quarto.” — Quarto? — Drake leu em voz alta. — Mas ele não disse, bem no começo, que Dédalo projetou três labirintos? — Welch — Jada repetiu. — Só pode ser lan Welch, o irmão de Gretchen. — Ligue pra ele, Sully — Drake sugeriu. — Precisamos ver esse cara hoje à noite. Henriksen está tentando matar qualquer um que possa saber da descoberta de Luka. — Não tem nenhum segredo aqui —Jada protestou, exibindo o diário. — Destruíram o quarto dele procurando por isso, mas o que quer que meu pai tenha encontrado não está aqui. — Henriksen deve achar que está — Sully respondeu. Sentou-se na beirada da cama e pegou o telefone. —Jada Drake disse com suavidade —, podemos não ter entendido todos os detalhes, mas seu pai não esconderia esse diário se não achasse que há algo de muito importante no que escreveu. — Tem razão — ela concordou, abaixando-se para abrir melhor o mapa que Sully deixara na cama. Balançou a cabeça. — Seja lá o que for, é melhor descobrir logo, antes que Henriksen o faça. — Se é que já não o fez — Drake completou. — Pode ser que já saiba de todos os segredos e agora queira apenas se certificar de que ninguém mais os tenha. Sully teclou no celular o número que havia anotado num pedaço de papel que tirara da carteira. Jada abriu o diário, voltando para a última página. Drake não gostou da expressão fechada em seu rosto. — O que foi? — perguntou. — Só estou lendo de novo. “Falar com Welch.” É uma mensagem para mim? Uma instrução? Ou uma nota para si mesmo, como uma lista de coisas para fazer? Se for o caso, seja qual for o mistério que ele desvendou, pode ter contado a lan Welch. Teria de ser logo antes de deixar o Egito e voltar a Nova York para continuar a pesquisa. Sully teve uma rápida conversa ao telefone, e Jada manteve a voz num tom baixo. Drake franziu o cenho: — Quer dizer que talvez a gente não deva confiar em Welch? — Quero dizer que meu pai parecia confiar nele, e agora está morto. Acho apenas que devemos ter cuidado. Sully desligou o telefone. Ambos se voltaram para ele, ansiosos. — Acho que descobriremos logo de que lado Welch está — Sully falou em sua voz áspera. — Vamos encontrá-lo para um drinque em Al-Fayoum dentro de duas horas. 8 sol já tinha se posto quando Drake se colocou a caminho de Al-Fayoum o céu transformado em um vasto campo azul repleto de estrelas. Passaram pelas antigas rodas hidráulicas que abasteciam os estreitos canais da cidade. Depois, atravessaram uma ponte e entraram no perímetro urbano. Drake diminuiu a velocidade ao avistar um carro de polícia estacionado ao lado de um prédio que lembrava uma pirâmide invertida. Em algumas partes do Egito, era comum ocidentais serem acompanhados por policiais, principalmente nas cidades maiores. Chigaru lhes assegurara que as insígnias coladas no para-choque e no painel do carro manteriam os tiras longe. Ou falara a verdade, ou esse oficial em particular não estava muito a fim de arrancar dinheiro de turistas. A viatura permaneceu onde estava, e ele continuou seu caminho. O recepcionista do Auberge du Lac lhes dera instruções para chegar aonde precisavam, mas Drake não tinha certeza de que acabariam no lugar certo até o momento em que estacionou o carro. Quase esperava que o homem de casaco vermelho os mandasse para o lado errado de propósito, mas as indicações haviam sido impecáveis. A única distração fora o pequeno furgão preto que surgira do nada quando tinham passado pelas rodas hidráulicas e permanecera atrás deles enquanto percorriam as ruas da cidade. — Está vendo? — Drake perguntou. No banco do passageiro, Sully olhou pelo retrovisor direito. — Estou. — Fique de olho. Jada relanceou o olhar para trás. Não falou nada, mas a linguagem corporal era bem eloquente, e, quando viraram na rua Halma e o furgão passou reto, a moça soltou um suspiro de alívio. Drake sentiu o mesmo, embora não conseguisse evitar um pressentimento de que estavam sendo observados desde o momento da chegada ao Egito. Era impossível, claro. Haviam percorrido grandes extensões de terreno sem nada ao redor, onde um veículo que os seguisse seria notado no mesmo instante. Ainda assim, sentia um olhar maligno sobre eles enquanto dirigia. O restaurante ficava espremido em um canto do saguão do Hotel da Rainha, cujo mau estado de conservação explicava, sem sombra de dúvida, as razões de Luka ter preferido se hospedar fora da cidade. Apesar do interior decadente do hotel, o restaurante chegava quase a parecer agradável. Um aroma marcante de temperos e carne assada tomava o ar, e o estômago de Drake rugiu ao se dar conta de quanto tempo fazia desde a última refeição decente. — Comeria um cavalo agora — Sully murmurou quando entraram, observando o lugar à procura de lan Welch. — Pela cara do lugar, pode pedir um camelo, que vão servir um inteiro pra você — Jada respondeu. Drake percebeu um homem magro e visivelmente nervoso, um dos poucos ocidentais com quem tinham cruzado até então na cidade, sentado sozinho a uma mesa no canto do salão. A roupa e o semblante evidenciavam sua nacionalidade norte-americana. Welch escolhera um lugar distante do público, provavelmente para terem chance de discutir coisas que não queria que ninguém mais escutasse. — Sei lá — Drake comentou baixinho para os outros dois. — Se colocar tempero suficiente, camelo até que pode ser bem saboroso. Um garçom uniformizado fez menção de se encaminhar para onde estavam, mas Sully o dispensou com um gesto, andando na direção de Welch. Drake e Jada o seguiram, e ele notou que a moça olhava para todos os lados, visivelmente incomodada. — Eu me sinto como se estivesse num episódio de Além da imaginação — ela sussurrou no ouvido dele, a respiração quente em seu pescoço. — Essa música do Oriente Médio e o restaurante inteiro olhando pra mim... — Aqui não é o Cairo — Drake falou. E este não é um restaurante para turistas. Não costumam ver muitos ocidentais por aqui, e ainda menos lindas jovens com mechas de cabelo cor de cobre. Mesmo na luz fraca do restaurante, pôde ver que o rosto de Jada ruborizava. — Não é muito masculino saber o que é “cor de cobre”, quanto mais ser capaz de distinguir essa tonalidade — ela afirmou. — Sou um espécime remodelado — Drake respondeu. Chegaram à mesa sorrindo, mas a expressão sombria de lan Welch acabou com a alegria. Ele não se parecia nada com a irmã mais nova, com seu cabelo escuro e desgrenhado, óculos arredondados e um forte bronzeado, fruto de meses no deserto. Muito reto e compenetrado, apertou a mão dos três enquanto se apresentavam, embora toda a sua atenção estivesse em Jada. — Sinto muito sobre seu pai — o arqueólogo disse. — Quando Gretchen me contou a respeito do assassinato, e depois o doutor Cheney... Welch se deteve e balançou a cabeça, as palavras fugindo naquele momento. Apontou para as cadeiras. — Por favor, sentem-se. Já pedi tahine e pão sírio para começar. O garçom vai trazer água também. Mas, por favor, me digam... em que posso ajudá-los? Sully empurrou a cadeira para trás, a fim de ter uma boa visão do restaurante. Welch se sentara a um canto, mas Drake sabia que seu amigo estaria alerta e os avisaria se visse algum tipo de perigo iminente. O tiroteio em Manhattan os deixara nervosos, e a sensação constante de que era observado corroia os nervos de Drake, mas deixaria a cargo de Sully a preocupação com segurança nesse momento. A conversa com Welch era o que importava agora. — Há duas coisas que precisamos de você, senhor Welch —Jada começou, prendendo uma mecha de cabelo atrás da orelha. Em primeiro lugar temos algumas perguntas, e nossa esperança é de que nos ajude com as respostas. Tem tanta coisa que ainda não sabemos... — Farei o melhor que puder Welch — respondeu. — Em segundo — a moça prosseguiu — , bem... gostaríamos de entrar e dar uma boa olhada na escavação, mas, quanto menos pessoas souberem que estaremos lá, melhor. Welch fez menção de responder, o semblante fechado, pronto para negar com a cabeça. Mas parou, talvez pensando na morte de Luka Hzujak e Maynard Cheney. Voltou-se para Drake, depois desviou o olhar para Jada. — Realmente acreditam que os assassinatos têm a ver com algo que seu pai descobriu após ter vindo pra cá? Jada concordou: — Acreditamos que sim. Welch respirou fundo. — Tudo bem. Vou ver se consigo providenciar o que me pediu. Enquanto isso, o que posso dizer a vocês sobre o trabalho que estamos realizando? O garçom chegou com copos d’água para todos, e um segundo apareceu e colocou as travessas com tahine e pão sírio na mesa. Drake preferia comer um hambúrguer, mas, faminto como estava, a pasta de gergelim e o pão cairiam perfeitamente. — Certo —Drake respondeu, antes de começar a comer. — Conte-nos sobre Dédalo e os três labirintos. Welch tomou um pequeno gole d’água. — Essa é a descoberta mais importante que fizemos na escavação até agora. O que já sabem? Drake mastigou, tentando engolir para poder responder. Jada se antecipou: — Meu pai falava muito sobre o trabalho dele — disse. — Pelo que entendi, acreditava que Dédalo era uma pessoa real, não um personagem mitológico, e que projetou não só o Labirinto de Knossos, como dizem as histórias, mas também dois outros, entre eles o que estão escavando agora. Welch assentia com a cabeça enquanto ouvia. — Ah, não há mais dúvida a respeito respondeu. Veja bem, a maior parte dos estudiosos concorda que os mitos que mais resistem ao tempo são aqueles cuja existência conseguimos provar ser baseada em fatos reais. Os gregos antigos, por exemplo, acreditavam que a Guerra de Troia realmente havia acontecido e que Troia existira de verdade. Em tempos mais recentes, os historiadores tinham praticamente decidido que toda aquela história fora inventada, até o dia em que um arqueólogo alemão chamado Heinrich Schliemann de fato descobriu as ruínas de Troia, em 1870. Uma prova de que é preciso ter cuidado ao subestimar a mitologia. Sorvendo mais um gole d’água, prosseguiu: — O negócio sobre a Grécia antiga é que as pessoas que tentavam escrever as histórias tinham o hábito de citar vários tipos de fonte. Um governante micênico poderia ser confundido com um personagem de uma antiga história fenícia, e dois trechos reais de história podiam ser misturados pela tradição oral, com seus exageros e superstições, transformando-se em uma lenda. Meu trabalho como arqueólogo é o de tentar desemaranhar as linhas que o tempo juntou. Drake olhou para Sully, cuja atenção se voltara aos demais clientes do restaurante e garçons. Para alguém que não o conhecesse, podia parecer entediado e desinteressado, apenas mais um cara faminto esperando pelo jantar, em vez de um sujeito pronto para uma briga. Havia guardado o diário e os mapas de Luka na parte de trás da calça, junto da arma. Tinham concordado que deixar tudo aquilo no hotel não seria prudente, mas Drake não conseguia parar de pensar que todo o espólio de Hzujak se encontrava ali, entre eles. Isso explicava, mais que qualquer outra coisa, por que Sully estava tão alerta. Mas Welch não pareceu perceber algo estranho e continuou: — Bom, sobre Dédalo... — Drake sugeriu. — Ele existiu mesmo? —Jada perguntou. Welch se deteve por um instante, suspirando profundamente. Tirou os óculos do rosto e passou a esfregar as lentes com a borda da toalha da mesa. — No fim da Era de Bronze, existiu um inventor e construtor que era considerado um dos homens mais inteligentes do mundo. Foram escritas histórias sobre ele em diversas línguas, e esse homem aparece em diversas culturas, com nomes variados, embora o mais comum seja Dédalo. Foi um artista, um artesão, e por muito tempo o Labirinto de Knossos foi considerado seu maior feito. Existe bastante polêmica nos círculos acadêmicos sobre se o palácio descoberto em Knossos na década de 1870 realmente era o labirinto de Dédalo ou não — Welch continuou, recolocando os óculos e pegando o copo d’água. Parecia alheio a tudo, envolvido com a história em sua mente. — A estrutura contém milhares de salas que se interligam, mas muitos grupos, de um dos quais faço parte, argumentam que ali não era o labirinto de fato; que o local verdadeiro ficava perto dali. O garçom chegou, interrompendo-o, e todos fizeram seus pedidos. Welch esperou apenas alguns segundos depois que ele se afastou da mesa para continuar, ansioso agora que havia começado a contar a história. — O que precisam entender é que a escavação atual, o Labirinto de Sobek, comprova, em essência, essa teoria. O palácio principal da Cidade dos Crocodilos, o Templo de Sobek, já é conhecido há décadas. Mas o labirinto é uma estrutura à parte, não muito longe do templo. O caso do Labirinto de Creta, em Knossos, deve ser igual. Drake balançou a cabeça em um gesto negativo. — Espere aí — disse, levantando uma das mãos. — Está dizendo que nunca encontraram o Labirinto de Knossos? Aquele do Minotauro, do rei Minos, aquela coisa toda? Welch sorriu enquanto espalhava um pouco de tahine em um pedaço de pão. — É incrível, não? Tudo isso é lenda, mas se confunde com o conhecimento real do público. As pessoas não sabem o que é real ou não. — Então aqui vai o que é real de verdade. Deu uma mordida no pão, mastigou algumas vezes e engoliu, mas mal parecia ter consciência do que fazia. — O palácio de Knossos está lá — prosseguiu. — Mas um cavalheiro inglês, sir Arthur Evans, um amador, já que não existiam muitos profissionais na época, foi quem supervisionou a escavação Durante esse processo, contratou pessoas para restaurar o lugar — Welch sublinhou o termo desenhando aspas no ar com os dedos. — Parte dessa restauração incluía refazer salas inteiras com a pintura de afrescos nas paredes, no que afirmava ser o estilo da civilização minoica. Minoica vem de Minos, certo? Tudo uma besteira só! Em vez de restaurar o que estava lá, a equipe de Evans cobriu tudo o que havia destruindo uma grande oportunidade de pesquisa. Muito do que poderia ser aprendido se perdeu; parte da razão de não existir nenhum consenso a respeito de o palácio de Knossos e o labirinto do rei Minos serem exatamente a mesma estrutura. Mas nossa escavação, bem... ela nos oferece um argumento bastante convincente de que pode existir uma construção à parte em algum lugar em Knossos. E não é apenas isso; todos os dias descobrimos mais e mais evidências que ligam o Labirinto de Sobek ao Labirinto de Knossos, e também a um terceiro, ainda não identificado. Encontramos tábuas com inscrições em câmaras sagradas, a maior parte em escrita Linear B, uma escrita silábica arcaica usada principalmente pelos gregos da civilização micênica, o que estabelece sem sombra de dúvida que Dédalo projetou e construiu três labirintos, e que Knossos e a Cidade dos Crocodilos eram dois deles. — Três, não quatro? — Sully perguntou, dando um susto nos outros, já que estivera quieto o tempo todo. Welch franziu o cenho, virando-se para ele: — Como assim? — Meu pai deixou algumas anotações — Jada explicou. — Ficamos com a impressão de que ele pesquisava um Quarto Labirinto. — Esta é a primeira vez que ouço algo a respeito — Welch afirmou. — Não, todos os escritos que encontramos falam de “três labirintos do construtor-mestre”. Outras anotações deixam bem claro que Dédalo é o construtor-mestre, e essa é a teoria que temos usado. Um movimento próximo à mesa chamou a atenção de Drake, mas era apenas o garçom trazendo um prato de queijo para Sully e um refrigerante para Jada. — As anotações de Luka também falam em mel — Drake disse assim que o garçom se afastou. — Algo sobre a Senhora do Labirinto receber a maior parte. Pela primeira vez, a expressão de Welch se abriu com empolgação genuína. Todos os pensamentos sobre a morte de Luka e as próprias preocupações foram deixados de lado, atropelados por puro entusiasmo. Essa é, ao mesmo tempo, uma das maiores descobertas da escavação e um dos maiores mistérios que encontramos Welch revelou, os olhos cintilando por trás das lentes dos óculos. Parecia quase um menino, e exibia um sorriso maior que o rosto. Uma tábua encontrada na escavação original em Knossos se referia à Senhora do Labirinto. Sim, existe a lenda do Minotauro, mas vamos deixá-la de lado por um segundo. Os escritos falavam de mel ofertado aos deuses no Templo de Knossos, mas também de adoradores que levavam um pouco ao labirinto, para ofertá-lo à sua “senhora”. Ela recebia quantidade igual à que era dada a todos os outros deuses juntos. Encontramos a mesma coisa aqui, no Labirinto de Sobek. As pessoas temiam os crocodilos, e Sobek era o deus-crocodilo, portanto, as oferendas a ele eram fartas. Mas a regra sobre o mel e a Senhora do Labirinto existia aqui também. E no Terceiro Labirinto, onde que quer que ele esteja. Cada labirinto tinha uma “senhora” que precisava ser agraciada. Drake roubou um pedaço do queijo de Sully. O ambiente agora se encontrava à meia-luz, e a música egípcia aumentara de volume com o avanço da noite. — Mas não estamos falando de mel comum — Drake sugeriu. — Concordo — Welch respondeu. — Faz semanas que minha equipe vem discutindo sobre o que poderia ser. É claro que poderia ser mel, mas é mais provável que fosse uma mistura, talvez uma bebida à base de ópio ou uma droga semelhante. Por outro lado, tendo a considerar também o outro extremo, de que teria de ser algo mais sólido. A voz do arqueólogo se tornou mais séria ao dizer essas palavras, como se fosse o ponto principal aonde desejava conduzir a história o tempo todo, uma revelação enigmática para a qual todos deveriam procurar uma solução. Mas Drake estava cansado demais para charadas, e sabia que os companheiros também. — Algo mais sólido como? — Drake perguntou. Welch fez o gelo girar no copo, olhou ao redor para se certificar de que ninguém escutava e se inclinou sobre a mesa, imprimindo um tom íntimo à conversa. Até Sully aproximou sua cadeira. — Ouro — Welch sussurrou. Os olhos ainda brilhavam, mas ele já não sorria. Não havia dúvida sobre sua sinceridade naquele instante. Jada levou um susto, trocando olhares com Sully e Drake. Não fez nenhum comentário, nem precisava. Luka Hzujak havia escrito que Henriksen estava atrás do tesouro do Quarto Labirinto. Welch podia não saber nada sobre a existência dele, mas ali estava, pelo menos, uma teoria sobre o tesouro. — Vocês encontraram ouro na escavação? — Sully perguntou baixinho. Não tanto quanto esperávamos Welch explicou. O culto a Sobek utilizava ouro nas cerimônias, na decoração das câmaras sagradas e dos crocodilos. Mas tem muito pouco no labirinto. — Então, qual é a relação? —Jada perguntou. Welch sorveu mais um gole do copo. — Muitos estudiosos acreditam que Minos não era exatamente o nome do rei, mas um título, da mesma maneira que César se tornou a denominação dos imperadores de Roma. Portanto, o rei para quem Dédalo construiu o Labirinto de Knossos, o rei que era pai de Ariadne, a mulher que Dédalo amava, pode não ter se chamado Minos. Drake deu de ombros. — Certo. E o que isso significa? — Encontramos provas de que ele teve outro nome, muito mais familiar. De que seus filhos e netos se espalharam pelas terras da Anatólia, Frígia, Trácia e Macedônia, todos chamados da mesma maneira, o que causou aos historiadores uma dose cavalar de problemas e confusão. Mas há uma tábua no escritório da minha chefe, no sítio arqueológico, que conta uma história conhecida, embora em contexto diferente, dando um nome ao rei de Creta, o fundador da civilização minoica. Sully não se conteve e vociferou: — Pelo amor de Deus, cara, desembucha! Copos tilintaram. Conversas se detiveram pela metade. Pessoas pararam no meio do jantar para olhar, horrorizados, aqueles norte-americanos tão mal-educados. Drake sorriu, constrangido, e fez um gesto amigável para as pessoas na mesa mais próxima, um par de executivos árabes, talvez sauditas ou do Bahrein. Welch parecia magoado. Jada estendeu a mão por cima da mesa e tocou a dele. — Senhor Welch, aprecio muito seu entusiasmo. Meu pai se sentia do mesmo jeito, não tenho dúvida.. — Ele se sentia— Welch concordou, meneando a cabeça. — ... mas estamos tentando descobrir quem o matou, assim como o namorado de sua irmã, o doutor Cheney. Antes que conseguíssemos sair de Nova York, alguém tentou nos matar também. Então, espero que nos perdoe se não estamos com paciência para mais suspense. Drake a fitou, tentando recordar se havia tido metade da educação dela aos vinte e quatro anos. Duvidava disso seriamente. — É claro — Welch respondeu. Perdão. Tentava apenas montar a base para algo que, à primeira vista, pode parecer assombroso para vocês. Drake se inclinou e baixou a voz, assim como Welch fizera. — Sinta-se à vontade em nos deixar assombrados. Welch sorriu, e os quatro eram parceiros no crime novamente. — Temos evidências que sugerem que o rei Minos, de Creta, e o rei Midas eram a mesma pessoa. Drake o encarou. A música pareceu ficar mais alta, e o burburinho de conversas sumiu em meio ao barulho. Tirou os olhos de Welch e viu que Sully e Jada mostravam tanta surpresa e descrédito no rosto quanto ele. — Isso é... — Sully começou. — Lembre-se, senhor Sullivan Welch o interrompeu. A maior parte das lendas tem um fundo de verdade histórica, algum precedente. Não estou sugerindo que existiu um homem que pudesse transformar metais comuns em ouro a um toque de dedos, mas que houve um rei Midas, conhecido por acumular muito ouro. Existem referências a ele em histórias de diversas culturas, embora agora acreditemos que falem de seus filhos e netos, que tinham o mesmo nome. Também temos razões para crer que o patriarca da família, Midas Primeiro, se preferirem chamá-lo assim, foi o pai de Ariadne, o monarca da civilização cretense, ou minoica, na época em que o labirinto foi construído por Dédalo. Jada ficou pálida, o olhar perdido e distante. Welch parecia pronto a prosseguir com o discurso, mas então notou a expressão no rosto dela. — Olhe, sei que é difícil aceitar a ideia de que algo conhecido até então como um mito possa ser real... — ele argumentou. — Não é isso — Drake o interrompeu, um arrepio de empolgação fazendo os pelos de seu braço se eriçar. — Conte a ele. Sully passara vários segundos encarando Welch, boquiaberto, mas Drake podia ver agora que a mente dele trabalhava rápido, como se as peças do quebra-cabeça se encaixassem aos poucos dentro de sua mente. Também se sentia assim. Não possuíam todas as peças, nem de longe, mas num relance haviam conseguido ter uma visão muito melhor de como era a figura que queriam formar. — Senhor Welch... —Jada começou. — lan, por favor. — lan, então - ela concordou. — O estilo de pesquisa do meu pai era bastante envolvente. Poderia até ser chamado de obsessivo. Pouco antes de ser morto, ele havia se lançado à investigação de dois assuntos que obviamente se relacionavam, mas, quando revisei as anotações e os planos dele, não consegui compreender de que maneira. Um deles era, claro, labirintos. Ele esteve aqui, e também falava frequentemente com o doutor Cheney em Nova York. O outro assunto era alquimia. Welch assentiu: — Perfeito. Faz todo o sentido. — Luka pensava que havia alguma conexão entre Midas e os grandes alquimistas da história — Sully acrescentou. — E pode haver mesmo — Welch respondeu, olhando ao redor no que parecia ser um gesto nervoso. Drake imaginou que estivesse preocupado com quem poderia ouvir o que falava; se a informação caísse em ouvidos errados, pensariam que havia um tesouro pronto a ser apanhado na escavação, o que por certo levaria a mais problemas e mais violência. — Alquimia não existe — Jada disse, a frustração estampada no semblante. Ouro é ouro, e acabou. Não dá para vir de outro metal. — Você sabe disso, e eu também — Welch respondeu. — Mas, obviamente, houve períodos na história em que as pessoas acreditavam na alquimia, assim como alguns indivíduos bastante carismáticos se diziam alquimistas. — O truque era ter ouro guardado para sustentar isso — Drake comentou. — Exatamente — Sully concordou, ainda vigiando o restaurante. — Todos aqueles caras, São Germano, Fulcanelli, ninguém jamais acreditaria neles se não tivessem ouro para mostrar. Em quantidade suficiente para assombrar a todos. Welch arqueou as sobrancelhas em um gesto de satisfação. — Parece que não vou precisar ensinar a história da alquimia pra vocês. — Voltemos a Midas — Sully sugeriu. — E aos labirintos — Welch completou. — Nas tábuas que já conseguimos traduzir, há uma história sobre o homem que desenhou o Labirinto de Sobek. Obviamente se trata de Dédalo, apesar de o nome não ser mencionado. Nela se afirma que ele pagava os trabalhadores em ouro e que era capaz de transformar pedras em ouro com um simples toque. Drake franziu o cenho. — Espera aí! A história diz que Dédalo tinha o toque mágico, e não Midas, o rei? — Exatamente — Welch respondeu com um leve sorriso. — Está escrito lá que o construtor tinha uma grande reserva de ouro no centro do labirinto, cuja construção era feita de dentro para fora, e que os trabalhadores tinham de ir até ele para ser pagos. A tábua também afirma que o construtor nunca deixava o labirinto e que os pagava em ouro. O arqueólogo se voltou para Jada: — Seu pai me ajudou a traduzir essa tábua. Tanto ele quanto eu acreditamos na época que a história se referia a Dédalo. O texto ainda dizia que ladrões tentavam roubá-lo constantemente, mesmo depois que o labirinto estava concluído. Havia referências à Senhora do Labirinto e ao mel, e também a um monstro. — Um monstro? — Jada perguntou. — Isso não foi achado em Creta, mas aqui no Egito, não é? — Sim — Welch respondeu, evidentemente satisfeito por poder compartilhar aquela revelação. Havia referências a três labirintos, que possuíam guardiões; homens monstruosos, na verdade. Talvez desfigurados e enormes, mas é claro que não eram homens-touro como aparecem na mitologia. Pareceu-nos que Dédalo viveu no labirinto daqui e que a Senhora e o monstro também moravam dentro dele. Mas, em algum ponto, um grupo de trabalhadores se uniu, atacou o Templo de Sobek, matou várias pessoas e tentou invadir o labirinto. Esses ladrões não encontraram pistas do ouro, tampouco de Dédalo. Aparentemente, haviam sumido. Talvez, quando conseguirmos descobrir a localização do Terceiro Labirinto, possamos desvendar esse mistério também. Jada fez menção de perguntar mais alguma coisa, mas nesse instante o garçom chegou com o jantar, e a conversa parou enquanto eram servidos. Assim que o homem se afastou, Drake se virou para Welch: — Posso imaginar como essa escavação parece mais um presente dos céus para você, lan Drake disse. — Ela revelou mais informações sobre o mundo antigo do que qualquer outra coisa descoberta no último século. Você e sua chefe vão fazer carreira com isso. Vão escrever livros e dar entrevistas na televisão; estão feitos! Mas, por mais legal que seja tudo isso, e, acredite, para alguém como eu, é muito legal mesmo, ainda não ouvi nada que possa ser motivo para um assassinato, que dirá dois. Welch lançou um olhar a Jada como se se desculpasse. — O que quer que seu pai tenha descoberto, qualquer que tenha sido a ligação que ele fez que o colocou em risco, não tenho ideia do que seja. E talvez o que vou dizer faça de mim um covarde, mas confesso que fico feliz por não saber. SulIy aproximou a cadeira da mesa. — Tenha cuidado, doutor Welch. Pelo que sua irmã nos contou, Cheney também não sabia qual era o segredo de Luka. Mas mesmo assim está morto. Você tem de ficar alerta até que a gente consiga solucionar tudo isso. Pela primeira vez, Welch pareceu genuinamente assustado. — Mas eu não sei qual é o segredo. Se existe algum tipo de tesouro, algo que não encontramos nas escavações, não faço a menor ideia do que possa ser. — Apenas tenha cuidado — Sully repetiu, pegando uma garfada de koshari, prato egípcio vegetariano feito de arroz, lentilha, grão-de-bico e macarrão, coberto de molho de tomate e alho frito. — Talvez amanhã a gente possa encontrar alguma resposta no sítio — Jada sugeriu. — Se conseguirmos solucionar esse mistério juntos e provar quem matou meu pai e o porquê, você estará a salvo. Welch anuiu com a cabeça. — Espero que sim — disse, embora estivesse bastante pálido e parecesse ter perdido o apetite. Quando achou que poderia ir embora sem parecer rude, Welch pediu desculpas e deixou metade do jantar ainda no prato. Nem esperou o café. Durante vários minutos depois de sua partida, os três não falaram nada, cada um perdido nos próprios pensamentos enquanto terminavam o jantar. Para Drake, o primeiro indício de que algo estava errado surgiu quando Sully engasgou com a comida. — Tio Vic? —Jada perguntou, preocupada. Sully tossiu e tomou um gole d’água para fazer descer a porção que havia engolido errado. Mas Drake o conhecia bem demais para achar que esse havia sido o único problema. Notou a preocupação no olhar do amigo e a maneira como se sentou, certificando-se de que o diário ficaria escondido sob a camisa e, ao mesmo tempo, de que poderia pegar a arma se precisasse dela. Drake se voltou para a entrada do restaurante e percebeu que uma mulher vinha na direção deles. Era linda, com cabelos loiros caindo sobre os ombros num belo corte e, embora parecesse ter pouco mais de quarenta anos, passaria com facilidade por alguém mais jovem se usasse menos maquiagem. O vestido que usava era longo o suficiente para não ofender os egípcios, mas era impossível não notar o belo corpo que o moldava. —Jada — Sully sussurrou, o copo na frente da boca para disfarçar as palavras. — Sua madrasta acabou de entrar. Ela se levantou num salto, fazendo as pernas da cadeira ranger alto contra o chão, a raiva transbordando do rosto. Drake pegou seu pulso com firmeza, forçando-a a encará-lo: — Você está em público, no Egito, e estamos todos armados — murmurou entre os dentes. Ela respirou fundo, passou a ponta da língua sobre os lábios secos e concordou com a cabeça. Sully levantou-se lentamente e se posicionou ao lado dela, para lhe dar apoio moral. Drake roubou a Coca de Jada e sorveu um longo gole, mas permaneceu sentado. Qualquer um no restaurante pensaria que cumprimentavam a recém-chegada, apesar da aflição estampada tanto no rosto de Jada quanto no da madrasta. — Oh, estou tão feliz por ter encontrado você — disse Olivia Hzujak, envolvendo a enteada em um abraço. Jada permaneceu como estava, o olhar frio, enquanto suportava os braços da madrasta em volta de si. Olivia recuou um passo e a encarou. — Quando descobri que estava aqui, pensei: “Meu Deus, só pode ser o destino” — Olivia continuou. O lábio inferior tremeu, e ela levou a mão ao rosto, cobrindo metade dele enquanto lágrimas lhe desciam dos olhos. —Jada, não consigo acreditar que ele se foi. Não sei o que vou fazer sem Luka. — A voz dela falhou. Drake a observou atentamente. O que quer que tivesse esperado de Olivia Hzujak não era nada parecido com aquilo. Uma olhada rápida para Sully, e notou que o amigo tivera a mesma impressão quando a conhecera. Sim, a mulher se encaixava com perfeição no estereótipo clássico da femme fatale, mas a vida não seguia as mesmas regras dos velhos filmes de Humphrey Bogart. Se a dor dela não era real, com certeza era uma excelente atriz. Apesar disso, Jada não parecia convencida. — O que está fazendo aqui, Olivia? — perguntou. A madrasta se deteve diante da frieza na voz da enteada. Soltou a mão de Jada e se afastou um pouco, tirando uma mecha de cabelo do rosto. A mulher mais velha estudou a mais jovem, buscando um pouco de compreensão em seu olhar. — Sei o que deve estar pensando — Olivia disse. — É mesmo? Não tenho certeza se sabe —Jada retrucou. Olivia desviou o olhar para Sully: — Victor obrigada por cuidar dela. Sully arqueou umas das sobrancelhas. — Alguém precisava fazê-lo. Mais uma vez, Olivia hesitou. Meneou a cabeça lentamente, secando as lágrimas, mas Drake notou o esforço que fazia para se controlar, o que lhe reforçou a impressão de que sua tristeza devia ser verdadeira. — Não podia ficar em Nova York, Jada explicou. — Seu pai... quando ele desapareceu, suspeitei do pior. Mas, quando a policia ligou para dizer que o tinham encontrado e... como o tinham encontrado... temi pela minha própria vida. — Como assim? — Sully perguntou. — Por que acha que também corria perigo? Olivia lhe devolveu um olhar duro: — Não seja estúpido, Victor. Sei por que estão aqui. Você, Jada e o senhor Drake — Ela voltou os olhos para o último. — Suponho que este seja seu amigo Nathan. Drake levantou o copo de refrigerante de Jada, como em um brinde. — Olá. A mulher se virou para Jada e Sully, e baixou a voz: — Por favor, vamos trabalhar nisto juntos. Tyr está aqui no Egito também. Os homens dele estão me seguindo. Tenho medo de que me matem, como fizeram com Luka. Vim para cá porque pensei que só estaria segura se conseguisse descobrir o segredo de Luka e o tornasse bíblico. Se todos souberem, se não for mais um segredo, não haverá motivos para matar ninguém. Sully inclinou a cabeça, estudando-a enquanto ajeitava o bigode. — Não está com Henriksen, afinal? Olivia empalideceu; parecia quase ofendida. — Luka era meu marido. — Ah, por favor Jada bufou. Você o tratava como um cachorro que fez cocô no seu tapete favorito. — Que coisa horrível de dizer — comentou Olivia, o lábio tremendo novamente. Balançou a cabeça. — Sei que jamais gostou de mim,Jada, mas você não convivia com a gente. Não sabia como era de verdade nosso relacionamento; via só o que era conveniente para você. — Sério mesmo? — Jada replicou, mantendo a voz baixa. Um dos garçons fizera menção de se aproximar, mas, percebendo a tensão entre eles, pensou melhor e se afastou. — Essa é a personagem que adotou? A da esposa amorosa e incompreendida? —Jada — Sully interrompeu, cautelosamente. — Não, tio Vic — Jada o cortou, levantando um pouco a voz, embora ainda tentasse se controlar. — Não me diga que acredita nesse monte de baboseiras. Como ela nos encontrou, hein? Isso é o que quero saber. Estamos em um restaurante, num hotel qualquer da cidade de AI-Fayoum. Como diabos sabia por onde começar a nos procurar? Olivia a encarou. — Estou no mesmo hotel que vocês. É onde Luka ficou. Estive fora quase o dia inteiro, mas, quando voltei, o recepcionista mencionou que havia outra hóspede com o nome Hzujak, e que essa era uma estranha coincidência. Vocês pediram instruções para chegar aqui; foi assim que soube onde estavam. — Não podia ter esperado voltarmos ao hotel? — Sully perguntou. — Não sabia quando voltariam — Olivia argumentou. — E já disse a vocês: acho que estou sendo seguida. Agora, vão me convidar para sentar, para podermos conversar sobre o que é realmente importante, ou vamos continuar todos de pé, parecendo cada vez mais suspeitos? Drake observou Jada e depois Sully. Notou a hesitação dele, e a compreendia, mas as explicações de Olivia pareciam razoáveis, e não gostava nada de toda a atenção que estavam atraindo. — Ela devia se sentar — Drake sugeriu a Sully. — Há olhos demais sobre nós agora. Jada se voltou para ele: — Não pode estar falando sério. Drake sustentou seu olhar. — Não podemos discutir com sua madrasta aqui, Jada. Ou as palavras “incidente internacional” não significam nada para você? Não temos nenhum plano para sair daqui sem criar problemas. Então, por favor, sente-se. Jada se virou para a madrasta e a fulminou com o olhar. A expressão de Olivia beirava o desconsolo algo praticamente impensável para alguém tão acostumado a manter um ar de sofisticada frieza. — Nem morta —Jada respondeu. Olhou com raiva para Drake, depois se virou para Sully: — Se quiser ser amiguinho dela, divirta-se. Mas não se surpreenda se for o próximo a aparecer morto. Girou nos calcanhares e foi direto para a saída. Sully e Olivia tentaram chamá-la, mas Jada não olhou para trás. Quando Sully se movimentou para segui-la, Drake levantou-se com rapidez e tocou seu ombro. — Não. Você fica com ela—- falou, indicando Olivia com a cabeça. Vou atrás de Jada. Quer ela goste ou não, precisamos ter uma conversa séria aqui. Drake partiu atrás da moça, consciente até o último fio de cabelo dos olhares que o acompanhavam. A maioria das pessoas assistia a tudo com genuíno interesse. Uma atraente jovem norte-americana. com mechas de cabelo cor de cobre, já teria recebido atenção suficiente, mesmo que não tivesse saído batendo o pé como uma adolescente mimada. Não é justo, Drake pensou. No entanto, não pôde deixar de pensar também que, se estivesse no lugar de Jada e realmente acreditasse que Olivia tivesse ajudado a matar Sully, por exemplo, não ficaria ali ouvindo-a mentir. Mas Jada odiava a madrasta mesmo quando o pai estava vivo; por isso, Drake desejava convencê-la de que talvez não estivesse vendo as coisas de maneira objetiva. Tinha de fazê-la perceber que, se havia uma chance de estar errada, deixariam uma pessoa inocente no caminho de um assassino. Assim que saiu do restaurante rumo à recepção, conseguiu ver, de relance, que Jada saía pela porta do hotel. Havia luzes acesas do lado de fora, mas, apesar delas, a escuridão persistia. Apertou o passo. Ganhando a noite, parou perto da porta, cerrando os olhos e tentando enxergar melhor. —Jada! — chamou, imaginando em qual direção teria ido. Para o carro, refletiu. Jada podia ser teimosa, mas não era burra. Tinha de ser para a esquerda, onde o estacionamento estava com três quartos das vagas ocupadas. Acelerou o ritmo, olhando por entre os carros, e percebeu pessoas que lutavam ao lado de um sedã escuro. Com os olhos se ajustando gradativamente à escuridão, notou um tom acobreado em meio à confusão. Jada gritou e atingiu com um soco um dos homens vestidos com terno escuro, tentando se libertar, e foi então que Drake divisou um brilho de que não gostou nem um pouco. Era a luz refletida no tambor de uma arma. Sacando a pistola, começou a correr. 9 rake se abaixou atrás de um velho sedã Sahin e apontou a arma. — Larguem a garota ou eu atiro! — gritou. Um dos homens virou o corpo e atirou nele, fazendo explodir o vidro de trás do carro. Drake puxou o gatilho duas vezes, e o homem cambaleou para trás quando uma bala o atingiu no ombro e a outra no peito. A arma voou, batendo ruidosamente no chão. Jada deu um soco na garganta do homem que a segurava, e ele a soltou, arfando. Lançou-se na direção da arma, a barriga no chão e as mãos estendidas. Mas um dos bandidos correu atrás dela, e os outros dois sacaram as pistolas. Drake disparou de novo, e errou. O ruído do tiro ecoou entre os carros estacionados e a parede do hotel. Dois homens armados abriram fogo, e as balas se cravaram na lateral do sedã, destruindo as janelas que restavam. Drake se jogou para a direita, torcendo para não ser visto na escuridão. Abaixou-se atrás de uma picape vermelha e levantou a cabeça para tentar enxergar pela janela do motorista, O estacionamento era mal iluminado, mas os homens estavam num espaço aberto, e o brilho das luzes da cidade era suficiente para que conseguisse distinguir alguns detalhes. Os dois homens que ainda estavam de pé vestiam terno escuro, assim como o que havia atingido. Um deles tinha a pele morena, comum no Oriente Médio e no norte da África, mas o outro era claro, evidentemente um ocidental. O carro deles era um BIVIW cinza-escuro e ainda estava ligado, o motor rugindo baixinho. Três das portas estavam abertas. Tentavam forçar jada a entrar no veículo quando ele chegou. Drake só podia concluir que estivessem ali na espreita, esperando por ela, e que eram rápidos e organizados. Estava claro que não se tratava de um sequestro casual de um turista. Ouviu Jada lutar com o terceiro bandido e queria desesperadamente intervir e ajudá-la, mas meter os pés pelas mãos poderia causar sua morte. Os bandidos pareciam querer levá-la com vida. Mas, como os homens que os haviam perseguido em Nova York não tinham se mostrado tão preocupados com o bem-estar de Jada, e, se aqueles cafajestes trabalhavam para a mesma pessoa que os outros, não hesitariam em matá- la se não tivessem outra opção. Um dos bandidos fez um gesto para que o outro contornasse os carros à esquerda deles, à direita de Drake. Estavam a algumas fileiras de distância, mas, se de fato se separassem, o cercariam pelas laterais em instantes. Teria de tentar derrubá-los usando o que tinha em mãos, o que também significava revelar exatamente onde estava. Respirou fundo, o dedo apoiado no gatilho. Pensou em atirar primeiro no homem que parecia dar as ordens. Um tiro ecoou no ar, e Drake se encolheu, pensando que o haviam encontrado. Mas logo percebeu que o estampido viera da arma que Jada e o terceiro bandido brigavam para pegar, o que lhe causou um frio na barriga. — Filho da mãe! — murmurou. Deixando toda a precaução de lado, correu próximo à picape e ao sedã cravejado de balas, mirando no ocidental de ombros largos. O bandido esperava por isso e também levantou a arma, quando outro tiro veio da esquerda. A bala zuniu pelo ar e explodiu mais um vidro, mas errou o alvo. Sully estava na entrada do estacionamento, segurando a pistola com as duas mãos. Tinha Olivia atrás dele, em pânico, tentando se proteger contra a parede do hotel. O homem de terno escuro se escondeu atrás de um dos carros; era mais esperto do que parecia. Se houvesse parado para mirar em um deles, o outro poderia tê-lo atingido. Ainda assim, Sully parecia ávido por treinar sua mira. — Nate, cuidado, à direita! — gritou. Drake se virou e viu o bandido de pele morena aparecer entre duas fileiras de carros e dar um tiro apressado. A bala passou zunindo ao lado de sua orelha, próxima o suficiente para que sentisse o deslocamento do ar perto do rosto. Soltou um palavrão e buscou cobertura. Olhando para Sully, viu que o amigo fizera o mesmo, escondendo-se em um canto do hotel com a arma apontada para o alto, como se fosse um tira prestes a arrombar a porta da casa de um suspeito. Ou James Bond, sem toda aquela malandragem, Drake considerou. Sully amaria essa. Ou talvez lhe desse um tiro. Olivia estava a cerca de três metros atrás dele, totalmente fora do alcance dos atiradores. Mas estava presa ali, a não ser que quisesse entrar no hotel e lidar com o caos que devia estar lá dentro. Clientes e funcionários estariam desesperados àquela altura, alguns debaixo da mesa e outros espiando pelas janelas, tentando entender o que acontecia. E não eram os únicos que não conseguiam compreender totalmente a situação. — Jada, você está viva? — Drake gritou. Em resposta, ela se esforçou para ficar de pé. Por um segundo, ele pensou que tudo estava bem, mas percebeu que a moça não estava sozinha, O terceiro sujeito a segurava com firmeza por trás, O ocidental parecia ter trinta e poucos anos e ser ex-militar, pelo modo como se comportava. Mas não aparentava estar nos seus melhores dias, provavelmente por causa do buraco de bala no ombro. Era o único dos bandidos que não usava paletó. Sua camisa era cinza ou azul, mas uma mancha se espalhara do ferimento que Jada causara, e o sangue parecia negro na escuridão. Drake se virou e chegou a mirar, mas não havia como derrubar o cara sem correr o risco de atingir Jada. Tinha uma pontaria até que decente, mas não era nenhum atirador de elite. O sujeito fazia caretas de dor, mas não dava espaço para ser alvejado. Jada tinha conseguido atirar nele durante a luta, mas ele recuperara a arma, que estava colada à cabeça dela, como se desejasse perfurar seu crânio com o cano. — Afastem-se ou ela morre! — o bandido gritou. Drake não se moveu, a arma apontada para Jada e o sequestrador, embora ainda sem condições de dar um tiro que não corresse o risco de atingi-la. —Jogue a porcaria da arma, Drake — o homem rosnou. — Você e Sullivan. Drake relanceou o olhar para Sully e Olivia. O amigo ainda estava com as costas apoiadas na parede do hotel, fora da visão do bandido, a arma apontada para o alto. Notou o cenho do amigo se franzindo, assim como o seu. Os caras sabiam o nome deles. Se trabalhavam para Henriksen, o chefe havia feito o dever de casa. Olivia tinha certeza de que Sully estava com Jada, e poderia ter presumido que o outro homem na companhia deles era Drake, o inseparável amigo de Sully. Mas, da mesma maneira, Henriksen também podia ter ligado todos os pontos. — Vou matá-la aqui mesmo! — o homem berrou. Drake ameaçou abaixar a arma, mas saiu correndo e se escondeu atrás de um jipe velho e amassado. Ele se livraria da pistola se fosse necessário, mas não ia ficar ali parado, esperando para levar um tiro. — Dimitri, pegue o carro! — um dos bandidos falou. O homem que Drake pensara ser árabe, no fim das contas, chamava-se Dimitri e era grego. Ele manteve a arma apontada para o jipe, correu até o BM\’V, sentou-se atrás do volante e deixou a porta aberta, pronto para atirar de novo. O terceiro bandido, o dos ombros largos, não precisou ouvir nenhuma ordem. Encaminhou-se para onde estava o homem que Drake alvejara e começou a arrastá-lo para a parte de trás do carro, segurando-o embaixo dos braços. — Abra o porta-malas! — gritou para Dimitri. A polícia chegará em instantes. Dentro do carro, o grego apertou o botão que abria a tampa, e ela subiu. Drake respirou profundamente várias vezes, aguardando o momento em que o cara que segurava Jada tentaria forçá-la a entrar no banco de trás. Viu o medo estampado nos olhos dela, mas também urna enorme determinação. Lutaria se tivesse chance, e, se tentasse se libertar novamente, ele estaria pronto para agir. Atiraria naquele sujeito assim que houvesse condições, e sabia que Sully tentaria fazer o mesmo. Ao longe, sirenes começaram a soar. A polícia estava a caminho. Tentou não pensar no que poderia acontecer em uma prisão egípcia a um norte-americano capturado com uma arma e um passaporte falso. Ouviu novos ruídos de luta e um homem gemendo de dor. Isso, Jada, pensou, imaginando que ela havia tentado se libertar. Saiu de trás do jipe, mirando o lugar bem ao lado do BMW onde Jada e o homem ferido estavam segundos atrás. Não tinham se mexido. mas não estavam mais sozinhos. Uma figura ainda mais escura se esgueirou atrás dos dois. Encapuzado, vestido de preto, o recém-chegado pegou o bandido ferido pelo cabelo e lhe cortou a garganta com uma lâmina longa e curva. Jada tinha de fato tentado se livrar: pegara o pulso do homem e forçara a arma para longe da própria cabeça. Ainda segurava o braço dele enquanto o sujeito despencava ao chão, morto. Outros surgiram de espaços escuros entre os carros. Quatro, depois seis, e então, num piscar de olhos, eram oito encapuzados. Dois deles se lançaram contra o bandido de ombros largos e o mataram praticamente sem fazer barulho. Outro surgiu no banco de trás do BM brotando da escuridão sobre o encosto e matando Dimitri, que chegou a apertar a buzina, mas apenas uma vez. Sully saíra de seu canto perto do hotel. Com a pistola nas mãos ficou assistindo, tão surpreso quanto Drake, enquanto as figuras que saíam das sombras liquidavam os homens que haviam tentado sequestrar Jada. Ela, por sua vez, andou tropegamente para trás, chocada. Os encapuzados colocaram o bandido maior no porta-malas, juntamente com o homem que Drake alvejara. Outros atiraram no terceiro, que mantivera Jada refém, no banco de trás. Um dos assassinos empurrou Dimitri para o banco do passageiro e tomou seu lugar ao volante. Drake continuava apontando a arma para um lado e para outro, considerando se deveria atirar neles, mesmo que eles tivessem salvado a situação e não tivessem feito nada para feri-lo, ou a seus amigos. Então um deles pulou na direção de Jada com tanta rapidez que, quando Drake colocou o dedo no gatilho, não tinha mais chance de atingir o homem sem colocá-la em perigo, O assassino sussurrou algo no ouvido dela e desapareceu nas sombras entre os carros. O motor do BMW roncou alto, e Drake recuou para o lado, enquanto o veículo disparava do estacionamento e ganhava a rua, desaparecendo ao longe. Quando Drake olhou de novo para o local onde havia ocorrido tanta movimentação,Jada estava sozinha. Sully correu em sua direção, e Drake fez o mesmo. Não havia nem sinal de Olivia. Ela havia desaparecido. — Pegue o carro — Sully lhe pediu. — Mas... — Os tiras! — Sully berrou. Drake correu para o carro, arrancando as chaves do bolso. Em instantes estava no banco do motorista ligando o motor. Engatou a primeira e parou bem ao lado dos dois amigos, que entraram sem demora. — E Olivia? Não podemos deixá-la aqui... A polícia pode encontrá-la — Drake ponderou. Sentada ao lado dele no banco do passageiro, Jada lhe lançou um olhar paralisante: — Está brincando? Ela sumiu! Ainda acredita que não foi Olivia quem armou essa cilada pra gente? Vamos embora! Drake não precisou ouvir a ordem duas vezes. Pisou no acelerador e arrancou estacionamento afora, subindo a rua com rapidez, para em seguida reduzir a velocidade na esquina, fazendo uma curva bem no instante em que uma viatura da polícia cruzava com eles, vinda do sentido contrário. Com o coração disparado, manteve a velocidade baixa até que estivessem fora da cidade e o céu do deserto se abrisse sobre eles. — Quem diabos eram esses caras? — Drake perguntou num fio — Os caras que tentaram me levar ou os caras que mataram esses caras? —Jada perguntou. — Tanto faz — Sully falou. —Jada, o que foi que aquele sujeito disse pra você logo antes de desaparecer? — Drake perguntou. Ela o encarou, como se decidisse se deveria contar ou não. Então respirou fundo. — “Voltem pra casa” — respondeu. — Poxa... — Drake falou. — Sabe, talvez esteja exagerando um pouco aqui, mas vou me arriscar e anunciar que estamos oficialmente ferrados. Ninguém discutiu com ele. 10 rake acordou na manhã de sábado um tanto surpreso por não ter sido arrancado da cama pela polícia durante a noite. Ficou ainda mais espantado quando ligou a televisão e não viu nada sobre o tiroteio ao lado do Hotel da Rainha no noticiário. Sully passara a noite no quarto de Jada, provavelmente cochilando em uma cadeira. Ou, quem sabe, havia levado um travesseiro à banheira e se ajeitado por lá. Não seria a primeira vez, e, quando Drake ligou, ele atendeu ao primeiro toque. — Algum tira ou repórter por aí? — Drake perguntou. — Nenhum. É esquisito, não acha? Drake concordou com Sully. — Será que Tyr Henriksen tem dinheiro suficiente para comprar o 1ncio de todas as pessoas que estavam naquele restaurante? — Ou para isso, ou para botar a polícia de Al-Fayoum no bolso — Sully acrescentou. — Por que faria isso? — Drake questionou. — É evidente que ele acha que sabemos de algo e não quer que a gente compartilhe a informação com ninguém. Se os tiras nos interrogassem, poderíamos contar a eles. — Não faríamos isso. A não ser que fôssemos obrigados — Drake respondeu. — Ele não tem como saber disso. — Verdade. — Como vai seu ritual de beleza matinal? — Sully resmungou. — Jada se sente vulnerável. Não quer ficar aqui nem um minuto além do necessário. — Só Jada? — Drake perguntou para provocá-lo. — Está pronto ou não? — Sully insistiu, ignorando a pergunta. — Tenho aqui no quarto algumas tâmaras efuu4 aquele prato típico com feijão. — Não sei se já estou belo o suficiente para sair do quarto. — Engraçadinho — Sully tornou com tom de voz seco. — Acabei de acordar. Me dê vinte minutos. É melhor fecharmos a conta aqui. Não importa o que aconteça hoje, é melhor encontrarmos um hotel no Cairo para passar a noite. — Concordo. Drake demorou pouco mais de meia hora para conseguir descer, mas Sully e Jada não tinham chegado lá muito antes dele, porque ainda estavam no balcão da recepção quando ele chegou. Assim que pagaram a conta, saíram e se dirigiram ao carro, todos piscando sob a forte luz do sol e olhando ao redor, esperando que um batalhão de policiais locais fosse aparecer a qualquer momento. Ainda assim, nada aconteceu. Era como se a confusão da noite anterior jamais houvesse acontecido. — Perguntaram sobre Olivia ao recepcionista? — Drake indagou a Sully, ignorando o olhar duro de Jada à menção do nome da madrasta. — Bom, ela está hospedada no hotel. Mas não podíamos perguntar especificamente se ela tinha voltado ao quarto ontem, e não acho que seria o mesmo funcionário da noite que ainda estaria na recepção, de qualquer modo Sully explicou. Liguei para o quarto dela, mas ninguém atendeu, e não estávamos muito dispostos a bater na porta. Drake assentiu. Haviam acontecido muitas surpresas desde o dia anterior, e também não se sentia muito inspirado a bater na porta do quarto de Olivia naquela manhã. Pelo modo misterioso como havia desaparecido, ou estava metida na confusão ou muito mais encrencada que eles. — Bem, imagino que não vamos atender ao aviso do finja assustador para voltar pra casa, certo? — Drake perguntou. Jada se virou para ele: — Ninguém está obrigando você a permanecer aqui, Nate. — Ei — Drake falou, levantando as mãos num gesto de rendição — não podemos fingir que os caras não eram intimidadores. Eu me sentiria melhor se soubesse quem eram e por que diabos estavam ali salvando nosso traseiro. — Se é que era isso mesmo que estavam fazendo — Sully completou. — A mim pareceu que só queriam matar os capangas de Henriksen. Aquilo tudo foi para salvar Jada ou o alvo eram os homens de Henriksen? — Se é que eram os homens dele mesmo — Drake acrescentou. — Faça-me o favor... Jada interrompeu, fazendo um gesto de desprezo com a mão. — Olivia pode ter confundido vocês dois bancando a viúva fragilizada em perigo, mas eu a conheço bem. Ela está metida nisso. — Mesmo que não esteja, colocou a culpa em Henriksen também Sully os lembrou. — Ou ela estava de fato com medo dele, o que prova que Henriksen está por trás de tudo isso, ou está do lado dele, o que também prova que ele está por trás de tudo isso. — Bem, acho que chegamos a um consenso: Henriksen está por trás de tudo isso Drake declarou em tom solene. Jada lhe deu um tapa no braço. — Ai! — Drake protestou. — Só dirija o carro, tá? — Sully pediu, bufando. —Não é uma boa manhã para as suas palhaçadas. Drake franziu o cenho. — Tentaram de novo nos matar ontem à noite e, não bastasse, apareceram assassinos encapuzados, e estou falando de assassinos muito, mas muito habilidosos mesmo. Do jeito que estou apavorado, acho que não há manhã mais perfeita para fazer uma palhaçada atrás da outra. Jada parou a três metros do carro deles. Sully a encarou: — Ei, você está bem? Ela se voltou para Drake, ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo no rosto. — Agradeci a Sully ontem à noite, mas ainda não tinha agradecido a você. Por salvar minha vida, quero dizer. Drake quis lembrá-la de que ela contribuíra muito para ajudá-lo a salvar a própria vida, mas não queria quebrar a cumplicidade do momento. Sully sorriu. — Bom, pelo menos isso calou a boca dele. O relógio no painel do Volvo havia desistido de informar as horas pouco depois de pegarem o carro, mas Drake imaginou que fossem quase nove e meia quando chegaram, em meio a uma nuvem de poeira, ao Templo de Sobek. Apesar de o templo já ter sido escavado anos atrás, o interesse deles estava na área ao fundo da estrutura, um pedaço de deserto que, à primeira vista, parecia exatamente igual a qualquer outro trecho inabitado do Egito. Foi apenas após passarem pelo templo e seguirem na direção do sítio arqueológico do labirinto que os detalhes do local se revelaram. Dezenas de tendas se erguiam em um campo, no que parecia muito mais uma operação militar do que um acampamento de cientistas. Jipes e outros veículos apropriados para percorrer um deserto estavam estacionados em fileiras bem organizadas, embora não houvesse nenhuma linha que demarcasse as vagas. Para além dos carros e tendas, havia uma grande depressão no terreno, onde a areia se assentara sobre as ruínas do labirinto. O desnível fazia adivinhar o grande desenho circular da estrutura. Na extremidade leste do terreno, uma parte das paredes do labirinto havia sido escavada. Outro trecho, do outro lado, ainda em andamento, estava coberto com toldos, mas Drake conseguia distinguir o que parecia ser a formidável entrada de pedra do local. Um pequeno exército de trabalhadores fazia o delicado serviço de revelar lentamente a parede externa, ainda soterrada. Das duas seções já descobertas do labirinto, baldes de areia eram carregados para fora, um a um, e seu conteúdo era despejado em uma peneira. Outros trabalhadores carregavam feixes de madeira para dentro das seções, provavelmente para sustentar paredes e tetos que eram visitados pela primeira vez em séculos. — É muito maior do que eu esperava — Jada disse, quase sem fôlego. — A operação de escavação como um todo ou o labirinto? — SulIy perguntou. —Os dois. Drake estudou mais urna vez o contorno do labirinto. — E pode ser que haja ainda mais coisas que não conseguimos ver. Devem existir níveis inferiores, poços e armadilhas, além de várias outras surpresas. Essas coisas nunca são tão simples quanto parecem. Jada desviou o olhar para as estranhas ondulações que o deserto fazia no topo do labirinto e que indicavam seu limite. — Nada aí me parece simples. Sully concordou. — Era aqui que ficava o terceiro lago artificial, aquele que secou. Provavelmente foi bem ali apontou para um lugar em que a escavação devia ter começado — que a água começou a despencar labirinto adentro, levando um bocado de areia junto. Parece que o deserto, naquele trecho, afundou um pouco; de outro modo, não conseguiríamos ver nem o que está ali agora. Mas, como a maior parte do teto parece intacta, a equipe de escavação não deve ter presumido que o contorno que conseguimos observar de cima não forma o verdadeiro mapa do labirinto. — É o que estou dizendo — Drake falou. Por mais complicado que pareça, é só o começo. Quase todos os trabalhadores os ignoraram quando estacionaram o carro atrás dos jipes alinhados e desceram. Havia vários outros veículos ali que pareciam não pertencer ao local: alguns modelos de luxo em meio aos velhos caminhões e furgões que transportavam os trabalhadores. Dois homens de camisa azul e calça folgada de algodão andavam por ali. Um deles usava um turbante bege e azul, mas nenhum vestia a tradicional túnica externa, a galabeja, tão comum entre os habitantes do deserto. Drake foi até eles. — Com licença — disse. — Podem nos dizer onde encontrar lan Welch? O homem de turbante continuou andando como se Drake fosse invisível e não houvesse dito nada, mas o outro parou e o estudou, talvez se perguntando se trabalhava para os patrões. Preferiu ser mais cauteloso antes de ignorar alguém, sorriu e fez um aceno com a cabeça e a mão, apontando para uma fileira de tendas. —Doutor Welch tenda pequena — respondeu. O inglês dele era bem ruim, mas Drake não podia julgá-lo. Como poderia, se ele próprio não sabia nem uma dúzia de palavras em árabe? Agradeceram e se apressaram. Conforme a manhã avançava, o sol ficava cada vez mais forte. Encontraram Welch na pequena tenda que o homem indicara, bebendo água de um cantil. O calor era brutal, e o arqueólogo suava muito. — Que bom que estão aqui — Welch disse, levantando-se para cumprimentá-los. Estava com os óculos presos à gola da camisa e os colocou no rosto. — Não podia adiar por muito mais tempo minha ida à escavação. — Viu algo estranho quando foi embora do restaurante na noite passada? — Sully perguntou. — Ou alguém esquisito? Welch franziu o cenho. — Não... Por quê? Aconteceu alguma coisa? Sully balançou a cabeça. — Deixa pra lá. Drake estudou Welch: — Parece um pouco ansioso esta manhã, lan. O que o incomoda? — Mais ansioso que o normal, Drake queria dizer, mas preferiu escolher as palavras com cuidado. — Ah, é apenas um detalhe — Welch falou, mas a voz estava repleta de sarcasmo. — A escavação ganhou um novo patrocinador ontem à noite. Conseguem adivinhar quem é? Jada empalideceu. — Phoenix Innovations. Welch apontou para ela. — Acertou de primeira. — Henriksen — Sully rosnou, olhando ao redor. — Ele está aqui? — Estou surpreso por não terem cruzado com ele no caminho — Welch comentou. Pegou um chapéu de lona e o colocou na cabeça, depois saiu da tenda, esperando que o acompanhassem. Drake trocou um olhar significativo com Sully, desaprovando o rumo que as coisas tomavam. Henriksen, ali? Imaginava que o caminho deles se cruzaria mais cedo ou mais tarde, mas tinha esperanças de conseguir entrar e sair do sítio arqueológico com Welch antes que isso acontecesse. — Pode não ser tão ruim assim — Jada sugeriu ao seguir Drake para o lado de fora. — Ele não pode nos matar na frente de todas essas testemunhas. Fora da tenda, com areia voando e o sol brilhando, implacável, Sully precisou proteger o rosto com a mão para lhe lançar um olhar de surpresa. — Que foi? — Jada perguntou. — Só estou tentando ver o lado positivo das coisas. — Esse lado positivo é bem negativo pra mim— Drake murmurou, e então sorriu. — Mas é muito atraente. Jada lhe deu um cutucão com o cotovelo enquanto andavam atrás de Welch. O arqueólogo os conduziu por entre um par de tendas, para um local de onde podiam avistar todo o sítio e, ao mesmo tempo, ficar escondidos. Um grupo de pessoas caminhava próximo à depressão na areia. Um cinegrafista filmava uma mulher que gesticulava apontando para o provável contorno do labirinto, enquanto falava para a câmera. Os outros andavam atrás, entre eles uma mulher de cabelos escuros, que usava roupas folgadas, e um homem loiro, alto e de ombros largos, que usava uma camisa branca de tecido leve e calça cinza. Parecia um político tentando se vestir de modo casual, embora sem muito sucesso. Um sujeito eternamente em campanha, mesmo fora do período eleitoral, Drake pensou. — Aquele é Henriksen? — perguntou. Jada assentiu com um murmúrio, olhando fixamente para o grupo. Estava pálida, apesar do calor e do sol; quando Drake tocou seu braço para confortá-la, estremeceu. Sua pele estava fria. A mulher alta de cabelos escuros é Hilary Russo. É diretora da expedição e está no comando de todo o sítio — Welch explicou. — Imagino que conheçam a loira. Drake não fez nenhum comentário. De fato conheciam a mulher que andava atrás do resto do grupo. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo, e suas roupas eram mais apropriadas para um safári do que para uma escavação arqueológica — eram o equivalente feminino da elegância de Henriksen. — Ela é melhor atriz do que você pensou, hein, garotão? — Sully resmungou entre os dentes, olhando para Drake. — Que diabos estão fazendo aqui? — Jada sussurrou, os braços cruzados para se proteger, como se estivesse em um frigorífico, e não em pleno deserto. —Já expliquei; Henriksen agora financia os trabalhos do sítio — Welch respondeu, levantando as mãos para puxar o chapéu e ajustar os óculos. — Phoenix agora é o único patrocinador. Vão bancar esta cavação e as próximas três que Hilary realizar; são anos de recursos garantidos para ela e a equipe, o que me inclui, se o fato de estarem aqui não resultar na minha demissão. Em troca, ele terá controle total sobre o que será feito com as relíquias, todos os direitos de mídia e para fazer exposições em museus. Tudo mesmo. A equipe de gravação está ali supostamente a fim de captar imagens para uma série de documentários que ele quer produzir sobre tudo isto. Na noite passada, vocês mesmos mencionaram a extensão dessa descoberta, e não estavam errados. Jada não desgrudava os olhos do grupo, que se encontrava do outro lado da depressão. Andando de um lado a outro entre as tendas, Drake flagrou Sully observando-o. — Temos de descer lá antes deles — Sully propôs. Drake concordou e se virou para Welch: — Aquilo que falou sobre seu emprego... Pretende nos entregar, lan? Precisamos saber. Luka e o namorado de sua irmã estão mortos, e achamos que Henriksen está envolvido nos assassinatos. Mas parece que você não está muito seguro sobre nos ajudar ou não. Jada se virou para assistir ao diálogo, os olhos arregalados e a expressão angustiada. Não havia ocorrido a ela que Welch pudesse voltar atrás em sua palavra. Ele hesitou, nervoso, um homem encurralado entre fazer o que era certo e o que era melhor para si. Depois de alguns segundos, deu de ombros: — Gretchen me mataria se não ajudasse vocês. Drake pensou na sorte que Welch tinha de que os capangas de Henriksen estivessem atrás de Jada na noite anterior, e não dele. Sua irmã o mataria se não os ajudasse, e o bilionário poderia mandar matá-lo exatamente por tê-lo feito. Deveriam avisá-lo sobre o perigo que corria... logo depois que os levasse ao labirinto. — Como vamos chegar lá antes de Henriksen? — Drake perguntou. — O grupo vai entrar a qualquer momento. Welch sorriu, dando a entender que não seria bem assim. — Hilary quer fazer um tour completo para eles, um verdadeiro espetáculo. Estão filmando, não estão? Ela quer impressioná-los, o que significa conduzi-los pela porta da frente. Drake o encarou, atento: — Está dizendo que vamos entrar pela porta lateral? Jada apontou para a escavação maior, onde o sítio arqueológico começara, mais especificamente para a parte onde a parede do labirinto desabara. — Podemos entrar por aquele lado? Aquela entrada está livre? — Não só está livre como é muito mais próxima das câmaras de adoração e da antecâmara que começamos a escavar. Um dos estudantes que trabalha ali embaixo me contou hoje cedo que retiraram jarros e tábuas que possivelmente eram usados nos rituais realizados para a Senhora do Labirinto. — Ninguém vai impedir nossa entrada? — Sully perguntou. Welch franziu o cenho, pensativo, depois meneou a cabeça. — Finjam que hoje vocês trabalham para o Museu Smithsonian. — Viemos para cá com identidades falsas — Sully esclareceu. — Pode usar esses nomes. Se Welch achou aquela revelação estranha, nem pestanejou: — Certo. Hilary é a única que poderia reconhecer a mentira sobre visitantes do Smithsonian, mas, se fizermos tudo direito, não vamos nem cruzar com ela por aqui. — Não me importaria de cruzar com Henriksen —Jada falou. A mão subiu em direção ao coldre que carregava sob a blusa, como se quisesse tocar a arma escondida ali, para se certificar de sua presença e de como poderia ser usada de maneira fatal. Hesitou e acabou descendo a mão, mas Drake percebera o gesto instintivo e ficou torcendo para que não encontrassem Henriksen em momento algum. Se Jada o matasse, tudo que conseguiria seria uma longa sentença na cadeia; e os segredos pelos quais o pai havia morrido jamais seriam revelados. Viram Hilary Russo conduzir o grupo da Phoenix Innovations pela entrada do Labirinto de Sobek. — É a nossa deixa; vamos nessa — Sully disse. Apressaram-se em sair da área das tendas e percorreram um pequeno trecho do deserto na direção da escavação, junto à parede desabada do labirinto. Foi uma caminhada rápida, para atrair o mínimo possível de atenção, mas mesmo assim os homens que trabalhavam no sítio arqueológico franziram o cenho e limparam o suor do rosto enquanto observavam com atenção os recém-chegados. Escadas de madeira levavam ao fosso que ladeava a parede escavada. Drake se surpreendeu ao ver que a expedição tinha instalado degraus temporários também, que ligavam o limite externo da escavação aos detritos que se acumulavam ao lado da parede destroçada. Imaginou quantas toneladas de areia já teriam sido removidas dali. Em um sítio como aquele, os arqueólogos comumente limpavam, mapeavam, fotografavam e estudavam as seções, recuperando os artefatos, voltando em seguida a preencher as áreas escavadas com areia, para evitar que fossem danificadas pela erosão ou alguma outra eventualidade. Mas, da maneira pelo qual Welch descrevera, a maior parte do labirinto fora escavada por dentro, em vez de começarem por cima; sendo assim, contanto que fortalecessem o teto, seria possível explorar um bom trecho do interior da estrutura sem ser necessário preenchê-la de novo. Desceram a escada com rapidez. Podiam agora ouvir o zunido de um par de enormes geradores, um de cada lado da entrada. Junto deles, havia um grande pedaço de lona, que provavelmente era usada à noite para vedar as entradas e impedir que a areia fosse levada pelo vento aos túneis do labirinto. Durante o dia, na opinião de Drake, era provável que os trabalhadores se preocupassem mais em deixar a brisa entrar do que com a areia que pudesse ser soprada de volta. Quando entraram no labirinto, ouviu Jada respirar profundamente, como se fosse inalar um pouco da história antiga entranhada naquele ar. Drake não tinha ilusões semelhantes, mas, mesmo assim, conseguia sentir o majestoso poder do lugar. Na verdade, sentia-se um intruso em ocasiões assim, embora tivesse se acostumado a essa sensação. Ignorá-la era praticamente parte de seu trabalho, mas algumas vezes era mais difícil. O passado continha tantos segredos quanto o futuro, ou até mais, e as pessoas pagavam somas inacreditáveis para decifrar esses mistérios e talvez possuir um pedaço do mundo antigo. Ele mesmo adorava tudo aquilo. Quando menino, lera histórias de aventuras, de descobertas arqueológicas que tinham chocado o mundo. Amava filmes antigos, repletos de múmias e corridas de bigas. Mas, ao contrário daquelas histórias, as múmias que encontrara na vida real nunca haviam retornado à vida. Certa vez, em Cárpatos, na Grécia, podia afirmar que uma delas se movera, mas fora a única. Ainda assim, achava fascinante aprender como as pessoas tinham vivido centenas ou milhares de anos atrás. Era por esse motivo que, mesmo não tendo perdido o fôlego, sua pulsação tinha acelerado um pouco ao entrarem no labirinto. As paredes possuíam um tom alaranjado, como se feitas de barro. A fileira de lâmpadas pendurada na parede explicava por que os geradores zuniam sem parar do lado de fora. Protegidas por molduras plásticas, estavam presas ao longo do túnel em ambos os lados do corredor, desaparecendo nas curvas do labirinto. Unidas umas às outras, as lâmpadas pareciam luzes de Natal. — Por aqui — Welch informou, virando à esquerda. Jada olhou para SulIy, como se quisesse dividir a empolgação que a ajudava a se esquecer por um momento de toda a sua angústia, mas ele não notou. Quando se virou para Drake, no entanto, ele sorriu e acenou com a cabeça, confirmando que entendia como Jada se sentia. Continuaram descendo o túnel, movendo-se ora por trechos de luz, ora por trevas, e as paredes alaranjadas pareciam se fechar ao redor deles, o hálito seco de história ancestral soprando-lhes o rosto. Drake pensou em algumas perguntas que gostaria de fazer a Welch sobre a construção do labirinto, mas o grupo andava muito rápido, e decidiu que as dúvidas podiam esperar. Estavam ali com um único propósito: encontrar pistas para os segredos que tinham culminado na morte do pai de Jada, antes que Tyr Henriksen o fizesse. Se realmente houvesse um Quarto Labirinto, com ou sem tesouro, tinham de chegar lá primeiro. Mais importante ainda: quaisquer que fossem os mistérios que conseguissem desvendar, precisavam anunciar ao mundo que Luka Hzujak fora o primeiro a descobrir a verdade e morrera por isso. Se, no meio do caminho, ainda encontrassem um tesouro, seria um excelente bônus. O labirinto dava voltas e mais voltas, numa profusão de caminhos que levavam a lugar nenhum e ilusões de óptica, mas o árduo trabalho de encontrar o percurso certo já havia sido feito. Os becos sem saída estavam interditados por cordas, e os corredores certos eram os que tinham os feixes de lâmpadas nas paredes. Assim, era possível manter um ritmo ágil de caminhada, mesmo quando o chão do túnel se tornava um declive ou quando o trajeto os conduzia por uma porta com uma enorme estrutura de pedra que ameaçava ruir sobre a cabeça deles. Em muitos lugares, grandes vigas de madeira haviam sido colocadas para escorar tetos e paredes, mas pareciam ter sido posicionadas às pressas e deixadas para trás, como se os operários houvessem começado a construir outra coisa e as tivessem abandonado. Por duas vezes, precisaram contornar fossos que desciam doze metros ou mais na escuridão abaixo. — Pra que serve isto? —Jada perguntou, enquanto desviavam do primeiro fosso, onde uma lâmpada piscava, criando sombras fantasmagóricas dentro da vastidão negra do buraco. — É uma armadilha — Welch respondeu. Passaram por dois estudantes de arqueologia que carregavam um grande recipiente de plástico, onde Drake viu objetos embrulhados em panos de algodão. — Doutor Welch — cumprimentou um deles, um australiano forte de olhos brilhantes, com evidente surpresa , Melissa disse que o senhor não estava se sentindo bem. Achei que não o veríamos hoje. Olhou com curiosidade para o trio que o acompanhava, e Welch usou a história do Smithsonian, o que aparentemente deixou os estudantes bem impressionados. Se encontrassem alguém hierarquicamente superior no projeto, a mentira não seria engolida com tanta facilidade, mas Drake esperava que não tivessem tanta falta de sorte assim. As horas pareciam se estender dentro do labirinto. Drake se perguntou havia quanto tempo estariam lá e percebeu que deviam estar sob a areia agora, com milhares de toneladas de deserto sobre a cabeça. A que distância Henriksen estaria? Ainda fingia captar imagens para um documentário? Ou estaria apressando Hilary Russo? Pensou que esse devia ser o caso e começou a ficar ansioso. A única vantagem que tinham era que Henriksen levaria mais tempo que eles para chegar aonde precisavam. — Não tenho ideia de onde estamos — Jada sussurrou. Sully resmungou: — Não é essa a função de um labirinto? — Estou falando sério — Jada respondeu. — Tentei me orientar, manter certa noção de distância, descobrir em que direção estamos andando e se nos aproximávamos ou nos afastávamos do centro, mas me sinto completamente perdida. — Eu nem tentei — Drake admitiu. — Não teríamos chance sem algum tipo de mapa ou um GPS que conseguisse sinal de transmissão sob toda essa areia — Welch explicou. Dédalo era mais inteligente que qualquer um de nós. Provavelmente, mais que todos nós juntos. Partindo deste ponto, se tentasse voltar à entrada e as luzes não estivessem lá, existiria mais de uma centena de combinações de caminhos para decifrar. A não ser que você desse muita sorte, ficaria perdido durante horas, talvez dias. E olhe que até agora, pelo que parece, só conseguimos ter acesso a um oitavo de toda a estrutura. Se alguém se perder, pode morrer de fome ou de sede, isso se não cair em um fosso ou for esmagado antes por uma armadilha. — Esses lugares que ainda não conseguiram atingir — Drake falou — , o teto desabou neles, por acaso? — De fato, ele cedeu em alguns lugares, permitindo que a areia descesse. Em outros pontos, lugares que parecem becos sem saída são na verdade uma extensão do labirinto, mas com portas que mais parecem passagens secretas. Existem blocos móveis nas paredes, mas as molduras estão quebradas, por isso o sistema de pesos e alavancas que poderia abrir essas portas não funciona mais. Por enquanto, não há saída nesses locais, mas vamos conseguir abri-los, mais cedo ou mais tarde. Drake e os outros não comentaram nada. Todos estavam familiarizados com as antigas construções do Egito e sabiam que as grandes pirâmides estavam cheias de câmaras ocultas e passagens secretas. Há pouco tempo, Drake se encontrara com um velho amigo para tomar um drinque na Tailândia, e os dois haviam conversado sobre o trabalho que estava sendo feito na Grande Pirâmide de Gizé para confirmar a existência de um corredor oculto sob a Câmara da Rainha. — A gente deve ter muito cuidado com essas coisas Sully afirmou, apanhando uma bituca de charuto no bolso da camisa. Esses mecanismos são feitos para pegá-lo de surpresa. Se um deles for acionado, ninguém vai querer ficar preso do outro lado. — Não pode fumar aqui — Welch avisou. — Não há ventilação suficiente. Jada franziu o cenho: — Não que eu faça muita questão de sentir o cheiro desse negócio fedorento, mas não sinto o ar parado aqui dentro. — As rachaduras na parede deixam passar um pouco de ventilação Welch admitiu. — Mas, ainda assim... — Não vou fumar, lan — Sully resmungou. Não precisa subir nas tamancas. Welch arrumou os óculos no rosto, tentando, sem sucesso, esconder a irritação. Drake apenas sorriu. Sully podia ser um “encanto” quando queria. Haviam tido sorte de não estar vestindo uma de suas guayaberas. Se estivesse com o figurino tradicional, ninguém teria como acreditar, nem por um segundo, que ele trabalhava para o Smithsonian. Onze homens e um segredo, Drake pensou. Sully mais parecia um dos galãs grisalhos do filme. Ouviram ruídos à frente, e Welch os alertou com um olhar. Drake ficou surpreso quando deram mais uma volta no corredor e viram que as luzes nesse ponto haviam sido divididas em dois sentidos: um feixe seguia para a esquerda; o outro fazia um corte abrupto à direita e seguia junto à parede. Foram pelo caminho da direita, e o eco da movimentação dos trabalhos à frente ficava mais alto conforme avançavam pelo túnel, agora em declive. Não fosse pelo barulho, as luzes e Welch os guiando, Drake teria certeza de que seguiam para um beco sem saída. O túnel descia por mais seis metros, fazendo um pequeno ziguezague que parecia levá-lo a lugar nenhum. As paredes se estreitavam nesse ponto, e a ilusão de que não havia passagem ali era quase concreta. Quando passaram pelo fim do túnel, avistaram uma grande câmara octogonal, com cerca de nove metros de diâmetro. Diferente do resto dos túneis, que tinham poucos hieróglifos, nesse local as paredes estavam cobertas de pinturas, símbolos e imagens em alto-relevo. Três escadas conduziam à parte central do lugar, que ficava em nível inferior em relação à entrada. Um altar de pedra, também octogonal, ficava bem no centro. À esquerda havia uma entrada estreita, adornada por uma fileira de cruzes egípcias entalhadas na pedra. Uma luz cintilou além da porta, evidentemente um flash de câmera fotográfica, seguida por um barulho de vozes. — Certo, Guillermo, coloque isto ali do lado com os outros objetos ouviram uma mulher falar. — Vamos começar a espanar a areia para retirar aquele vaso. — Melissa? — Welch chamou. Escutaram o ruído de um equipamento sendo movido e o farfalhar de roupas, e então um rosto de mulher apareceu na entrada da outra sala. Com cabelos ruivos, ela possuía rosto fino e olhos brilhantes. Sua expressão era de alegria ao deparar com Welch. — lan! — disse, entrando na câmara principal. — Que bom que está se sentindo melhor. — Bem melhor — Welch mentiu, embora parecesse prestes a passar mal de verdade ao prosseguir com a mentira sobre a identidade dos demais. — Melissa, quero lhe apresentar Dave Farzan e Nathan Merrill, do Smithsonian. Drake avançou um passo para apertar a mão dela: — Nate Merrill. Prazer em conhecê-la. Sully também apertou sua mão, tirando a bituca de charuto da boca, numa tentativa de parecer cortês. — E esta é Jada Hzujak, filha do doutor Luka Hzujak. Talvez tenha ouvido falar que o doutor faleceu recentemente. A expressão de Melissa se contraiu em compaixão. — Meu Deus, não. Não sabia. Voltou-se para Jada. — Sinto muito. Seu pai esteve aqui não faz muito tempo. Era uma figura... Engraçado e fascinante ao mesmo tempo. Jada soltou um suspiro trêmulo e assentiu: — Pois é. Ele causava esse efeito nas pessoas. Drake ficara surpreso por Welch ter preferido usar o nome verdadeiro de Jada, mas agora entendia o motivo. Ela prestaria menos atenção ao fato de serem funcionários do Smithsonian se estivesse distraída com Jada e a tragédia da morte de seu pai. Era uma tática sem muito planejamento, mas havia funcionado. Um homem magro e com barba por fazer, de pele morena e com grandes olheiras, saiu do que Welch chamava de antecâmara, examinando-os com curiosidade. Foram apresentados mais uma vez. Melissa Corrigan era arqueóloga do Cobrado, estava abaixo de Welch na hierarquia de comando da exploração, mas acima dos estudantes, entre eles o esguio Guillermo e Alan, um rapaz negro com cara de bebê, fotógrafo oficial da escavação. — Já que Nate e Dave estão nos visitando, pensei em aproveitar a ocasião para fazer uma consulta sobre a questão da Senhora do Labirinto e do Minotauro Welch esclareceu a Melissa. Como você sabe, esse era um assunto apaixonante para Luka e também despertou a curiosidade de Jada. Ela está refazendo os últimos passos do pai. — Algo como uma viagem de despedida — Jada acrescentou, e não precisou fingir tristeza naquele instante. — Claro — Melissa concordou e se virou para Welch: — Fique à vontade, lan. Não vamos atrapalhar vocês. Quando Melissa e os companheiros voltaram a trabalhar na antecâmara, Welch mostrou em mais detalhes a sala onde estavam. Drake foi direto para o altar. A superfície era áspera e estava manchada de sangue ou tinta, algo derramado ali milhares de anos atrás. A base era recoberta de pinturas, muitas mostrando crocodilos, o deus Sobek e adoradores ajoelhados diante de uma mulher com uma longa túnica, oferecendo a ela cálices dourados. Um dos desenhos mostrava a mulher, aparentemente a Senhora do Labirinto, de pé diante de um altar bem parecido com aquele, as mãos abertas, como se entoasse um cântico ritual sobre uma grande quantidade de oferendas. — Bom, acho que não há dúvidas sobre a utilidade desta câmara — Drake disse. — Olhe pra isto — Jada disse. Havia se inclinado sobre o altar para observar melhor um conjunto de linhas na superfície. De relance, Drake pensara não passar do efeito da luz sobre um pouco de poeira, mas agora distinguia desenhos entalhados na pedra: três octógonos unidos, cada um dentro de um círculo. Refletiu que a forma octogonal não era exatamente comum em construções egípcias, mas preferiu não perguntar nada, para não mostrar ignorância sobre o assunto aos estudantes que estavam próximos. — Fascinante — foi tudo o que comentou. — Três octógonos.., três labirintos — Jada falou. Podia se expressar em voz alta porque ninguém a apresentara ao grupo como expert em história antiga. — Foi o que pensamos também — Welch concordou. Enquanto conversavam, Sully andou pela câmara estudando o ângulo em que as pedras se juntavam e procurando indícios de uma sala oculta. Aquele era justamente o tipo de local onde os construtores egípcios poderiam ter feito uma, talvez o aposento onde estivesse enterrada a Senhora do Labirinto. — Essa senhora era um tipo de alta sacerdotisa, então? — Drake perguntou. Deu uma olhada de esguelha para a antecâmara e viu Melissa andando lá dentro e um flash da máquina fotográfica de Alan, mas nenhum deles pareceu achar sua pergunta absurda. — É nisso que acreditamos — Welch afirmou. — Mas, se ela fosse uma sacerdotisa de Sobek, quem seria nos outros dois labirintos, que eram dedicados a outros deuses? Os labirintos representam a visão de alguém que pensava de maneira muito mais ampla do que apenas em um reino ou sobre uma única versão teológica, embora tudo aqui seja claramente dedicado a Sobek. — Que dilema — Sully resmungou, a bituca do charuto ainda presa com firmeza entre os dentes. Se aquelas pessoas haviam de fato acreditado na história de que ele era algum tipo de arqueólogo ou curador de museu, deveriam achar que era um profissional dos mais excêntricos. Drake se dirigiu à entrada da antecâmara: — Importam-se se dermos uma olhada rápida aqui? Melissa sorriu: — É claro que não. Para ser honesta, esperávamos pela oportunidade certa de mostrar ao doutor Welch nossa mais nova descoberta. Mas não tem hora melhor que esta, considerando o assunto. Welch aproximou-se, curioso: — O que é? Guillermo foi para a câmara principal, a fim de dar espaço aos outros. Alan protegeu sua máquina como se fosse mais frágil e valiosa do que qualquer relíquia que pudessem descobrir, e também deixou o cômodo menor. Quando Welch, Drake, Sully e Jada entraram em fila, Melissa tinha uma tábua de pedra nas mãos. — Encontramos duas destas começou, fixando o olhar em Welch. — Hoje cedo, na verdade. Esta antecâmara parece ter sido de uso exclusivo da Senhora do Labirinto. Mesmo que os desenhos e as tábuas da câmara de adoração indiquem que o mel era levado a ela como oferenda, como também sugerido no jarro que achamos, estas tábuas contam uma história diferente. Welch tomou a tábua nas mãos e a estudou, com expressão cada vez mais surpresa. — O que diz aí? —Jada perguntou. — Meus amigos, antes apenas especulávamos — disse ele, virando-se para os demais com um sorriso , mas agora sabemos. O mel era trazido para a Senhora do Labirinto, mas a oferenda não era para ela. Não estou certo de que isso indica que ela servia o mel como refeição ou se havia outro jeito de usá-lo, porém destinado ao protetor do labirinto. — Esta tábua tem uma palavra parecida com “protetor” — Melissa acrescentou. Mas a outra é bem mais explícita. O protetor era um monstro, que permanecia escondido do culto de Sobek, conhecido apenas por quem ousava chegar ao coraçao secreto do labirinto, alguém que jamais retornaria, porque o monstro o mataria. — Devemos supor que esse “monstro” tinha chifres? — Sully perguntou. — Como um touro — Melissa confirmou, assentindo com bastante entusiasmo. — Sim, ele tinha chifres. Enquanto continuavam a observar, maravilhados, as tábuas, traduzindo alguns trechos, Drake se virou para o outro lado da pequena sala. Na parede, um único bloco de pedra havia cedido, mas, como cada um pesava algo em torno de duzentos e cinquenta quilos, empurrá-lo de volta ao lugar daria muito trabalho. Grande quantidade de areia vinda de cima preenchera aquele canto, e ele viu escovas e outros instrumentos que Melissa e Guillermo usavam para desenterrar as tábuas e outros artefatos que tinham descoberto ali. As paredes estavam cobertas de hieróglifos e desenhos nesse ponto também, mas o que chamou a atenção dele foi um vaso, retido na areia compacta. Melissa e Guiliermo haviam conseguido expor quase metade do artefato, O vaso tinha desenhos intrincados, e ele sabia, sem a menor sombra de dúvida, que o conteúdo do labirinto se tornaria um dos maiores achados históricos da era moderna, talvez o maior. O vaso encontrava-se incrivelmente bem preservado. Pegou uma escova e se aproximou. Uma figura se revelara parcialmente na areia, e imaginou que fosse a Senhora do Labirinto, porque correspondia ao desenho na base do altar da câmara de adoração. Ela segurava um cálice nas mãos, ofertando-o a alguém à frente, e tinha apenas as mãos visíveis. O resto do desenho estava recoberto de areia. Drake tinha uma boa ideia de quem seria a outra figura. Passou a espanar o vaso. Parte da areia estava bem compacta, por isso, apesar da cautela, era preciso esfregar a escova com um pouco mais de vigor. Procurou melhor apoio, encostando os joelhos no monte de areia que permanecera intocado durante milhares de anos. — Ei, cara, pode sair já daí — o estudante Guillermo avisou em tom irritado, enquanto entrava de novo na antessala. Melissa se virou para olhá-lo com ar de reprovação. Drake sorriu e levantou as duas mãos: — Não aconteceu nada aqui. Mas acho que encontrei... A areia cedeu sob os joelhos. Ele começou a tombar para a frente, mas conseguiu se segurar, espalmando as mãos, uma em cada lado do vaso, sentindo-se triunfante por não tê-lo danificado. A sensação durou apenas um segundo, porque no seguinte o vaso e toda a areia ao redor despencaram, como se fossem tragados pelo chão. Drake soltou um grito e começou a cair, deslizando para dentro de um fosso. Sentiu que mãos agarravam suas pernas, e em seguida o cinto. Conforme a areia ao redor era despejada buraco adentro, tentando tragá-lo junto, quem o sustentava o impedia de cair buraco abaixo, seguindo o vaso, o bloco de pedra perto do qual estivera e pelo menos algumas outras tábuas que vira de relance antes que fossem engolidas pela escuridão. Ouviu algo se quebrar e sabia que acabara de destruir um pedaço da história. — Ops! ——- disse. — Mas que idiota. Seu cretino! — Melissa gritou. — O que pensou que estivesse fazendo? —Ajudando...? O tronco de Drake ainda pendia no a, dentro do fosso. Mãos passaram a arrastá-lo para fora. Na luz difusa que as lâmpadas conseguiam proporcionar dentro da antecâmara, avistou na parede do fosso a pintura de uma figura que não conseguiria confundir com nenhuma outra no mundo. — Gente? — chamou. — Com certeza vão querer dar uma olhada nisto. — O que encontrou? — lan Welch perguntou. Drake soltou um grunhido enquanto o arrastavam para fora do buraco, e se virou de barriga para cima, deitado no chão cheio de areia. Viu que todos os olhares estavam sobre ele. — O Minotauro. 11 rake olhou ao redor, procurando um meio de descer até o fundo do fosso. Viu a empolgação da descoberta brilhando nos olhos de Sully e Jada, e sabia que não tinham um minuto a perder. Henriksen poderia chegar a qualquer momento, com autoridade suficiente para expulsá-lo de lá ou até mesmo para mandar prendê-los. Qualquer coisa que fosse descoberta na escavação a partir de agora seria propriedade dele, para fazer o que bem quisesse. Haveria algumas restrições, que certamente o governo egípcio se encarregaria de criar, mas dinheiro, na maior parte das vezes, ajudava a contornar as regras. Se os segredos que Luka buscara estivessem ali, sem mencionar o tesouro, tinham de se apressar. — Welch, preciso de uma corda ou uma escada, e uma lanterna — pediu. Melissa estava inclinada sobre a abertura, iluminando o fosso com uma lanterna potente e examinando o Minotauro pintado na parede. Ao ouvir o pedido de Drake, voltou-se bruscamente para ele e, em seguida, deparou com a expressão desconfortável no rosto de Guillermo. — Perdão, professor Merrill — Melissa disse a Drake, balançando a cabeça em um gesto negativo. — O senhor é um observador aqui. Não podemos permitir que... — Guillermo — Welch a interrompeu, olhando para o fosso —, corra até a abertura da parede e traga uma daquelas escadas de mão que os operários usam. Até Alan, o fotógrafo, pareceu surpreso com o pedido: — Doutor Welch, não vai deixá-lo descer no fosso, vai? Todos hesitaram por um instante. Welch se virou para Guillermo e fez um gesto para que se apressasse: — Vá logo. Vamos, rápido! Com um último olhar preocupado para Melissa, Guillermo saiu correndo. Logo ouviram seus passos ecoando pelo corredor. A tensão entre Welch e sua colega de trabalho era palpável. Melissa parecia desejar uma conversa em particular, mas não havia como ter privacidade em um lugar com tanta gente. Mesmo que os dois saíssem da câmara de adoração e recuassem pelo corredor do labirinto, os sussurros ecoariam pelo ar como vozes de fantasmas. Alan ajustou a máquina e passou a tirar fotos da abertura do fosso e das imagens pintadas na parede. Sully continuou a investigar a antecâmara, procurando por outros segredos que pudessem estar guardados ali. E Jada se voltou para Melissa, a expressão tomada pelo constrangimento, como se pedisse desculpas. Enquanto isso, Welch se manteve imóvel, vibrando de ansiedade, querendo que Guillermo voltasse logo. Pelo andar da carruagem, seria impossível esconder o fato de que Jada Hzujak estivera ali, ou manter a mentira de Sully e Drake serem do Smithsonian. Poderia até fingir que fora enganado por eles, e, se ajudasse, tinha certeza de que Drake confirmaria. Mas eram grandes as chances de Welch ter a carreira arruinada antes do fim do dia, a não ser que conseguissem descobrir a verdade sobre os assassinatos de Luka e Cheney. No entanto, se havia algum segredo a ser descoberto lá embaixo, chegaria a ele antes que Tyr Henriksen o fizesse. — Escute — Drake explicou a Melissa —, não somos amadores. Uma vez que a gente consiga descer à câmara lá embaixo, pode até fingir que não passamos de sombras na parede. Não vamos te atrapalhar. Melissa o encarou como as pessoas costumam olhar para palhaços bêbados ou estrelas de reality shows com delírios de grandeza. — É mesmo? — ela comentou. — Não são amadores? Então como se chama isso tudo que você fez? Drake fez uma careta, olhando para o fosso e pensando no vaso e em outros artefatos de valor inestimável que provavelmente destruíra. Viu que Jada balançava a cabeça, como a dizer: Ela pegou você com essa, Nathan. — Chama-se descoberta — Drake respondeu, tentando imprimir um sorriso charmoso ao comentário, mas o esforço foi em vão. — Você também não tinha ideia de que havia esse fosso aqui. Pode ser o avanço de que estavam precisando. — Poderíamos esperar mais alguns dias e explorar esta câmara de modo apropriado — Melissa retrucou, a irritação crescente na voz. Virou-se para Welch: — lan, por favor, sei que são seus amigos, mas... —Já basta, Melissa — Welch tornou, a voz fria. — lan... Welch se aproximou dela: —Já basta! A rispidez a fez se calar na mesma hora, enquanto a voz dele ecoou câmara afora. O flash de Alan disparou, e todos tiveram de piscar os olhos devido ao brilho, mas a tensão não se dissipou. Melissa encarou Welch, com certeza imaginando o que havia lhe acontecido. Esse não era o tipo de comportamento que esperava de nenhum colega, ainda mais de lan, por quem tinha uma afeição particular. Bem, esse sentimento provavelmente se extinguiria agora. Ela olhou para Jada, Sully e, por último, para Drake. Ele conseguiu perceber o exato momento em que a suspeita tomou conta de seu olhar. — O que está acontecendo de verdade? — perguntou, tirando os cabelos ruivos da frente dos olhos. O que estão escondendo de mim? Welch parecia prestes a desmoronar de arrependimento: — Melissa... — Ei! — o grito de Sully o interrompeu. Ele estava deitado de barriga no chão, quase na mesma posição em que Drake estava quando o haviam puxado para fora do buraco. O fotógrafo o olhava impaciente, esperando que saísse do lugar para poder tirar mais fotos, mas ele não se importou. Movendo-se sobre a areia e sem parar para pensar nas antiguidades de valor incalculável que poderia quebrar com seu peso, arrastou-se um pouco mais para dentro do fosso, a cabeça já dentro da abertura. — Alguém mais consegue ver luz lá embaixo? — É claro que tem luz Alan retrucou, — nervoso. — Ela vem daqui de cima e se reflete nas paredes. Sully virou a cabeça o suficiente para disparar um olhar que fez o sujeito se calar na hora. — Não sou tão idiota assim — resmungou. — Você é o fotógrafo aqui. Não deveria saber alguma coisa sobre fontes de luz e ângulos? — Abaixe-se aqui e dê uma olhada. A discussão entre Welch e Melissa, que estava prestes a recomeçar, foi esquecida naquele instante. Drake olhou para a câmara de adoração, perguntando-se o que estaria fazendo Guillermo demorar tanto para voltar. Então se deu conta do quanto seria complicado andar por todos aqueles túneis, especialmente com pressa, carregando uma escada debaixo do braço. Alan deixou a máquina fotográfica de lado e se abaixou com rapidez junto a Sully. — Isso não deveria ocorrer de maneira nenhuma Melissa avisou. O peso dos dois na areia pode... — Eu sei — Welch respondeu. Quando ela se virou, ele levantou urna das mãos e tocou seu braço. Com o olhar, implorava compreensão. — Eu sei, Melissa. Mas existem coisas em jogo aqui que você desconhece. — Que coisas? ela perguntou. lan, fale comigo. Estamos mandando todo o protocolo para o inferno. — Melissa — Alan falou, virando-se para ela —, ele tem razão. Existe mesmo outra fonte de luz. — Como é possível? — ela perguntou. As únicas fontes de luz aqui embaixo são nossas luzes e o céu, e você pode ter certeza de que não é a luz do sol, ou já teríamos encontrado outro ponto de entrada. Alan levantou-se, sacudindo a poeira da calça. Sully também ficou de pé, mas não se deu ao mesmo trabalho. — São as luzes daqui. O ângulo mostra que a luz vem dali — Sully esclareceu, apontando para a câmara de adoração. — Então deve haver outro fosso —Jada falou. — Espalhem-se — Sully vociferou, e ninguém questionou quem dava as ordens naquele momento. Os seis trabalharam juntos por toda a câmara, passando as mãos nas paredes e no chão. Em menos de um minuto,Jada chamou a atenção do demais. — Aqui! Acho que encontrei. Drake virou-se e a viu ajoelhada diante do altar. Existia uma fresta minúscula entre a base de pedra e o chão. Levando em conta as luzes penduradas na parede logo atrás dele, percebeu que era essa a fonte que viam no fosso. — Em todo o resto da sala, tudo parece muito bem vedado ou com algum tipo de argamassa —Jada comentou, olhando para cima a fim de falar com Welch. — Mas neste ponto o altar parece apenas apoiado no chão. Melissa se agachou do outro lado, e todos ouviram quando ela soltou um palavrão. — Há marcas na pedra aqui. — Levantou-se num salto e olhou ao redor, esquecendo-se por completo da discussão de instantes atrás. — Continuem procurando. Tem de haver um dispositivo que acione isso. — Acha que tem um fosso debaixo do altar? — Sully rosnou. — Você não? — Adoro os antigos egípcios — Drake murmurou para Jada quando se aproximou dela, ambos passando as mãos pela parede. Misteriosos de uma figa. Longos minutos se passaram, e o ar na câmara de adoração parecia cada vez mais rarefeito e empoeirado, as pedras e a areia acima dando a impressão de fechar o ambiente, tornando-o pesado. Drake considerou que tudo ruiria sobre a cabeça deles se não acontecesse algo para quebrar o silêncio e a tensão da nova busca. Alan e Melissa não faziam ideia do motivo de toda a pressa, mas haviam sentido a urgência do momento e agiam de acordo. Melissa pelo visto decidira que, uma vez que Welch era seu superior, deixaria que ele se preocupasse com a quebra do protocolo. Drake não pôde deixar de pensar que tinha a ver também com a empolgação pela descoberta. A vontade de ver o que existia sob seus pés era forte demais para resistir. — Que saco — Jada murmurou. Virou-se para examinar o altar, e Drake a imitou. — O que foi? — ele perguntou. — Tem de haver alguma pista; algo que Dédalo colocou na sala para que alguém que viesse de algum dos outros labirintos soubesse como achar o dispositivo e mover o altar. Welch estacou por um segundo. Depois, correu ao altar e colocou a mão sobre o símbolo que ficava no meio da pedra, os três octógonos entrelaçados dentro dos três círculos. —Já vi isto aqui em algum outro lugar, tenho certeza disse a Jada. — Se existe algum símbolo que dá indícios da presença de Dédalo, de seus projetos, é este. Todo o resto são hieróglifos egípcios, mas este símbolo representa claramente seus três labirintos. — Acho que vi isso em outro lugar também — Alan comentou. — Então procurem — Sully ordenou. — E sejam rápidos. Pararam de examinar as pedras que existiam na sala e passaram a esquadrinhar imagens e símbolos. Drake os observou, franzindo o cenho, certo de que, se aquele desenho estivesse em algum lugar por ali, já o teriam notado em sua busca. Deixou a câmara de adoração e examinou o batente da porta, mas não viu nada que lembrasse os três octógonos. Teve uma ideia e voltou a entrar, mas passou direto para a antecâmara. Levou apenas alguns segundos para localizar o símbolo na pedra mais próxima do chão, no canto da sala que não havia desabado. Drake usou a ponta da bota para pressionar o bloco e franziu o rosto quando nada aconteceu. Tentou de novo, com mais força, apoiando na parede com os braços, mas ainda nada. Frustrado, ajoelhou-se e passou os dedos na borda da pedra, sentindo-a se mover um pouco para o lado. Não havia sido projetada para deslizar parede adentro, mas sim para que fosse girada. Empurrou com força o lado esquerdo da pedra, e ela se moveu, virando no sentido horário. Os blocos que a ladeavam eram escavados por dentro, de modo que havia folga para a pedra se movimentar. Drake a fez girar noventa graus, até que, com um dique, ela travou. Antes escondido, o lado da pedra que agora se revelava também continha o símbolo de Dédalo entalhado. Um barulho pesado, de algo se arrastando, ressoou pela câmara. Ele sentiu a vibração no chão sob os joelhos. — É isso aí! — ouviu Melissa dizer. — Quem foi que descobriu? — Nate? — Sully chamou. Drake esticou o pescoço e se voltou para a câmara de adoração. — Acho que encontrei. — Pode ter certeza —Jada falou. Todos os outros estavam reunidos em volta do altar, e Drake se juntou a eles, O altar inteiro, desde a base, movera-se cerca de dez centímetros em direção à parede dos fundos, para longe da porta. As marcas no chão vinham desse movimento, e era óbvio que havia algum mecanismo sob o piso que possibilitava o deslocamento de toda a estrutura. O vão entre o altar e o chão se abriu, e tudo que puderam ver lá dentro foi escuridão. Alan se ajoelhou e colocou a mão na abertura, olhando para Welch com uma expressão de surpresa: — Há uma corrente de ar aqui — disse, desviando o olhar para a porta. — O ar que vem de fora desce por aqui. — O que quer dizer? —Jada perguntou. — Quer dizer que há lugar para o ar circular ali — Sully explicou. — Se está entrando por aqui, sai por algum lugar lá embaixo. O que quer que seja, não é apenas uma sala oculta. Deve haver mais coisas por lá. — Então vamos descobrir o que é — Drake disse, colocando as mãos no altar e preparando-se para empurrá-lo. Welch e Melissa juntaram-se a ele, mas não havia espaço suficiente para todos. Precisavam ser cuidadosos. Se havia um fosso sob o altar, nenhum deles desejava cair dentro dele. Mas, ao fazerem novo esforço conjunto, a estrutura praticamente não se moveu. — Está presa em alguma coisa — Melissa constatou. — Venha aqui, Sully — Drake chamou. Ele se juntou ao grupo, e os cinco tentaram mais uma vez. Drake empurrou com o corpo próximo ao chão, seu peso fazendo pressão para ajudar. Sentiu os músculos se retesar com o esforço. — Vamos lá — Sully resmungou. — Parece estar cedendo um pouco. — Tem alguma coisa bloqueando... — Alan grunhiu. Com um estalo de algo se rompendo, o altar passou a se mover. Os quatro empurraram, mantendo-se ao lado da estrutura, observando a escuridão abaixo. O estrondo e o barulho da pedra se arrastando ecoaram por toda a câmara. Ficaram em pé ao redor da abertura. Melissa apontou um feixe de luz da lanterna para baixo, e Drake tomou um susto ao ver um esqueleto repousando nos degraus de granito. — Incrível! — Melissa sussurrou. — Alan, pegue a máquina. Welch desceu o primeiro degrau, examinando o esqueleto que jazia de braços estendidos. Os dedos de ambas as mãos estavam quebrados a ponta dos ossos não estava mais lá. O arqueólogo tirou do bolso uma lanterna pequena, embora potente, e os estudou mais de perto. — A fratura aqui é recente —falou, franzindo o cenho. Welch respirou fundo, depois se virou para Sully: — Era ele quem impedia o mecanismo. Este pobre sujeito estava com os dedos presos na porta Nós os quebramos agora. — Como assim, o mecanismo do altar travou na mão dele? — Jada perguntou. — É mais provável que estivesse preso lá embaixo — Drake explicou. — Morreu tentando cavar uma saída ou abrir a base do altar. Jada fitou Allan: — Mas você sentiu o ar se mover, e Sully explicou que há outra saída lá embaixo. — Outra saída para o ar, pelo menos — Sully afirmou, alisando o bigode, pensativo enquanto estudava os ossos na escada. — Mas não para esse cara, aparentemente. Melissa o encarou: — Sully? Pensei que seu nome fosse... — É apelido — Sully respondeu com rapidez, ignorando-a e se aproximando dos degraus. — Nate, o que você acha? Este sujeito me parece maior do que o egípcio típico. Drake assentiu: — Estava pensando a mesma coisa. Para os padrões da época, o cara era enorme. Nunca vi um sarcófago grande o suficiente para ele. Welch iluminava os ossos com a lanterna. — Também nunca vi. E tem mais uma coisa aqui. O crânio dele é... disforme. — Disforme tipo o Homem-Elefante? —Jada perguntou, e todos se aproximaram do topo da escada, tentando enxergar por sobre os ombros do dr. Welch, agachado diante do esqueleto. — Não sou especialista na área Welch respondeu, movendo-se para o lado a fim de que pudessem ver melhor —, mas é algo semelhante, sim. O crânio parecia estranhamente grande, a mandíbula pronunciada e várias áreas deformadas, com depressões e saliências. — Este cara era um monstro — Drake constatou. — Olha só o tamanho dele. No instante em que disse essas palavras, virou-se para Sully. — Espere aí continuou. Todo mundo está pensando o mesmo que eu? — Se está pensando que este é o Minotauro, diria que sim — Alan confirmou. — Mas onde estão os chifres? — Jada indagou. — Ele podia ser apenas grande e feio. Além disso, nem temos como saber se era mesmo um homem. Talvez fosse a Senhora do Labirinto. — Talvez Welch repetiu lentamente. — Talvez... Mas a estranheza diante da descoberta daquele esqueleto disforme permanecia, e todos estavam curiosos, refletindo a respeito. — Não temos tempo pra isso — ele disse. — O quê? — Melissa perguntou, incrédula. — Não têm tempo para o que pode ser a prova da existência de um homem que devia ser precedente histórico do Minotauro? Drake deu de ombros. — Desculpe, mas não. — Ele tem razão — Welch concordou. Levantando-se, começou a descer a escada com cautela, fazendo de tudo para não esbarrar no esqueleto. — Já desperdiçamos tempo demais. Não podemos fazer burrices agora. — Desperdiçar? — Melissa perguntou e começou a rir sem acreditar no que escutava. Naquele momento, ouviram ruídos vindos do túnel, algumas batidas na parede, e, então, Guillermo apareceu, aproximando-se com cuidado e parando na entrada da câmara de adoração, a escada sob o braço. Estava pálido e suado devido ao esforço. — Está aqui — falou. Drake fez um gesto, dispensando-o: — Tá bom, obrigado, mas já nos arrumamos por aqui. Guillermo viu a escadaria onde antes ficava o altar e se encostou na parede, sem acreditar. — Sério mesmo? — perguntou, para ninguém em particular. Ninguém podia ter me avisado? — Estávamos um pouco ocupados — Alan respondeu, tirando fotos do esqueleto e da escadaria. — Caramba — Guillermo murmurou ao se aproximar da entrada e olhar para os ossos. — Demais, não é? — Alan indagou. Drake vira uma prateleira de lanternas industriais, como a que estava na mão de Melissa, assim que tinham entrado na câmara. Foi até lá, pegou um par delas e jogou para Sully e Jada, reservando uma terceira para si. Melissa e Alan o fitavam, mas nenhum deles se moveu para tentar impedi-lo, talvez porque agora estivesse bem claro que ele tinha a bênção de Welch para seguir em frente. Começou a descer a escada seguindo Welch, e Sully e Jada foram atrás, todos eles descendo com o máximo de cuidado possível. — lan, por favor, tem de parar agora — Melissa implorou. — Se continuar, não vou conseguir ajudá-lo a acobertar isso tudo. — Acredite em mim — Welch respondeu do fim da escadaria. — Vai ser melhor pra você não fazer isso mesmo. Fique aí em cima. Tenho certeza de que Hilary vai chegar em breve. Drake deu uma olhada por cima do ombro e viu Melissa andando de um lado para o outro, alisando uma mecha dos cabelos ruivos. Queria muito estar com eles para desvendar os segredos que se ocultavam lá embaixo, mas sabia que, se fosse em frente, certamente perderia o emprego. Ainda assim fez menção de se dirigir aos degraus. — Melissa — Guillermo chamou. — Cala a boca! — ela berrou em resposta. Mas aquilo a deteve. Começou a berrar palavrões, primeiro para ninguém em particular, depois para a escuridão, onde estava Welch. Nesse ponto, Drake não conseguia mais vê-la e agora se encontrava alheio a tudo o mais. Os mistérios do labirinto o aguardavam. 12 nde os degraus terminavam, abria-se um corredor. As lanternas que o pequeno grupo carregava projetavam sombras fantasmagóricas nas paredes. A mais ou menos cada seis metros surgiam galerias, sugerindo uma nova passagem. Por um instante Drake se lembrou da ilusão de óptica criada quando alguém está entre dois espelhos. Os reflexos parecem se estender indefinidamente, em uma sucessão de espaços cada vez menores. Na verdade, este corredor tinha um fim. Acabava na escuridão, que os impelia à frente como se faminta pela luz que traziam. O silêncio era o que mais incomodava Drake. Estavam sob a terra em um local que permanecera oculto da população mesmo na época em que fora ocupado. O ar seco parecia denso, repleto de um presságio sinistro. Se fosse mais supersticioso, diria que o local havia muito desejava ser descoberto; era como se exalasse em alívio o ar retido durante tanto tempo. Mas, com ou sem superstição, jamais proferiria aquelas palavras em voz alta. A não ser que você tivesse tomado tequila demais, pensou. Tequila me faz dizer coisas idiotas. Confortou-se com o pensamento de que a tequila podia fazer quase qualquer um dizer coisas idiotas. — É assustador pra burro aqui embaixo —Jada sussurrou. Sully mastigava a ponta de um novo charuto. Drake não sabia se o amigo fumara ou se havia perdido a bituca do anterior. Porém não o acendeu, nem o faria ali embaixo. Estavam protegidos por paredes de pedra, mas não faziam ideia do que encontrariam pela frente. Refletiu que com certeza seu amigo não ia querer derrubar cinzas ou brasas em um papiro ancestral, ou em cima de uma múmia. — Quanto tempo acha que temos? — Drake perguntou a Welch. — Antes de sua chefe completar o tour pela escavação, quero dizer. — Vinte minutos — ele respondeu. — Meia hora, se tivermos sorte. Era tempo suficiente apenas para voltar pela escada e atravessar o labirinto até a parede derrubada. Ninguém mencionou a palavra urgência, mas todos aceleraram o passo pelo corredor. A leve corrente de ar que Alan notara antes persistia. A fenda poderia não ser grande o suficiente para a passagem de um rato, mas estava de fato lá embaixo. E embaixo era um termo mais que apropriado. O chão inclinava-se cada vez mais terra adentro, e os quatros desciam, acompanhando o caminho. A luz das lanternas dançava ao longo de paredes pintadas, no chão e pelo teto, agora sem decoração. Drake manteve o foco da lanterna voltado para a frente e avistou uma passagem próxima; um instante depois, percebeu se tratar de uma encruzilhada. — Até onde este troço vai? — Sully perguntou. — Pode ser bem extenso — Welch respondeu. — Sabe como essas coisas funcionam — Drake acrescentou. — O quer que escondessem aqui embaixo, os egípcios amavam construir passagens e salas secretas. — Por enquanto, é uma eterna linha reta —Jada retrucou. — Não é o que chamaria exatamente de mistério. — Interessante, não? — Welch comentou. — É parte do labirinto e, ainda assim, não é um labirinto. Ao contrário do truque com dois espelhos, o corredor não prosseguia indefinidamente. Haviam seguido por cerca de cinquenta metros, quando então surgiu urna pequena antecâmara que lembrava a do andar de cima. Dentro dela, depararam com três entradas para câmaras de adoração diferentes. Cada urna levava o símbolo do octógono triplo entalhado no batente acima da porta, e todas possuíam três degraus que conduziam ao centro. — Isto aqui é mesmo curioso — Drake murmurou, examinando os símbolos na parede. -—- A dama ou o tigre? — Ah, a história de Stockton, não é? — Sully comentou. — Da entrada pode surgir uma dama ou um tigre; é só escolher a correta — acrescentou Jada. — Acho que não devemos nos separar — Welch sugeriu, sentindo um calafrio. — Jada riu. É, seria má ideia. — Não será necessário — Sully respondeu e usou a lanterna para iluminar a entrada à esquerda. — Não são muito maiores que a câmara de adoração lá de cima. Todas têm altar e o mesmo layout. — Virou-se para os demais. A não ser pela porta no fundo da sala. Drake se apressou em direção à câmara central e parou na entrada, examinando-a com a lanterna: —Aqui é a mesma coisa. Iluminou as paredes, constatando que Sully tinha razão, O layout era idêntico ao da primeira câmara de adoração. Imaginou que as dimensões também seriam iguais. Mas, quando o feixe de luz pousou um instante sobre o altar, estacou, franzindo o cenho. — Ei, Sully! A sala daí tem as mesmas pinturas, os hieróglifos e outros detalhes, como a câmara lá de cima? Sully direcionou o feixe de luz da lanterna para o rosto de Drake. —Tem. Porquê? Drake piscou forte e levantou a mão para bloquear a luz, enquanto virava para Welch e Jada: — Esta aqui tem o mesmo altar, e nele há um octógono. — Suspeito que seja o formato do desenho geral do labirinto. É um círculo, mas, dentro do círculo, o perímetro do labirinto é realmente um octógono — Welch explicou. — Claro, Dédalo sabia tudo sobre formas geométricas; merece um dez esse sujeito. Mas o que eu queria dizer é que aqui não há caracteres egípcios. — Drake virou a lanterna para o interior da sala e manteve o foco no altar. Os outros se aproximaram para observar o que havia lá dentro. — Está tudo em grego. A expressão no rosto de Welch tornou-se quase cômica. Passou de surpresa a um contentamento infantil num segundo, e ele praticamente empurrou Drake para dentro e desceu correndo os degraus para o centro da câmara. A luz de sua lanterna parecia iluminar todos os lugares ao mesmo tempo. — É formidável — comentou, parando poucos segundos para ler mais de perto as palavras escritas na parede, depois os desenhos na base do altar. Conforme iam caminhando pela sala, Drake percebeu que não era exatamente igual à câmara de cima, afinal. Havia diversas prateleiras incrustadas nas paredes, cada uma com vários jarros grandes. E uma porta nos fundos do cômodo, um gigantesco bloco de pedra que aparentemente não possuía nenhuma passagem. Mesmo assim tinha certeza de que era mesmo uma porta apenas aguardando um truque para ser aberta. — O que está escrito aí? — Jada perguntou. Welch acenou para ela com a cabeça, mas não respondeu. Em vez disso, deixou a sala correndo e foi em direção à câmara que Sully investigara primeiro. Segundos depois, juntou-se aos outros três e se deteve à entrada da sala central comum enorme sorriso: — A sala à esquerda é dedicada a Sobek, como já imaginávamos. Mas esta... esta é dedicada a Dionísio, deus grego do vinho e da loucura. Drake iluminou alguns dos jarros de uma das prateleiras, estudando os desenhos de uvas que havia neles. — Não faz o menor sentido. — Pra dizer a verdade, faz todo o sentido —Jada retrucou, ajeitando o cabelo e lançando a Drake um largo sorriso: — Dédalo construiu o Labirinto de Knossos para impressionar Ariadne, mas, de acordo com a lenda, ela era noiva de Dionísio. Sully passou um dos braços ao redor dos ombros dela. Sua expressão era de puro orgulho: Alguém andou estudando bastante por aqui. — Noiva pode significar muitas coisas — Welch acrescentou. — Ariadne podia prestar culto a Dionísio, como uma sacerdotisa, por exemplo. — Como a Senhora do Labirinto? — Drake sugeriu. Welch meneou a cabeça, pensativo: — É possível. Mas estão deixando passar o que é mais importante nisso tudo. A primeira câmara é uma alusão explícita à Cidade dos Crocodilos, e esta, a Knossos e à ilha de Creta. Drake o fitou por um instante, as sobrancelhas arqueadas. Sully mastigou a ponta do charuto e resmungou: — Por que é que ainda está aí parado? Welch se moveu para o lado e deu passagem aos outros, que saíram correndo da câmara de adoração. Jada foi a primeira a descer os degraus na outra sala, o feixe de luz da lanterna oscilando por toda parte. — Grego! — gritou, voltando-se para encará-los. — Esta aqui é toda em grego também. Enquanto Drake examinava o altar octogonal, notando o símbolo de Dédalo ao centro novamente, percebeu que algo estava diferente nas inscrições que ficavam na base do altar. Mirou a lanterna nas paredes, depois nos jarros, e a suspeita só aumentou. — Você tem certeza... — A escrita é helênica, sem a menor sombra de dúvida— Welch esclareceu. Pegou um dos jarros para observar as palavras bem de perto. — — Mas não é nenhuma das variantes de grego arcaico que já vi. — Sem dúvida, é um dialeto, algo mais raro. — Voltou-se para Sully:— Pode ser um idioma perdido — completou, empolgado. — Isso é ótimo, lan, de verdade — Sully falou. — Tenho certeza de que você e seu idioma perdido serão muito felizes juntos. Mas o relógio não parou, cara. — Consegue dizer a qual deus esta câmara é dedicada? — Drake perguntou. — Ah, essa é bem fácil — Welch falou, deslizando o feixe de luz da lanterna sobre as pinturas da parede. Drake notou um tridente. — O Terceiro Labirinto foi construído em honra a Poseidon. Ou alguma divindade semelhante a Poseidon, nativa de... onde quer que essa língua seja. — E...? —Jada perguntou, frustrada. — Alguma ideia de onde esse lugar possa ser? Um arrepio subiu pela nuca de Drake, provocando-lhe um calafrio. Franzindo a testa, olhou ao redor. Será que tinha ouvido mesmo um sussurro? Os quatro esquadrinharam a sala com as lanternas, e Welch se concentrou nos jarros. Certos detalhes ali nem precisavam de grandes explicações. Havia imagens na base do altar que mostravam a mesma cena que a da câmara do andar superior, com a Senhora do Labirinto. e outras que se relacionavam ao Minotauro. Encontraram algumas vezes o labirinto machado de duas lâminas que representava Creta e remetia ao labirinto de lá, entalhado na pedra e pintado nos jarros de cerâmica. Na segunda câmara, Drake havia notado pinturas que mostravam claramente um trono de ouro e outros objetos com a mesma cor, provável referência à presença de um tesouro. Tinham achado imagens semelhantes naquela sala, mas os demais símbolos ainda permaneciam indecifráveis. Uma sombra pareceu se mover quase fora de seu campo de visão, e Drake pensou ter ouvido o farfalhar de roupas. Olhou para a entrada da câmara e teve a impressão de que a escuridão ali era mais densa agora que segundos antes. — Pessoal, ouviram alguma coisa? — Drake perguntou. — Só você falando — Sully respondeu, mastigando o charuto. Jada se virou para Drake e balançou a cabeça. Não tinha escutado nada. Welch se encontrava agachado diante de uma prateleira baixa, com um dos jarros — ou recipientes de mel, se é que eram de mel — nas mãos. — Lá vamos nós — murmurou. Drake e os outros voltaram a atenção para Welch. Ele sussurrava para si mesmo, traduzindo em voz bem baixa e assentindo com a cabeça. Sem nenhum aviso, caiu abruptamente sentado no chão, as mas trêmulas. O jarro tombou em seu colo, amparado pelo seu corpo, e só por isso não se espatifou. —Thera — ele murmurou. — Nunca ouvi falar em... — Sully começou, mas então os olhos se iluminaram. — Thera? Está falando de Santorini? — Drake perguntou. O rosto de Welch perdera toda a expressão. Drake considerou que era revelações e manifestações divinas demais para um único dia, e o cérebro viciado em arqueologia estava à beira de um curto-circuito. —Já estive lá —Jada disse. — É lindo. Drake concordava. As construções pintadas de branco com domos barcos e janelas coloridos, os sinos, o oceano, o vinho. Não havia em Santorini que não houvesse amado, apesar de só ter estado lá uma vez. Mas tinha a sensação de que naquele momento Welch não a em um local para veraneio. — Conte pra gente, lan — Drake pediu. Welch olhou para cima, em sua direção: — Dédalo construiu o Terceiro Labirinto em Thera. — Santorini —Jada insistiu, aparentemente tentando esclarecer se sobre o mesmo lugar. Mas Welch meneou a cabeça. — Não. — A coisa toda é um vulcão ativo — Sully acrescentou. — Isso mesmo —Jada respondeu, estalando os dedos ao se lembrar — Há várias ilhas que formam o arquipélago. Está falando de Thera antes de aquilo tudo ir pelos ares, não é? Welch sorriu. — Exatamente. Drake enrugou a testa, sem ter certeza do que deixava o arqueólogo tão empolgado. Em tempos modernos, Thera era um arquipélago, na verdade um conjunto de ilhas que circundavam o ponto mais profundo do mar Mediterrâneo. Eram tudo o que restara de uma Thera muito maior, até uma enorme erupção ocorrida no século XIV ou XV a.C.. segundo recordava. Não se lembrava de ter visto lava jorrando em Santorini, mas sabia que algumas das ilhotas menores tinham respiradouros vulcânicos ainda ativos. — A civilização minoica entrou em colapso na mesma época da destruição de Thera — Welch explicou. Jada levantou as mãos em um gesto de frustração. — Bom, isso é ótimo. Então, se o Terceiro Labirinto estava lá, perdemos qualquer pista que pudéssemos encontrar em uma erupção vulcânica milhares de anos atrás. — Talvez sim, talvez não — Sully concluiu com vivacidade, gesticulando no ar com o charuto para enfatizar o que dizia. Virou-se para Welch: — Está dizendo o que acho que está dizendo? Welch sorriu. — Acredito que sim. — Vocês dois poderiam, por gentileza, parar de falar em códigos? Drake perdeu a calma. — Estou com a cabeça doendo. Sully arqueou uma das sobrancelhas. — Ah, Nate, vai ficar indignado com você mesmo por não ter se ligado nesta. Já esteve em Santorini. Só há uma escavação arqueológica importante por lá no momento. — É, só uma — Drake repetiu, dando de ombros. — Akrotiri. — Uma antiga colônia minoica — Welch acrescentou. — Que muitos historiadores modernos acreditam ter tido outro nome no passado. Drake ouviu o estranho farfalhar novamente, mas não lhe deu atenção. Encarou Welch e Sully sem piscar e sorriu: — Não estão falando sério. — Tudo se encaixa, Nate Sully falou. Jada deu um tapa no braço de Drake para ganhar sua atenção. Quando ele fez menção de lhe lançar um olhar furioso, levou outro. — Bata nele! — Drake exclamou, apontando para Sully. — Conte logo! — ela exigiu. Drake fez um gesto em direção aos outros. Estes dois acham que o suposto idioma perdido tem relação com a erupção vulcânica, pois todos os que o falavam podem ter sido mortos na ocasião. Welch e Sully acreditam que o Terceiro Labirinto está em Akrotiri. — E daí? —Jada perguntou. Drake sorriu de novo: — Estão falando da Atlântida. Ela bateu nele pela terceira vez. — Estou falando sério! Conte logo! — Ai! — Drake berrou em protesto. — Mas acabei de contar! Jada virou-se para Sully: — Diga que ele está brincando. — Não ouviu nenhuma história sobre a escavação em Akrotiri quando foi a Santorini? — Sully perguntou. — Fiz compras, fui à praia, flertei com alguns caras e bebi uzo demais. Aliás, vou me lembrar para sempre de ficar bem longe daquela bebida que parece tão inofensiva com seu agradável sabor de anis. Não sabia que o teor alcoólico era tão alto... Bem, voltando ao assunto, também andei de bicicleta com minhas amigas. Mas não tivemos momentos tão divertidos quanto os que só você consegue me proporcionar, tio Vic. — Sarcasmo? Agora? — Drake interrompeu. — Ora, parece que toda hora é uma boa hora para o sarcasmo, não? —ela retrucou. — Tá bom. Nisso você está certa ele respondeu. — Mas, continuando, muitas pessoas acreditam que Akrotiri é o que resta da Atlântida; que a Atlântida era um braço da cultura minoica, na verdade, um aprimoramento dela. E, seja verdade ou não, se o Terceiro Labirinto realmente ficava em Thera, a única chance que temos de encontrar alguma pista a seu respeito é em Akrotiri. Welch permanecia hipnotizado pelo jarro, não parava de examiná-lo Falou, sem tirar os olhos do objeto: — Não pode ser Akrotiri. Estão escavando lá desde os anos 1960, e até agora o que encontraram? Nada. Se existe alguma pista, algum indício, tem de estar em algum outro lugar da caldeira. Caldeira era como a população local se referia ao profundo círculo água ladeado pelas ilhas do arquipélago de Thera. — E se formos a Santorini? — Sully murmurou, a expressão hesitante. Vamos procurar em cada canto de cada uma daquelas ilhas um labirinto de cuja existência ninguém, em milhares de anos, jamais suspeitou? Jada deu de ombros, recusando-se a aceitar a derrota: — Nunca souberam o que procurar antes. Drake observava Welch e pôde ver os lábios dele se movendo ao estudar o jarro. — Você está lendo! — Drake disse. Welch assentiu, um sorriso tomando conta de todo o seu rosto. — Estou — Fez um gesto apontando para as outras câmaras. — Na sala dedicada a Dionísio, as palavras estão em Linear B. Agora que olhei com mais calma para isto aqui notei que não é lá muito diferente. Poderia chamar de algo como Linear B tipo 2, por exemplo. — E então? -—- Sully perguntou. O que quer dizer com isso? — Ah, claro — Welch voltou à realidade, entusiasmado. Levantou o jarro como se fosse um troféu. —Deveria ter pensado nisso de imediato mas estou um pouco fora de órbita hoje, se é que me entendem. Jada sorriu para ele. — Entendemos. Welch pareceu agradecido. — Bem, existem alguns textos encontrados na escavação do templo em Knossos, escritos em Linear B, que nomeiam todos os deuses secundários como algo chamado qe-ra-si-ja. Muitos estudiosos discutiram se a palavra se referia a um rei, uma divindade ou um reino. Uma linha de pensamento traduz qe-ra-si-ja como Therasia, cidade da ilha Thera antes da erupção que a destruiu. — O arqueólogo voltou o olhar para cima — Mas Therasia ainda existe. É bem pequena, na verdade, e a face voltada para a caldeira é composta apenas por precipícios. Só algumas centenas de pessoas ainda vivem lá. Drake sentiu uma antiga e familiar sensação de entusiasmo crescer dentro dele. Apesar de todos os perigos que enfrentavam, de todas as tragédias que os tinham conduzido até ali, estavam, de fato, muito perto de desvendar um mistério milenar. — Vamos para Therasia — afirmou. — Vou com vocês — Welch se apressou em dizer. — Assim que Melissa terminar de contar a Hilary tudo o que aconteceu aqui hoje, vou ser demitido mesmo. — Primeiro, temos de sair daqui sem que os capangas de Henriksen nos matem — Sully alertou-os. Jada zombou dele. — Ele não vai atirar em você com o pessoal da expedição e os trabalhadores aí fora como testemunhas. Gente rica como ele pode se livrar de quase qualquer coisa, subornar qualquer um, mas seria bem difícil encobrir o assassinato de toda essa gente que está lá em cima. — Espero que tenha razão - Sully disse. — De qualquer maneira, temos de sair daqui. Welch ainda tinha em mãos o jarro que havia tirado da prateleira. — Tudo bem. Mas vou levar isto aqui com a gente. Quero dar uma boa olhada nele. Já que não temos tempo agora... — Cadê o ouro? — Drake perguntou num rompante. Todos os olhares se voltaram para ele. — O ouro — Drake continuou. Midas ou Minos, ou quem quer que fosse o alquimista. Dédalo pagava os trabalhadores em ouro. O culto a Sobek recobria os crocodilos com ouro. — Já encontramos algumas das placas que usavam nos crocodilos — Welch esclareceu. — Tá, tudo bem — Drake respondeu. — Mas, se a Senhora do Labirinto pegava as oferendas de mel dos adoradores e alimentava o Minotauro com elas, e o Minotauro estava aqui para proteger o ouro, então onde está todo esse ouro? — Não está aqui, pelo visto — Welch falou, pensativo. — É, aqui, não — Jada acrescentou. — Mas, se Dédalo e as pessoas que trabalhavam com ele levaram o ouro daqui, seria lógico que fosse para um dos outros labirintos. Talvez o transportassem de um para o outro sempre, só por segurança. Poderia estar em Thera; quem sabe não sumiu na erupção. Drake assentiu. — Talvez. Ou quem sabe esteja no Quarto Labirinto. — Olhe ao redor — Welch sugeriu, apontando para as paredes e o altar. — Vê alguma referência a um Quarto Labirinto? — Não sei ler essas coisas — Drake respondeu. — E ninguém que esteja vivo é exatamente fluente no idioma da Atlântida. — Já falei; trata-se de uma variação do Linear B Welch comentou. — Poderia, embora aos trancos e barrancos, fazer uma tradução básica, mas por enquanto ainda não vi nenhuma indicação de um Quarto Labirinto. E o símbolo com os três octógonos está por toda parte. — Bem, o quarto deve ter vindo depois — Drake argumentou. — As empresas mudam de logotipo o tempo todo. Dédalo não deve ter tido tempo para alterar os símbolos antes de morrer. A questão aqui é a seguinte: o pai de Jada pensava que havia um Quarto Labirinto Alguém o matou porque ele investigava essa possibilidade. Esse fato não é, por si só, uma prova? Pelo menos na minha opinião, é. Welch aninhava o jarro contra o peito e parecia disposto a prosseguir com a discussão. Péssima ideia, Drake pensou, considerando a urgência com que precisavam sair dali. Quando Sully sacou a arma, o que quer que Welch estivesse prestes a dizer foi esquecido em um segundo. — Nate, você disse que ouviu alguma coisa, não foi? — Sully perguntou, e sua voz era quase um rosnado por causa do charuto preso entre os dentes. Drake pegou sua arma, virando-se para a entrada da câmara em honra do Labirinto de Thera. — Ouvi, sim. As duas armas estavam apontadas para a entrada. Drake estreitou os olhos, tentando enxergar em meio à escuridão da antecâmara. Jada os encarou, confusa, e depois sacou a própria pistola com relutância. Welch parecia preocupado, mas não perguntou nada sobre as armas, inteligente o bastante para não alertar ninguém que estivesse lá fora ao ouvir a conversa deles. Drake imaginou que se fosse Henriksen ou a diretora da escavação, Hilary Russo, já teriam sido interrompidos. Andou em silêncio rumo à porta, a arma a postos. Sully gesticulou com a lanterna para pedir que Welch se afastasse. O arqueólogo recuou lentamente, para trás do altar, parecendo um tanto ridículo com seus óculos e o cabelo desgrenhado. Drake considerou se ainda segurava o jarro pelo valor do objeto ou para se confortar, do mesmo modo que uma criancinha faria ao se agarrar a um bicho de pelúcia. Ouviu-se de novo um farfalhar de roupas. Drake franziu o cenho, e toda a sua atenção se voltou para a porta. Ele e Sully se moveram, próximos agora da entrada que dava acesso à antecâmara escura. Levavam a arma em uma das mãos e a lanterna na outra, tentando descobrir se havia algo em que deveriam atirar ou se estavam assustados por nada. Mantiveram o feixe de luz focado na entrada, na esperança de que quem quer que estivesse lá fosse se mostrar logo. Jada ficou para trás, bem diante do altar, com a pistola e a lanterna apontadas para o chão. Drake a olhou de esguelha, prestes a comentar sobre quanto seria inútil disparar uma bala em direção ao chão, mas, quando se virou de novo para a porta, viu que as sombras se moviam, uma se separando da outra, e mirou a lanterna no local para tentar distinguir quem estava lá. Algo passou zunindo pela porta. Ou melhor, alguém. Não havia mais dúvidas. Não estavam sozinhos. — Sully — Drake sussurrou. —Eu vi. Mais movimento no fundo da antecâmara, sombras dentro de sombras. Drake moveu a lanterna, iluminando o homem que entrava tão silenciosamente que poderia ser um fantasma. Só que não era um fantasma; já o tinham visto antes. Era um dos assassinos que haviam impedido o sequestro de Jada e matado os capangas de Henriksen. Encapuzado e com o rosto oculto, o homem parou onde estava, encarando-os dentro da câmara de adoração. Bem que nos mandaram voltar para casa, Drake teve tempo de pensar. O assassino estreitou os olhos e saltou para dentro da sala, sacando uma pequena lâmina curva enquanto corria na direção de Sully. Este e Drake atiraram ao mesmo tempo. Embora Drake tivesse errado o tiro, o de Sully atingiu em cheio o peito do homem, que cambaleou para trás, caindo nos degraus. Por um segundo, Drake pensou que o assassino encapuzado sairia correndo de lá tão rápido quanto entrara, mas, mesmo ferido e sangrando, virou-se e levantou a lâmina, prestes a arremessá-la contra ele. Jada atirou duas vezes, atingindo-o uma vez na coxa e outra no estômago. A lâmina saiu zunindo de sua mão com a velocidade de um bumerangue, mas a mira foi desviada pelos tiros, e a adaga curva bateu num ruído seco contra o altar, a vários centímetros dela. O homem tombou de costas no chão, rolou e começou a se arrastar para fora da câmara. — Não o deixem escapar — Sully berrou. — Minha maior preocupação é escaparmos daqui — Drake respondeu. — De onde ele veio? —Jada perguntou. Outros ruídos vieram da antecâmara, e Drake soltou um palavrão, protegendo-se contra a parede ao lado da escada. — Há mais deles! — falou. — Claro que há mais deles! — Combinava com a sorte costumeira que tinham em eventos como aquele. Outro barulho veio de trás. Por um segundo, achou que Jada era a responsável por ele, porém percebeu que, pela distância, o ruído de pedra se movendo teria de vir de bem mais longe. Olhou por cima do ombro e notou que a lanterna de Welch estava apagada. Na escuridão do fundo da câmara, avistou sombras que não estavam lá antes e escutou ruídos que pareciam ser de luta. Virou a lanterna a tempo k ver outro encapuzado arrastando lan Welch pela porta de pedra entreaberta na parede dos fundos. As mãos do arqueólogo tremeram, e ele derrubou o jarro, que se espatifou ao cair no chão. — Welch! — Drake gritou, virando-se para Sully. — Estão fugindo pela outra porta! Jada correu e chegou à porta antes de Drake. Ele queria pedir que se afastasse, com medo de que a arrastassem para dentro, mas Jada não o ouviria, e ele tampouco teria tempo de falar alguma coisa antes que ela começasse a agir. A moça levantou a lanterna e a arma ao mesmo tempo, embora sem disparar, por medo de atingir Welch. Passou em seguida a andar pé ante pé rumo à passagem dos fundos. — Doutor Welch! —Jada chamou. — lan! Uma pessoa encapuzada saiu correndo das trevas e lutou com ela, empurrando a arma para longe e tentando arrancá-la de sua mão. Drake atirou no ombro dele. O assassino rodopiou, o sangue jorrando do ferimento, e se apoiou contra a parede, cambaleante. Nas sombras onde Welch havia desaparecido, outros se moviam. O arqueólogo sumira, talvez já estivesse até morto, e tinham de fugir do labirinto o mais rápido possível, antes que se juntassem a ele. — Vamos! — Drake gritou. —Jada, vamos embora! Saíram em disparada, contornando o altar, um de cada lado, e subiram juntos os degraus em direção à entrada. Sully estava com as costas na parede, à esquerda da passagem. Ao vê-los se aproximar, tomou a dianteira e correu para a antecâmara. Drake ouviu o primeiro tiro, mas não viu o disparo. Ele e Jada já estavam fora da câmara de adoração. O assassino que tinham alvejado estava deitado no chão, sangrando, embora ainda com vida, mas essa era a menor das preocupações. Dois outros os aguardavam na antecâmara. Além deles, Drake notou um movimento à direita, e, no mesmo instante, vários encapuzados surgiram na escuridão das outras duas câmaras. — Olha, se querem tanto que a gente volte pra casa, podem deixar que a gente volta! — ele gritou, movendo a arma de um lado para o outro, tentando mirar em algum deles. Um ruído de passos pesados ecoou pelo túnel que o pequeno grupo havia atravessado ao chegar. Logo depois, luzes de lanternas apareceram nas paredes do corredor. Estavam prestes a ter ainda mais companhia. Ouviram a voz de uma mulher gritando em italiano, depois em inglês: — Quem está aí? — lan, o que é que está acontecendo aí embaixo? — ela perguntou, enfurecida. Hilary Russo, Drake pensou. Mas seu subordinado, Welch, não ia responder. Era prisioneiro dos homens encapuzados, ou já havia se integrado à história do labirinto — seria outra coisa a ser escavada em algum momento no futuro. Ouviram vozes e passos ao mesmo tempo, e Drake teve a impressão de que ao menos uma dúzia de pessoas se encaminhava até eles. Talvez fosse um número maior do que os assassinos estariam dispostos a enfrentar, ou mais do que pudessem se arriscar a deixar com vida após terem sido flagrados nos corredores secretos do labirinto. Drake, Sully e Jada também não deveriam estar ali. Quem acreditaria neles? Um dos encapuzados em quem Sully e Jada miravam tentou saltar sobre eles, e Sully o atingiu com um tiro. — Vai! — Sully gritou, e começou a correr. A confiança que tinha no amigo foi o que salvou Drake. Não conseguia distinguir se o caminho estava livre, não tinha como dizer se Sully havia ferido de verdade o cara em quem tinha atirado, tampouco se possuíam os dois segundos de que precisavam para escapar. Mas os dois eram amigos havia décadas, desde que Drake era um garoto. Podiam discutir esporadicamente, e às vezes ficavam frustrados um com o outro, mas Sully tinha sido seu mentor por quase vinte anos. Em momentos como aquele, precisavam ter plena confiança no que faziam, ou já teriam sido mortos muito tempo antes. Jada correu para dentro do túnel com Drake em seu encalço. Ele iluminava o caminho com a lanterna na mão esquerda e detinha os assassinos que saíam das câmaras de Knossos e Sobek com a arma na mão direita, os braços bem estendidos. Podia ouvir Sully à esquerda, murmurando “Vamos, vamos, vamos”. Uma rápida olhada mostrou que o homem que alvejara havia caído, mas ainda estava vivo, e que Sully tinha a arma voltada diretamente para o rosto do outro assassino. Este, por sua vez, o observava com frieza na escuridão da antecâmara. A única luz que ainda brilhava vinha da lanterna de Sully, e Drake se perguntou como essas pessoas conseguiam enxergar tão bem no escuro. Por um instante, refletiu sobre o talento singular daqueles homens — ainda que fosse para o mal. Lembrou-se da agilidade com a qual tinham matado os homens que tentaram sequestrar Jada no estacionamento, na noite anterior. Então se deu conta de que a movimentação havia diminuído. Quando olhou para trás e avistou Sully disparando um tiro para a escuridão lá atrás como se quisesse marcar sua posição, percebeu que não estavam mais sendo seguidos. Talvez o número de pessoas que chegavam ou a possibilidade de derrota os tivessem feito desaparecer na passagem secreta do labirinto, e, qualquer que fosse o motivo, Drake concluiu que estariam bem, por ora. Arriscaria dizer que estavam a salvo, pelo menos por enquanto. A mulher morena que se encaminhava para onde estavam só podia ser Hilary Russo. — Sully, sua arma — Drake murmurou, notando que Jada já havia escondido a dela ao avistar pessoas correndo pelo túnel, iluminando o rosto deles com lanternas. — Quem são vocês? — a arqueóloga que chefiava a escavação perguntou. —Aquele barulho foi de tiros? Jada desabou nos braços dela e a abraçou com força, depois se afastou e a encarou. A expressão no rosto de Hilary só podia ser descrita como genuíno choque. — Tem... tem pessoas lá atrás! —Jada sussurrou, desviando freneticamente o olhar de Hilary para o corredor escuro atrás deles. — Isso é impossível! Onde está lan Welch? — Hilary exigiu saber. Drake e Sully observaram os outros. Em meio ao brilho de tantas lanternas, era difícil distinguir rostos, mas Drake tinha certeza de ter visto de relance os cabelos de Olivia Hzujak, e a silhueta do homem alto e loiro tinha de ser a de Henriksen. Nenhum cinegrafista os acompanhava, e a maior parte dos demais se assemelhava a trabalhadores da escavação. — Welch estava com eles — Guillermo disse, adiantando-se. Ele desceu com essas pessoas apontou para o trio. Ela disse que é filha de Luka Hzujak. Hilary olhou por sobre o ombro, e ficou evidente quem procurava: — O que me diz, senhora Hzujak? Esta é sua enteada? — Olivia! —Jada gritou, precipitando-se para abraçar a madrasta. Reteve com firmeza Olivia em seus braços, e a máscara de preocupação que a mais velha usava se mesclou a uma expressão de surpresa. Foi nesse momento que Drake percebeu ter subestimado Jada. A princípio, havia imaginado que ela perdera o controle, que o pânico e a histeria tinham tomado conta de suas emoções. Mas tudo aquilo não passava de encenação. A garota ia livrar a cara de todos eles. Desejava beijá-la ali mesmo. Se não tivesse certeza da desaprovação de Sully, era provável que o tivesse feito. Mas a verdade é que, depois de todo aquele susto, seria quase como beijar a própria irmã. —Jada, você está bem? — Olivia perguntou, e, se fingia preocupação, suas habilidades dramáticas eram tão boas quanto as da enteada. Olivia se afastou um pouco e examinou seu rosto e suas roupas, tingidos com o sangue do assassino que a atacara e que acabara alvejado por Drake. De quem é todo esse sangue? — Onde está lan? — Hilary perguntou Quem estava atirando? — Dirigiu um olhar penetrante a Sully e Drake. — E quem são vocês dois? Não são do Smithsonian porcaria nenhuma, isso eu posso dizer com certeza! — Doutora Russo — Drake começou, tentando aparentar o máximo de sinceridade possível e, ao mesmo tempo, buscando na mente o nome falso que usava , sou Nathan... Merrill. Somos amigos de Jada e tentamos ajudá-la a descobrir se existe alguma conexão entre a viagem que o pai dela fez recentemente ao Egito e seu assassinato. — Assassinato? Oh, meu Deus! — Hilary exclamou, olhando com expressão incrédula para Olivia, como se perguntasse o motivo de não ter mencionado esse detalhe antes. — Há três câmaras de adoração no fim deste corredor — Sully passou a explicar. — Existem portas de pedra na parede do fundo de cada uma delas. Quando encontramos a passagem secreta que trazia aqui para baixo, o doutor Welch nos permitiu descer com ele para investigar, mas não estávamos sozinhos. Havia outras pessoas aqui. — Impossível! — uma voz fraca soou de trás do grupo. Constrangida, e agora também assustada, a ruiva Melissa se aproximou deles, passando ao lado do enorme monumento loiro que era Tyr Henriksen. Todos estavam muito perto agora, e o rosto dele cintilava à luz das lanternas. Ele encarou Drake com seus olhos azuis e frios como o gelo. Não falou nada. Se o homem quisesse matar os três ali, teria de exterminar todos os outros no túnel também, assim como cada pessoa que estivesse na superficie. Podia até ser um patife violento, mas ainda possuía uma companhia de renome internacional para administrar, e acobertar um assassinato em massa podia se tornar uma tarefa bem complicada. Mesmo assim, parecia estar pronto para derramar sangue a qualquer momento. — Ninguém mais desceu aqui — Melissa afirmou. — Fiquei junto à entrada o tempo todo. — Então deve haver outro meio de entrar — Sully respondeu. — As portas nas câmaras. Entraram por ali e nos atacaram. E também levaram o doutor Welch. Hilary Russo o encarou, obviamente sem acreditar no que dizia. — Só pode estar brincando. — Me desculpe, mas ele não está — Drake acrescentou. - Arrastaram o doutor Welch por uma das portas e... Mas ela já não escutava. Hilary acelerou pelo corredor com Guillermo e dois dos outros atrás. Drake desejava ficar para ajudar na busca por lan Welch, mas não tinha nenhuma intenção de virar um alvo fácil para os homens que o haviam levado. Ele, Sully e Jada precisavam com urgência deixar a Cidade dos Crocodilos antes que as coisas ficassem ainda mais complicadas; antes que chegassem a um ponto em que não conseguiriam mais partir. A ideia de passar um bom tempo em uma prisão egípcia não era nem um pouco atraente. —Jada precisa de um pouco de ar fresco — Sully disse a Olivia. — Você sabe... Olivia parecia à beira de um colapso, de tanta indecisão. Olhou para Henriksen, cujos punhos estavam cerrados. Melissa e dois funcionários da escavação tinham ficado para trás e os acompanhavam, e Drake começou a achar que aquilo podia ser uma oportunidade para Henriksen começar a quebrar pescoços aleatoriamente com aquelas mãos enormes. — É claro — Olivia respondeu, mas o olhar estava cravado em Henriksen, com uma expressão suplicante, como se tentasse controlá-lo Vou subir com vocês. — Não — Henriksen a interrompeu. Era a primeira vez que o ouviam falar; sua voz era límpida e profunda: — Preciso de você aqui. Olivia hesitou. Drake a estudou, odiando-se por não conseguir compreender a situação com clareza. Ela era de fato uma vítima nas garras de Henriksen ou estava envolvida até o pescoço e apenas tentava impedi-lo de fazer alguma coisa estúpida? Será que se importava, ainda que não muito, com Jada, ou com o fato de seu marido ter sido assassinado? Teria auxiliado os assassinos? — Está bem — Olivia concordou. Fez uma leve pressão nas costas de Jada, empurrando-a para a frente: — Vejo você lá fora. Não se distancie demais. — Pode deixar — Drake respondeu, o olhar fixo em Henriksen. — Vamos ficar aqui por perto. Drake sustentou o olhar penetrante de Henriksen ao se afastar, sentindo o peso da arma presa na parte de trás da calça, esperando não ter de utilizá-la em um espaço tão limitado. — O que vocês encontraram? — Melissa perguntou quando passaram por ela. — O que tem lá embaixo? Drake a encarou, desviando depois o olhar para Henriksen. Desejou poder contar que haviam chegado antes dele e que estavam muito mais próximos de solucionar o mistério o mesmo mistério que ele queria tanto ocultar, a ponto de decidir acabar com a vida de Luka Hzujak. — Segredos — falou, sorrindo para Henriksen. — Coisas que vão deixar você maluca. Mistérios que jamais esperou encontrar. Henriksen levantou o queixo, assumindo uma expressão de deboche. — Alguns segredos podem ser perigosos. Algumas vezes é mais seguro permanecerem ocultos. Homens podem ficar muito ricos mantendo segredos. Drake lhe lançou um sorriso amarelo. Agora o sujeito tentava comprá- lo? Não que ficasse ofendido pela ideia de alguém pagar para que calasse a boca e fosse embora. Mas Henriksen era o tipo de cretino arrogante que parecia ter o rei na barriga. Provocara a morte dc várias pessoas, entre elas o pai de Jada, porque pensava que era especial demais para seguir regras ou compartilhar suas descobertas com o resto do mundo. Sully pegou Jada pela mão e a conduziu pelo corredor, rumo à escada que levava à saída do labirinto. Drake ficou para trás por um instante, ainda trocando olhares furiosos com Henriksen. Então se virou para Melissa e sorriu: — Nada fica em segredo para sempre. Não queria dar as costas a Henriksen, mas chegou à conclusão de que se o sujeito quisesse ter pintado as paredes com seu sangue já o teria feito. Ainda assim, fez o que pôde para não sair correndo em direção à escada, sabendo que olhos frios e sem alma o seguiam, desejando sua morte. Não que esteja com medo, claro, pensou. Mas não sou burro. Quinze minutos depois, estavam fora do labirinto. Em mais quatro minutos, já se encontravam no Volvo, acelerando pelo deserto e imaginando quanto tempo levaria para as autoridades chegarem ao sítio arqueológico. Outras três horas se passaram, e conseguiram um barco para subir velozmente o Nilo, rumo a Porto Said, na esperança de encontrar um capitão que estivesse disposto a levá-los a noroeste, pelo Mediterrâneo, para Santorini. Poderiam seguir pela balsa regular, mas esse tipo de embarcação faria paradas, podendo levar alguns dias para chegar, e não tinham um minuto sequer a perder. Haviam ganhado uma pequena vantagem em relação a Henriksen, mas era pouco provável conseguirem mantê-la por muito tempo. O sujeito tinha mais poder que Deus e podia se dar ao luxo de viajar com o nome verdadeiro, não com uma identidade falsa com o risco de ser descoberta se as autoridades responsáveis prestassem um pouco mais de atenção. Tinham, é verdade, alguns fatores que trabalhavam a favor deles. Welch lhes dera um destino antes de ser sequestrado e, talvez, morto. Como Hilary e a equipe não sabiam o que Henriksen procurava, demorariam mais para chegar às mesmas conclusões. Além disso, o grupo de arqueólogos também teria de lidar com a polícia, para tentar descobrir quem levara Welch e tentar resgatá-lo. Chegariam antes de Henriksen ao Terceiro Labirinto, Drake decidiu. Precisavam conseguir isso. Drake, Jada e Sully evitaram mencionar o desaparecimento de Welch o máximo possível. Não havia como evitar que a polícia desconfiasse deles. E fugir da cena do crime certamente não ajudaria na defesa, mas não havia outra escolha. Agora eram fugitivos armados e suspeitos de sequestro. Em algum lugar ao longo do caminho, Drake concluiu, havia tomado o rumo errado. Prometeu a si mesmo que, se sobrevivesse a toda aquela confusão, encontraria outro tipo de trabalho. Algo mais tranquilo e seguro, como apagar incêndios ou enfiar a cabeça na boca de um leão após chicoteá-lo. Algo agradável e calmo, de preferência longe dos perigos que sempre caíam do céu quando rodava pelo mundo com Victor Sullivan. Se conseguissem entrar e sair de Santorini sem fazer alarde nem causar a morte de mais ninguém, se consideraria um homem de sorte. Mas não podia continuar se enganando por muito tempo. Quando se tratava das aventuras com Sully, raramente dava tanta sorte assim. 13 antorini era diferente de qualquer outro lugar no mundo. As cidades que circundavam o alto da caldeira eram construídas ao longo de cavernas e cavidades de penhascos criadas quando o vulcão da antiga Thera entrou em erupção. A cúpula azul dos prédios maiores era do mesmo tom da água do mar e das piscinas que surgiam em meio às casas. Drake imaginou que deveria haver milhares de degraus apenas na vila de Oia, todos eles incrustados nas encostas de uma ilha que certa vez fora parte da cratera de um vulcão adormecido. Algumas das praias eram de pedregulhos vulcânicos, bem escuros, e a beleza do lugar de algum modo fazia as pessoas dali se convencer de que o mar jamais fervilharia novamente em fogo e lava, matando a todos. Mas era uma ilusão, Drake sabia disso. Apesar de Santorini ter uma atmosfera de beleza e serenidade maior que qualquer outro lugar do planeta, era essa estranha paz — mesclada ao potencial, embora remoto, de destruição iminente — que mais o fascinava. Era uma noite de domingo, e o calor do dia ainda persistia, mesmo depois de o sol já ter se posto. Drake e Jada andavam lado a lado em meio a becos e escadarias, dos quais se tinha um belo panorama da caldeira, cercados por bares, restaurantes e lojas. A maior parte dos estabelecimentos estava fechada, mas alguns permaneciam abertos, e os dois vagavam pelo local olhando vitrines, ora falando sobre a própria vida, ora em um silêncio amistoso. Tinham feito muito progresso nas últimas vinte e quatro horas. Em Port Said, haviam encontrado uma marina na qual os capitães ofereciam barcos para passeios em alto-mar cuja duração era de mais ou menos um dia. Esse tipo de programa era caro por si só, e os custos só aumentavam ao explicarem o desejo de ser levados a Santorini sem a viagem de retorno. Um velho capitão egípcio protestou bastante, perguntando se entendiam quantas leis queriam que ele quebrasse, mas pareceu suficientemente feliz em passar por cima delas quando estava com uma quantia significativa de dinheiro nas mãos. Todos dormiram com muito conforto a bordo do navio, apesar de tudo, e chegaram a Santorini no meio da tarde de domingo. Tinha sido um detalhe genial, ou talvez de muita sorte, pensou Drake, terem fechado a conta no Auberge du Lac e levado a bagagem com eles, armas e munições escondidas em meio às roupas. Haviam abandonado o Volvo em Port Said, mas, após pegarem o teleférico para sair das docas de Santorini, conseguir um táxi foi fácil. Mesmo morrendo de fome, fizeram compras antes as noites de outubro podiam ser bem frias na ilha. Sully e Drake escolheram blusas, e da comprou uma bela jaqueta de couro. Melhor dizendo, Drake fez todas as compras, adquirindo também algumas mudas de roupa para os três. A princípio, sentira-se mal por pagar com o cartão de crédito falso que arranjara no caminho para Montreal, mas não podia usar o próprio e precisava conservar o dinheiro vivo que ainda trazia da aventura no Equador. Prometeu a si mesmo que quando tudo aquilo acabasse pagaria o que devia à loja e resolveu guardar a nota da compra. Quebrar as leis era algo que fazia com regularidade — fazia parte de seu ramo de trabalho —, porém o limite que sempre respeitava era jamais explorar alguém que não tivesse nenhuma relação com seu serviço. Entraram no primeiro hotel decente que encontraram na vila de Oia, fingindo não se incomodar com os preços exorbitantes, e solicitaram uma suíte para que todos pudessem se trancafiar atrás da mesma porta naquela noite. No verão, na alta temporada, jamais encontrariam um quarto vago tão facilmente, mas, em outubro. a procura já não era tão grande. Jantaram logo em seguida, e Sully preferiu permanecer no hotel. tentando descobrir o melhor modo de conseguir ir a Therasia na manhã seguinte. Mesmo que encontrassem alguém para levá-los até lá ainda naquela noite, procurar por mistérios ancestrais costumava ser mais fácil com o brilho do sol. No escuro, Drake pensou, o mais provável seria despencar em algum precipício, encerrando toda a história sem ao menos começá-la. Agora, ele e Jada estavam num daqueles silêncios agradáveis de novo. Ambos desciam uma colina na vila. Uma parte do caminho era plano, depois havia alguns degraus, outro trecho plano um pouco mais longo e mais degraus — o caminho menos íngreme que podiam encontrar naquela parte da ilha. O odor de tabaco queimando em um cachimbo os cercou, e Jada o inalou com um sorriso. — Gosta desse cheiro? — Drake perguntou. Ela deu de ombros. — Quando era pequena, meu pai costumava fumar cachimbo. — O médico o mandou parar? — Não. Quando entrei no colégio, disse a ele que achava aquele costume pedante e que me envergonhava — ela comentou, uma expressão melancólica no rosto. Meu pai desistiu por minha causa. Era uma coisa que dava tanto prazer e paz de espírito a ele, e eu... Não conseguiu terminar a frase, a voz trêmula. Os olhos se encheram de lágrimas, mas ela parecia decidida a não derramá-las. Em seguida, passou a mão no canto dos olhos, mas o resto do rosto estava seco. — O que aconteceu com seus pais? — ela perguntou. Tio Vic nunca quis me contar. — Andou perguntando a meu respeito, é? — Drake comentou, provocando-a. — Fiquei curiosa — ela admitiu. — Mas não comece a bancar o convencido. Drake sorriu, mas em segundos fitava o horizonte, observando as casas, os hotéis e as lojas penhasco abaixo e as ondas batendo contra as pedras aos pés da caldeira, mais além. — Tudo bem. Desculpe — Jada falou. — Não sabia que o assunto era um tabu. — Na verdade, não é — Drake respondeu, virando-se para encará-la — Apenas uma história que não gosto muito de lembrar. Sabe o que um ronin? — É um termo japonês, não é? — Um samurai sem mestre — Drake respondeu. — Um guerreiro que deixou a casa do mestre e cortou todos os laços com o passado, partindo para o mundo e construindo o próprio caminho. Sei que isso e faz parecer incrivelmente nerd e arrogante... — Na verdade, soa como algo que requer uma grande dose de coragem. Não ter ninguém. — Sully sempre esteve a meu lado quando precisei de alguém Drake disse, a voz não mais que um sussurro. Não estava acostuma a se abrir; a parte do cérebro que o impelia a bancar o bobo da cor sempre que falava, no entanto, tinha silenciado por um instante. — Ele sempre foi assim — Jada concordou. — Gosta de parecer um sujeito malandro, de fingir que não se importa. Desaparece por meses, faz as coisas como se só se importasse consigo mesmo, finge que o dinheiro é sua prioridade... Talvez até seja, na maior parte do tempo.. Mas meu pai costumava dizer que, se estivesse encurralado, na hora cio real aperto, não havia ninguém ao lado de quem preferisse estar, exceto Victor Sullivan. — É mesmo — Drake concordou. Andaram mais alguns minutos antes que ele voltasse a falar: — Escute, queria que nada disso tivesse acontecido, mas, já que aconteceu, estou feliz por estar aqui com vocês. Pode contar comigo também. — Eu sei — ela disse. — E agradeço muito por isso. Os dois se calaram de novo, mas, dessa vez, o silêncio parecia vir de uma expectativa, como se temessem as palavras que se seguiriam. A brisa trouxe o som de uma música, vozes cantando em grego, animadas pela camaradagem típica que o álcool oferece. Vinha do bar mais próximo. Em seguida, ouviram risadas. Um homem passou correndo por eles, concentrado no esforço que fazia para manter a forma. Duas jovens bem-vestidas subiam pelo caminho, exalando uma autoconfiança quase sensual. Mas, durante aqueles poucos segundos, Drake e Jada não desviaram os olhos um do outro. Piscando e retomando o fôlego, Jada se forçou a dar um sorriso nervoso. — Este lugar é muito bonito. Tem uma atmosfera romântica. A gente acaba tendo pensamentos meio loucos. Drake se sentiu agradecido. Se ela o beijasse, com certeza ele corresponderia, embora não fosse a coisa mais apropriada a fazer no meio de uma caçada a um labirinto perdido de uma cidade naufragada. A relação de ambos estava a um instante de mudar drasticamente. Drake sorriu em resposta, mas aguardou alguns segundos antes de responder, certificando-se de que aquele instante de romantismo no ar havia mesmo passado. — Não tenho tido muita sorte nesse departamento — Drake comentou por fim. — Nem eu. Talvez devesse voltar pra cá no futuro, conhecer algum pescador bonitão e abrir uma loja de roupas. Drake riu. — Acho que você viu filmes demais. Quando Jada lhe deu um tapa no braço, voltando aos maus-tratos de sempre, soube que o momento em que tudo poderia ter mudado estava oficialmente encerrado. Eram aliados agora. De um modo estranho, quase irmãos. E nada mais. Drake tinha certeza de que era melhor assim, que qualquer outra coisa seria complicada demais, mas também que sempre ficaria curioso pensando no rumo que poderiam ter tomado. Não era a primeira vez que se sentia assim na vida, tampouco seria a última. — Olha só ela começou, mudando o peso do corpo de um pé para o outro e tirando dos olhos uma mecha cor de cobre, enquanto se encolhia dentro da jaqueta de couro, como se a noite tivesse ficado mais fria. — Tem um assunto sobre o qual temos evitado discutir, e acho que não temos como seguir em frente sem pelo menos falar a respeito. Ah, não, Drake pensou. Tivemos o momento perfeito, toda aquela cumplicidade silenciosa. Falar sobre isso só vai levar a um constrangimento imobilizante, que vai me fazer balbuciar feito um idiota. — Os caras encapuzados — Jada acrescentou. Drake arqueou uma das sobrancelhas, forçando a mente a mudar de assunto. — Ah, claro. Eles. —Sei que já falamos deles em termos de “aqueles caras são assustadores”, “quem são eles, afinal, e por que tentaram nos matar”, ou “por que tentaram nos mandar para casa antes de nos matar”... Bem, esta sou eu despejando palavras sem sentido. — Pois é... — Drake encostou-se no corrimão da escada acima do penhasco. — Concordo. Jada sorriu. Drake pensou que fosse ganhar um novo .tapa, mas aparentemente ela estava cansada demais de todas as outras vezes que investira contra ele. — Ainda não falamos sobre aquela que considero a grande questão central nisso tudo. —Que é... — Aquela porta no Labirinto de Sobek Jada completou. Não sei você, mas tenho evitado o assunto porque estou tentando não pensar no jeito como Welch foi levado. O namorado da irmã dele foi morto porque tentou ajudar meu pai a resolver esse mistério. Agora lan desapareceu, e talvez esteja morto também, porque fez o mesmo por nós. Essas coisas estão começando a pesar sobre os meus ombros. Não consigo deixar de me sentir responsável. Drake meneou a cabeça com tristeza. — Essa sensação vai passar. Não com tanta rapidez quanto gostaria, mas vai. O que você deve ter em mente é que não o forçamos a nos ajudar. Ele sabia o risco que a situação toda envolvia e quis participar mesmo assim. Não vai fazê-la se sentir melhor ou menos culpada, mas é bom lembrar que não há como controlar os outros. Nem quem quer ajudá-la, nem quem quer matar você. — Eles o arrastaram por aquela porta nos fundos da câmara de adoração. E os outros caras encapuzados com certeza saíram pela porta das outras câmaras. Mesmo que a gente parta do princípio de que existe um modo simples de abri-las, um mecanismo ou qualquer outra coisa que as faça se mover facilmente, algo que não pudemos encontrar, como foi que conseguiram aparecer lá embaixo? — Talvez tenham descido na noite anterior e ficaram nos esperando Drake sugeriu. — Mandaram a gente voltar pra casa, mas concluíram que prosseguiríamos e acharíamos aquelas salas de um jeito ou de outro, ou quem sabe Henriksen o fizesse. — Não, não — Jada balançou a cabeça, discordando. — Aquele esqueleto, seja ele do Minotauro ou de quem quer que fosse... Quebramos os dedos dele quando empurramos o altar para irás. Se alguém mais tivesse descido por aquele caminho antes de nós, aquele esqueleto não estaria mais ali, emperrando o altar. Drake ponderou um pouco, passando um dedo por dentro da gola da blusa nova — a etiqueta o incomodava. O fato era que não tinha como derrubar o argumento de Jada. Não que acreditasse que os encapuzados tivessem passado por todos os trabalhadores e pela segurança do sítio arqueológico e descido pela câmara até o labirinto. Claro, eles surgiram em silêncio das sombras e pareceram se desvanecer nelas, como alguma linhagem de insanos guerreiros ninjas. Era capaz de apostar que, se realmente quisessem, poderiam matar toda e qualquer pessoa que trabalhasse na escavação. Então, por que não haviam feito isso? Deviam ter regras, pensou. Não matavam pessoas que não as quebrassem. Será que tinham dado a Drake, Sully e Jada o beneficio da dúvida? Aqueles homens misteriosos haviam mandado que voltassem para casa; será que aguardavam o momento de os três cruzarem algum tipo de limite invisível para agir com mais força? — Na verdade, existe outra entrada — ele a lembrou. Sentimos aquela corrente de ar. Pode vir pela fresta de alguma porta secreta. A uma hora dessas, Hilary Russo e sua equipe, provavelmente o ministro de antiguidades e sabe-se lá mais quem, já encontraram a outra entrada — Concordo — Jada falou. Ao assentir algumas mechas cor de cobre lhe caíram sobre o rosto. — Mas o labirinto ficou soterrado por... milhares de anos? Se os próprios arqueólogos que estão desenterrando o lugar não sabiam que havia outra entrada, como é que eles sabiam? — Agora está me deixando assustado — Drake avisou. — Pois eu estou totalmente aterrorizada! —Jada replicou. — Porque a próxima pergunta é: se conhecem a entrada da bat-caverna daquele labirinto, será que conhecem a daqui também? Drake sentiu mais uma lufada do mesmo odor de fumaça de cachimbo. Dessa vez, misturado ao aroma de cebola frita com vários temperos. De outro bar, um pouco afastado de onde estavam, ouviu uma música alta começando a tocar, o tipo de dance music barulhenta e martelada que se escutava nos lugares que costumava evitar. Sem saber o motivo, lembrou-se de um jovem músico com quem haviam cruzado um pouco antes, um sujeito barbado que tocava o instrumento típico da Grécia, o bouzouki. Drake desejou por um momento que pudessem estar ali em uma missão menos preocupante, sem o fantasma da morte de Luka lhe rondando a cabeça. — Na verdade, não quero saber qual é a resposta para essa pergunta ele admitiu. — Mas acho que vamos descobrir quando encontrarmos o labirinto em Therasia. — Mal posso esperar — Jada murmurou. Viraram-se juntos, como num acordo tácito de que se afastariam tanto do assunto quanto daquele local. Algo chamou a atenção de Drake, um movimento na escuridão do telhado da joalheria fechada, à esquerda deles. Olhou para cima e ficou imóvel. Jada deu vários passos antes de perceber que ele não estava mais a seu lado. — Nate? — perguntou, virando-se para ver o que o tinha detido. Drake voltou a andar, pegando-a pelo cotovelo e se apressando pelo caminho sinuoso em meio às casinhas. Olhou por cima do ombro, na direção do telhado da joalheria, depois verificou os dois lados do caminho que tomavam. Desceram cinco degraus, e ele apertou ainda mais o passo. — O que é que tem de errado com... — ela principiou a falar. — Espere aí, viu um deles? Um dos encapuzados? — Não tenho certeza — Drake respondeu. E não tinha mesmo. Havia vislumbrado algo tão de relance, pouco mais que uma sombra se movendo em meio a outra e depois desaparecendo de seu campo de visão. Mas algo se movimentara lá em cima, e, mesmo que Henriksen tivesse conseguido alcançá-los com tamanha rapidez, os homens que mandara até agora não eram espertos ou sorrateiros o suficiente para se esconder daquela forma. — Acha que estão atrás de nós agora? —Jada perguntou. — Talvez. — Por que só estão vigiando? Será que não decidiram ainda o que querem fazer conosco? Ou estão apenas esperando o momento certo para atacar? Drake queria reconfortá-la, mas passara a vida dizendo às pessoas o que precisavam ouvir, não o que gostariam. E Jada não era exatamente uma garotinha desprotegida. — Esses caras são como fantasmas. Não gostam de ser notados — Drake falou. —Arriscaram-se lá no Egito, com toda aquela exposição. Meu palpite é que não apreciam esse tipo de situação. Neste momento estão fazendo o que qualquer caçador decente faria: esperando o momento certo. Vão querer nos pegar sozinhos, longe da multidão. Melhor ainda se puderem nos prender um por um. Os olhos de Jada se arregalaram: — Oh, não! Tio Vic! Drake sentiu um frio na barriga. Ainda não tinha certeza absoluta do que vira, mas, se estavam sendo seguidos; se aqueles babacas ninjas realmente queriam apanhá-los; e se tinham deixado Sully sozinho... Pegou a mão de Jada, e os dois saíram correndo. Dispararam pelo caminho, passando por bares e lojas fechadas. tentando ver ao mesmo tempo se havia alguma ameaça à espreita nos telhados. Mas os pensamentos de Drake não estavam mais na autopreservação. O medo que fizera seu coração disparar, a pulsação acelerada cujo ritmo sentia até dentro do crânio não tinham nada a ver com a própria segurança. Não vira o cadáver de Luka Hzujak, mas sabia como o homem terminara... Morto, dentro de um baú, sem braços nem pernas e com a cabeça decapitada apoiada no peito, abandonado em uma plataforma de trem. Tentou afastar da cabeça a imagem de Sully dentro daquele baú, com uma enorme mancha de sangue estampada em uma de suas guayaberas, o odor metálico do sangue mesclando-se ao cheiro de charutos velhos. Jada soltou a mão dele, e Drake desejou que não o tivesse feito. Mas precisavam correr, o que não deixava tempo para gestos de atenção ou proteção. Drake continuou correndo por um declive estreito, na encosta de um precipício. À direita, não havia mais ilha, apenas o céu. Existiam casas, hotéis e alguns restaurantes abaixo, encarapitados na rocha, mas nenhum deles conseguiria salvá-los se caíssem. Pequenas árvores e moitas cresciam ao redor da trilha, algumas com flores de outono um pequeno milagre, considerando o clima absurdamente árido da ilha. Arranhou o braço em alguma coisa ao se apressar pelo caminho, mas esse era o tipo comum de planta que crescia em Santorini: espinhenta e perigosa. Um coro de risadas surgiu à frente deles. Conforme desciam os degraus estreitos entalhados na pedra e chegavam a uma longa fenda no terreno que formava um terraço, deram de cara com uma passarela repleta de alemães de meia-idade em férias. Vários protestaram, xingando Drake e Jada, pois ambos se acotovelaram em meio ao grupo para abrir passagem. Um deles tentou agarrar o braço dela, mas Jada o empurrou. Drake sentiu cheiro de álcool no ar e percebeu uma mancha de bebida na roupa de um dos homens. Foram esses os detalhes que notou enquanto corria, minúcias que usou para afastar os maus pensamentos da cabeça. — Ele está a salvo —Jada sussurrou ao correr ao lado de Drake. — As armas estão todas com ele. Drake havia pensado o mesmo desde que vira o movimento nas sombras do telhado. Ele e Jada não queriam correr o risco de carregar armas ilegais em público, a não ser que tivessem certeza de que precisai-iam usá-las. Burro, constatou. Descuidado. Não estavam ali em férias. A simples ideia de dar uma volta ao luar parecia ridícula agora. Os três deveriam sair em busca do labirinto. O hotel estava bem à frente. Chegaram a mais um lance estreito de escadas que seguia penhasco acima e correram os dezessete degraus até o topo, com a entrada à esquerda. Bem diante deles surgiu a piscina ainda azul e cintilante sob as estrelas, a água aquecida o bastante para aconchegar algumas almas corajosas, flertando silenciosas e admirando a vista da caldeira lá embaixo, com a luz do luar refletindo no mar. Drake examinou a entrada e cravou os olhos na escuridão além da luzes da piscina. Nenhum movimento. Abriu a porta e entrou, com Jada em seu encalço. Ambos se apressaram para atravessar a recepção. tentando andar o mais rápido possível sem atrair muita atenção. Drake passou direto pelo elevador, já que estavam no segundo andar. Chegando à escada, saltou os três primeiros degraus, ganhando velocidade conforme subia, apoiando-se no corrimão. Ao chegar ao andar deles. onde a parede do corredor se ondulava, seguindo o traçado original da caverna na qual o hotel fora construído, estava meio lance de escada à frente de Jada, mas não esperou por ela. Correu adiante, reduzindo a velocidade apenas ao se aproximar do quarto, para poder tirar o cartão-chave da carteira. Quando o deslizou pelo trinco da porta, reteve a respiração. Jada veio como um foguete em sua direção e parou derrapando no carpete no instante em que a luz verde se acendia e ele empurrava a porta com o ombro, lamentando mais uma vez o fato de estar desarmado. Entraram, e Jada fechou a porta em silêncio atrás de si. Drake tomou a dianteira e avançou alguns passos suíte adentro. Verificou o banheiro, onde a torneira ainda pingava e havia resquícios de que Sully tinha se barbeado, O frigobar estava aberto, e uma garrafa de vinho se encontrava sem a rolha na pequena mesa do corredor que dava para os quartos. Jada entrou no cômodo onde dormiria, examinou o local rapidamente e voltou, balançando a cabeça. Nenhum sinal de Sully. Mas retornara com a pequena pistola que estava na mala. Pelo menos, sabiam que ninguém tinha mexido na bagagem deles. Jada franziu o cenho, olhando ao redor, alarmada. Drake levou apenas um instante para se dar conta do que a perturbava: a brisa. Tremeu de leve com o ar frio da noite que começava a envolvê-los e se virou para a porta do único cômodo onde Sully ainda poderia estar o outro quarto. O interior de luzes apagadas era iluminado apenas por um brilho difuso que vinha de fora. Cada um se dirigiu para um lado da porta aberta, e ambos respiraram fundo. Jada gesticulou para que ele esperasse, mostrando a arma para indicar que queria entrar primeiro. Drake não lhe deu ouvidos e irrompeu quarto adentro, forçando-a a segui-lo. Estacaram, contudo, ao ver as portas da varanda. Estavam abertas, e as cortinas ondulavam levemente ao sabor da brisa. Podiam ver quase todo o terraço e o mar Mediterrâneo de onde estavam, tão negro quanto a noite lá fora, O único traço de Sully era ,o cheiro de charuto que permanecia no ar. Drake foi tomado por uma onda de náusea. Fechou os olhos e apertou a palma das mãos contra a cabeça, tentando não gritar de fúria e angústia, evitando pensar em cabeças decapitadas e troncos humanos em baús. Jada encontrou a mala do amigo, e o som das coisas de Sully sendo remexidas fez com que Drake abrisse os olhos. Ela pegou a arma que ele levava na bagagem, e ambos trocaram um olhar significativo. Quem quer que tivesse vindo atrás de Sully havia sido sorrateiro o bastante para não lhe dar tempo sequer de pegar a pistola. Jada entregou a arma a Drake e desabou sobre a cama. Seu rosto estava fechado e pálido, os olhos sem expressão. — Tio Vic — murmurou, a cabeça baixa e a arma pendendo da mão, entre os joelhos. De súbito, Drake franziu o cenho. A fumaça do charuto ainda não havia se dissipado. Na verdade, o odor estava cada vez mais forte. — Espere aí... — começou a dizer. — Quem está aí? — perguntou uma voz vinda da varanda. — Sully? — Drake chamou. — Aqui no terraço, fazendo amigos — Sully respondeu. Drake e Jada respiraram aliviados, rindo baixinho de todo o pânico e tristeza que haviam sentido e que agora se esvaía em menos de um segundo. Ela revirou os olhos, zombando de ambos, mas Drake sabia que tinha razão em se sentir culpado. Haviam sido descuidados. Precisavam ser paranoicos o tempo todo se quisessem continuar vivos. Jada praticamente voou em direção à porta, colocando a pistola na parte de trás da calça. Drake preferiu ficar com a arma de Sully na mão, mantendo-a fora do campo de visão de quem estivesse com ele Os ruídos de Santorini eram abafados e distantes, convidando a apreciar a vista da caldeira e das demais ilhas que a, circundavam, uma cena de tirar o fôlego de qualquer um. Sully estava à esquerda da varanda, encostado à parede e de costas para eles. No terraço ao lado, a centímetros dele, havia uma mulher negra, na casa dos trinta, de pele impecável e olhos cor de cobre. Ela sorriu quando Jada e Drake apareceram. — Devem ser seus amigos — comentou a mulher num inconfundível sotaque britânico. Segurava o charuto de Sully em uma das mãos e uma taça de vinho na outra. — Prazer em conhecê-los. —Jada e Nate, esta é Gwen — Sully falou, mal os olhando, totalmente encantado com a nova conhecida. Quando se virou um pouco para apresentá-los, Drake viu que tinha uma taça de vinho na mão. — Gwen, diga olá para Jada e Nate. Gwen levantou a taça, já quase vazia, em uma saudação: — Como estão? — Oi — Jada disse. — Olá — Drake acrescentou. Enquanto Jada saía para a varanda, Drake permaneceu semioculto no quarto, escondendo a arma, com tal expressão de urgência no rosto que Gwen provavelmente percebeu. Seus olhos se estreitaram, e ela deu um pequeno sorriso, meio relutante. — Parece que tem algum assunto sério pra resolver com eles — Gwen disse. Colocou o charuto na boca e tragou a fumaça, tossindo um pouco antes de devolvê-lo a Sully. — Pronto, experimentei. Tem um gosto doce e de esterco ao mesmo tempo. Espero que esteja satisfeito. Sully lhe lançou um sorriso: — Bastante. Gwen desviou o olhar para Jada e Drake. Sully fez o mesmo, mas com um sorriso irritado no rosto, como se perguntasse o porquê de continuarem ali. Era evidente que flertava com a mulher, e parecia estar fazendo progresso. Ela lhe devolveu a taça. — Só vou demorar alguns minutos — Sully prometeu. — É um pecado deixar um vinho tão bom pela metade. — Desculpe. Está ficando tarde, e vou encontrar uns amigos pela manhã — Gwen respondeu. — Quem sabe amanhã à noite? Sully sorriu. — Estarei aqui. — Temos um encontro marcado, então. Gwen virou-se para entrar no quarto, e Sully se voltou para Drake e Jada com um olhar impiedoso. Seguiu os dois suíte adentro e fechou portas da varanda antes de encará-los. — É melhor terem algo realmente importante pra me dizer — resmungou. — Não vai estar aqui amanhã à noite — Drake retrucou. — Bom, provavelmente não. — Obrigado. Você é um gênio — Sully murmurou, uma das sobrancelhas arqueadas. — Como se não soubesse disso. — Mas acabou de dizer a ela... — Ei, não tenho mais direito a ter esperança? É praticamente tudo o que posso fazer se resolverem aparecer de surpresa toda vez que fizer uma nova amiga. Drake levantou a arma, atraindo a atenção de Sully. — Aparecemos de surpresa porque pensamos que aqueles ninja assustadores estivessem prestes a cortar sua garganta e lançá-lo precipício abaixo. Então chegamos aqui e o que encontramos? Nenhum sinal do Sully! Com essa varanda aberta, logo concluímos que alguém havia entrado aqui. — Era tão difícil assim imaginar que eu poderia estar lá fora, fumando um charuto, relaxando e pensando na vida? — Não vimos você — Jada respondeu, obviamente irritada com toda aquela truculência. — Não até sentirmos o cheiro desse charuto fedorento. Sully pareceu realmente magoado com esse comentário. Brandiu o charuto aceso. — É um legitimo cubano. São mais difíceis de contrabandear do que armas, drogas ou antiguidades. — Bem, nesse caso, fez um belo trabalho, tio Vic — disse Jada, a voz cheia de sarcasmo. — Estávamos preocupados com você, seu trouxa — Drake interrompeu. — Ou ainda não entendeu? Sully lhe lançou um sorriso malicioso: — Claro que entendi. É que gosto de encher o saco. E vocês merecem, por interromper o que poderia ser uma linda... Espera aí. Por que estavam tão preocupados? Aconteceu alguma coisa? Drake abriu a boca, mas fechou-a de novo sem falar nada. Olhou para Jada. — Não temos certeza. — Como assim, “não temos certeza”? Ou aconteceu ou não aconteceu, é simples. — Pode ter acontecido —Jada disse. Temos a impressão de ter visto os encapuzados do labirinto em um telhado na vila. — Nem vou perder meu tempo perguntando se notou algo estranho ou se percebeu alguém espreitando por aí — Drake acrescentou. — Com toda a sua atenção totalmente voltada para a bela Gwen... Sully sorriu. — Muito gata, não é? Drake concordou: — Isso é indiscutível. — Recapitulando — Sully disse, voltando-se para Jada. — Talvez tenham visto alguma coisa, talvez não. De qualquer modo, devemos ficar atentos. Jada lhe lançou um olhar cheio de descrença. — Vamos melhorar o esquema de vigilância — Sully insistiu. — Mas, levando em conta que nenhum de nós teve a garganta cortada hoje, será que podemos falar sobre uma coisa realmente importante? — Que coisa? — Drake perguntou. Sully enfiou o charuto em um copo vazio, depois se dirigiu à mala k Drake. Após remexer um pouco lá dentro, tirou os mapas e o diário que Luka conseguira esconder para Jada no Egito. Deixou os mapas de lado e passou a virar as páginas do pequeno caderno. — Antes de sair para fumar, tomei um pouco de vinho e dei uma boa olhada no diário. —Já vimos tudo de trás para a frente —Jada olhou. Sully encontrou a página que procurava, passou um dedo no papel segurando o diário aberto, e acenou com a cabeça para ela. — Eu sei. Mas, algumas vezes, esse tipo de coisa não faz sentido até que se obtenham novas informações. Quando você volta a ler, é como se estivesse com um par de óculos novos e conseguisse enxergar dados que não via antes. — Quanto vinho você bebeu, afinal? — Drake provocou. — Duas taças — Sully respondeu. — Abri também uma cerveja, mas era uma porcaria. — Não vamos perder o foco, por favor — Jada interrompeu, as mãos na cintura. Antes de conhecê-la, Drake acharia quase impossível alguém com mechas avermelhadas parecer séria, mas, de algum modo, ela conseguia. — Certo — Sully concordou. — Bem, encontrei um livro sobre Akrotiri em uma estante que fica lá embaixo, perto da entrada. É uma pequena biblioteca, e li um pouco sobre a escavação. Se é que a Atlântida existiu de verdade, entendi o motivo de tanta gente acreditar que ficava ali. Supostamente, a cidade possuía recursos avançados, certo? Pelo que li, Akrotiri estava tão à frente do resto do mundo naquele tempo que é impressionante. Só desenterraram uma pequena parte do lugar. Tem muito mais pela frente, e grande parte está debaixo d’água. Mas olhem só o que encontraram: estou falando de prédios de vários andares, bairros inteiros, teares para fabricar os tecidos que exportavam. Tinham água corrente, quente e fria. Pensem um segundo nisso. Quatro mil anos atrás, antes de todo o resto do mundo, água corrente. Então o vulcão entrou em erupção, e... tchau, tchau, Akrotiri. Drake ficou impaciente: — Tudo isso é muito fascinante, mas... — Sim, sim Sully continuou, franzindo a testa. — Vou chegar lá. O vulcão não foi o único problema. Houve vários terremotos em Thera naquela época, antes do dia da grande erupção. Mas os tremores não pararam depois dela. Não são mais tão frequentes, mas ainda acontecem. Ocorreu um de grandes proporções aqui em 1956, que causou muitos danos à vila atual de Akrotiri. Ela fica próxima à escavação, mas não é exatamente vizinha. Esse povoado foi construído ao redor de uma fortaleza medieval que se localizava no topo de uma colina, mas o terremoto de 1956 foi forte mesmo: destruiu várias casas e transformou essa fortaleza num monte de ruínas instáveis. As casas ao pé da colina foram reconstruídas, mas esse castelo ficou praticamente abandonado e intocado por mais de meio século. Sully sorriu. — Sei que tudo isso é muito interessante. Mas fica ainda melhor se considerarem isto. Abriu o diário em uma página que marcava com o dedo. Havia desenhos de labirintos e notas escritas nas duas folhas. Em meio aos rabiscos, Drake levou alguns segundos para notar os garranchos no cantinho da folha, bem à esquerda. “Terremoto de 56”, Luka escrevera ali. “Sob o Goulas?” — “Goulas”? O que é isso? Drake perguntou. — Posso apostar que é o nome grego dessa fortaleza que você mencionou —Jada respondeu. Sully lhe lançou um olhar de aprovação. — Garota esperta. — Estava radiante, parecendo quase tão orgulhoso dela quanto estava de si mesmo. — Ora, vejam só — Drake provocou. — Achei que Victor Sullivan nunca tivesse feito dever de casa na vida. Sully despencou na cama, colocou o diário no peito e botou as mãos atrás da cabeça. Era a descontração em pessoa. — Bom, acho que isso mostra que dá pra ensinar novos truques a um macaco velho ele disse. — Então não vamos a Therasia amanhã? — Jada perguntou. — lan parecia ter tanta certeza de que a referência a Therasia naquele jarro significava que era lá o labirinto... E devemos admitir: tinha muita lógica no que ele disse. Drake foi até a varanda e olhou para fora, observando o luar que iluminava as águas da caldeira. — E ainda tem. Mas já faz muito tempo que tudo isso aconteceu. O que chamamos hoje de Therasia pode não ser o mesmo lugar que era chamado assim naquela época. Não vamos saber com certeza até procurarmos, mas, se pensar sobre Knossos e a Cidade dos Crocodilos. os labirintos não ficavam na cidade, nem mesmo ao lado do templo; ficavam a certa distância deles. Isso estaria de acordo com a localização da fortaleza. —O que significa que o labirinto deve estar debaixo da terra — Sully completou. Que foi construído dentro da colina. Devem ter levado um tempo dos diabos pra terminar tudo. Drake se concentrou naquela informação por um minuto, depois olhou para Jada: — Seu pai achava que ficava sob o Goulas. Jada se aproximou dele, e os dois fitaram o mar por um longo instante. Então ela sorriu e se voltou para Sully: — Acho que é suficiente para mim. Vamos nessa. 14 sol começou a se movimentar sem pressa pelo céu logo depois que Drake se arrastou para fora da cama. Agora, o relógio no painel do táxi onde os três estavam se aproximava das nove da manhã, e o motorista grego desviava dos buracos na estrada rumo à vila de Akrotiri. Assim que chegaram, Drake achou que estavam no lugar errado, mas o taxista explicou que os turistas que visitavam as ruínas raramente se davam ao trabalho de parar no lugarejo, costume que os moradores locais apreciavam. O lugar lembrava as pequenas cidades americanas que haviam sumido como pó no início do século XX, quando as grandes autoestradas que cortam os Estados Unidos foram construídas, tornando quase obsoletas as rodovias locais e legando ao esquecimento as cidades que antes tiravam proveito delas. Com a exceção de uma solitária cúpula azul ao centro, o vilarejo que se espalhava aos pés da colina parecia um apanhado de blocos de brinquedo esparsos, pintados de branco e deixados ao sol para secar. Erguendo-se em meio àquela paisagem inóspita encontrava-se a colina sobre a qual Sully lera, e, acima dela, a torre do Goulas, com a fortaleza ao redor. Enquanto o táxi percorria as ruas estreitas do vilarejo, as pessoas paravam para vê-los passar, os olhos semicerrados de curiosidade, alguns com uma expressão nem um pouco amistosa. Pelo visto, os moradores viviam e trabalhavam ali mesmo, tocando a vida em completo desinteresse pelo comércio e turismo que movimentavam o restante da ilha. Ao adentrar o interior da vila de Akrotiri, Drake teve a sensação de voltar no tempo. O motorista os conduziu colina acima o máximo possível, passando pelo prédio da solitária cúpula azul e seguindo depois em direção às ruínas da muralha da fortaleza. Nesse ponto, tiveram de descer. Drake pagou o dobro do valor da corrida e prometeu dobrá-lo de novo se ele viesse buscá- los às cinco da tarde. Pegou o telefone da central de táxi, e o motorista prometeu voltar no horário marcado. Ficou observando o carro se afastar, levantando uma nuvem de poeira atrás de si. De onde estava, conseguia avistar várias outras trilhas de poeira no ar, bem menores a distância, causadas por veículos que se dirigiam à vila ou, mais provavelmente, à escavação. — Acha mesmo que ele vai voltar? — perguntou Jada, observando o rastro de poeira, tudo o que podiam enxergar do táxi indo embora. — Não podemos perder a esperança. Tinham oito horas até que o taxista voltasse, se é que de fato voltaria — tempo suficiente para explorar as ruínas. Se o labirinto estivesse mesmo ali e houvesse um meio de entrar, eles o encontrariam. E, se saíssem de mãos vazias, podiam perfeitamente ligar e pedir ao motorista que viesse mais cedo. Ainda assim, havia a possibilidade de terem de andar muito caso ele não aparecesse. Drake abriu o zíper da mochila e se certificou de não ter esquecido nada importante: águas, frutas e queijo do hotel, corda, arma. Estava tudo lá. Os três levavam praticamente os mesmos suprimentos, mas a esperança era de que só precisassem usar as lanternas que Sully e Jada carregavam. — Lugar bonito — Sully resmungou, olhando a fortaleza acima deles. — Deviam transformá-lo numa pousada. — Sinto-me como em uma versão grega de Drácula — Jada comentou, também observando a fortaleza. — Temos aqui as ruínas de um castelo e uma pequena vila repleta de pessoas que olham feio quando você passa. Só falta um Drácula grego. — Combinaria com nossa sorte costumeira — Sully disse. Soltando um profundo suspiro, começou a andar. — Que bom que não existem vampiros —Jada respondeu, indo atrás dele. Drake não fez nenhum comentário. Colocou a mochila nas costas e os seguiu. — Espera aí, eles não existem de verdade, não é? — ouviu Jada perguntar. — Até hoje não cruzamos com nenhum — Sully admitiu. — E olha que já vimos coisas bem estranhas. Algumas vezes, histórias são só histórias. Além disso, vampiros são totalmente irreais mesmo. São sempre os mais bem-vestidos, certo? Mas como pode ser, se passam a noite acordados, matando gente e bebendo sangue, e o resto do dia vivem em túmulos e criptas, ou sei lá onde? Não parecem ser criaturas muito afeitas à arte da lavanderia. Coisa mais idiota. Quem acredita nessa palhaçada? Drake sorriu. Lavanderia... Sempre podia confiar em Sully para encontrar um ângulo prático para as coisas. Aproximou-se de Jada e Sully, que nesse momento procurava por um charuto no bolso, mas aparentemente o havia deixado no hotel. Conseguira se lembrar de levar a arma, mas não o charuto. Drake quase lhe disse que era seu subconsciente explicando o que realmente pensava sobre fumar; mas decidiu não provocar o amigo. Não cutuque a onça com vara curta, Sully costumava dizer quando Drake era mais novo. Era uma das regras mais inteligentes que conhecia. Começaram dando uma volta completa na fortaleza, seguindo o perímetro do prédio e examinando os pontos de desabamento. A estrutura medieval de pedra começara a ruir como um castelo de areia em alguns lugares, consumida pela erosão, mas em outros permanecia forte. Encontraram pouquíssimos locais onde houvesse rachaduras nas paredes externas da fortaleza, e nenhum sugeria a existência de qualquer coisa sob ela. Nos pontos mais perigosos, tinham tentado bloquear a passagem. Havia placas, e em um dos lugares fora colocado um pedaço de grade que parecia razoavelmente recente, embora, pelo visto, o governo da vila ou da ilha tivesse ficado sem orçamento para completar a obra. Uma grade metálica de cerca de quatro metros, mas com as duas laterais completamente livres, não ajudaria muito a manter visitantes curiosos do lado de fora. Drake e os companheiros nem diminuíram o passo ao passar por ela. Já dentro da fortaleza, encontraram uma porta com o batente parcialmente desabado. Vigas sustentavam a estrutura acima para evitar que mais pedras caíssem de lá, e um bloqueio feito com portas de madeira fora colocado na passagem. Talvez a madeira fosse forte à época da instalação, mas o clima árido e a maresia tinham-na deixado esturricada e fraca. Uma corrente fazia as vezes de fechadura, porém, sob o impacto de três chutes de Drake, soltou-se inteira, e as portas se abriram. Sem mais dificuldades, entraram. — Vamos ver o que conseguimos encontrar antes que a polícia apareça — Jada falou. Sully fechou as portas e as escorou com dois blocos pesados de pedra, para evitar que o vento as fizesse abrir para o lado de dentro. — Será que há tiras aqui? — perguntou. — Talvez não na vila, mas, na ilha, com toda a certeza —Jada respondeu. — Esse é um dos lugares mais remotos que se pode encontrar em Santorini — Drake comentou. — Acho que não deve haver muitos telefones por aqui. E, não importa quanto as pessoas nos olhem torto lá na vila, com certeza turistas às vezes visitam o lugar. É mais provável que nos considerem idiotas desocupados que vândalos, ladrões ou coisa do gênero. — Então estamos contando que presumam que somos americanos babacas? — Sully perguntou. Drake deu de ombros. — É bem por aí. — Bom, tem tudo pra dar certo — Sully concordou, após ponderar um instante. — Mas, se demorarmos muito por aqui, alguém vai chamar a policia pra dar uma olhada na gente, ou quem sabe eles próprios venham nos procurar. — Então parem de conversar e mãos à obra —Jada sugeriu com um sorriso. Sully bateu continência: — Sim, senhora. Por mais de uma hora, exploraram o jardim e outros aposentos da fortaleza. Alguns se encontravam completamente destruídos e cheios de escombros, e Drake tentou não pensar no que poderia estar oculto sob aquele monte de pedras. Se o acesso que procuravam houvesse sido fechado pelo terremoto, precisariam de muito mais que seis mãos para encontrá-lo. Alguns cômodos estavam bem preservados, embora vazios, e a poeira no chão não os deixava esquecer de quanto a estrutura era instável. O vento que vinha do Mediterrâneo soprava com força de tempos em tempos. Quando assobiava colina acima e atravessava as fissuras nas paredes, a fundação parecia tremer. Durante mais de duas horas, examinaram ruínas de escadas e investigaram alcovas escuras. Por toda a fortaleza viram rachaduras nas paredes, e em alguns locais o chão chegara a ceder. Avançavam com muito cuidado nesses pontos, andando na ponta dos pés em cômodos onde Drake jamais teria ousado entrar se tivesse escolha. Estavam com as armas na mão, e Sully e Jada levavam as lanternas que tinham trazido da escavação na Cidade dos Crocodilos, antes de deixar o Egito. A de Sully piscava às vezes, dando sinais de que a bateria não duraria muito, mas por ora funcionava bem. Várias das rachaduras nas paredes e no chão se abriam em fendas. Os três examinavam os vãos com cuidado, procurando qualquer sinal de espaços abertos. Em um dos cantos menos danificados da fortaleza, Drake encontrou uma porta que dava para uma escadaria. Os degraus conduziam para baixo. - —Jada, preciso de iluminação aqui — chamou. Ela e Sully se juntaram a ele, as lanternas apontadas para a escuridão da velha escadaria. Parte da parede à esquerda havia desabado, mas mesmo assim Drake começou a descer, com toda a cautela possível para não avançar além do alcance das lanternas. Conseguiram encontrar um caminho sobre os escombros e depararam com uma passagem no fim dos degraus. Parte de uma, na verdade, porque o corredor à esquerda estava sem acesso, devido a um desabamento. O teto cedera por completo, e o que quer que existisse naquela direção encontrava-se inacessível agora. O corredor à direita, no entanto, parecia mais promissor. Se a porta fosse feita de metal, jamais teriam conseguido passar por ela. O terremoto sacudira e danificara a parede de tal forma que o batente a prendia na parte de cima. Toda a estrutura estava fora de esquadro, pendendo para a esquerda e travando o restante da porta com firmeza. A pressão era tanta que a madeira chegara a rachar no meio. As tábuas eram grossas, mas estavam lascadas, e as partes superior e inferior só não tinham se rompido inteiramente porque a armação com tiras de ferro do desenho externo impedia. —Estou um pouco preocupada... Isso tudo não vai desabar se tentarmos arrombar a porta? —Jada perguntou. Drake e Sully estudaram a situação. Sully passou os dedos ao longo do topo da porta, onde o batente a pressionava com força. — Não posso prometer que não há risco de isso acontecer — ele respondeu. Drake fez pouco-caso: — Fala sério! Acha mesmo que este pedaço de madeira está segurando os milhares de toneladas de pedra acima de nós? — Não — Sully replicou, franzindo o cenho enquanto examinava o batente. — Mas é ele que está impedindo o desabamento a porta. — Deu de ombros. — Ah, que se dane! —— e deu um chute com toda a força, fazendo a madeira ranger e uma nuvem de poeira cair do teto. Seguiram-se outros dois chutes rápidos, e então SuIIy se afastou, massageando o joelho. — Está tudo bem com você, velhinho? — Drake perguntou, com um sorriso irônico. — Por que não tenta me ajudar, espertinho? — Sully grunhiu. — Ficaria muito feliz em ajudá-lo se tivesse me avisado antes de começar a despejar todo esse kunf fu furioso nesta porta velha e desprezível. Sully inspirou profundamente e se preparou para mais um chute. Jada cobriu a boca, para que ele não a visse prestes a cair na gargalhada. — Tá legal, Zangado — Drake disse. — Deixe-me tentar antes que a gente acabe tendo de carregar seu velho traseiro escada acima. — Meu velho traseiro ainda é jovem o suficiente pra te botar desmaiado no chão Sully avisou. No entanto, ficou alongando a perna, como se tentasse recolocar o joelho no lugar. — Mas tudo bem, pode tentar. Drake sorriu, sabendo que sua expressão exibia um triunfo arrogante, mas ao mesmo tempo incapaz de se conter. Olhou bem para a porta, determinado, e deu um chute forte, que fez a madeira envergar ainda mais. Ela rangeu, a fenda se abriu, mas os ferros na extremidade não cederiam tão fácil. O impacto contra a porta fora tão forte que uma fisgada de dor subira por sua perna e fizera os dentes ranger, mas não permitiria que Sully percebesse. Chutou mais uma vez, e o batente de pedra maciça pareceu se mover um pouco, ou talvez fosse a porta cedendo. Era difícil dizer. Lançou um rápido olhar para Jada, que parecia preocupada. Se não tivessem examinado todo o resto da fortaleza, poderia sugerir que continuassem a buscar em outra parte, mas era ali que a trilha acabava. Se não encontrassem nada do outro lado da porta, teriam de começar da estaca zero. Drake percorreria os vários aposentos e todos os andares da estrutura de novo, com ainda mais atenção que da primeira vez. E Jada iria com Sully à vila perguntar aos moradores sobre o terremoto e o que teria existido na colina antes da construção. — Acho que jogamos o dia todo no lixo — Drake comentou. Jada havia prendido o cabelo num rabo de cavalo e, ao franzir a testa e cruzar os braços, era o retrato perfeito da adolescente teimosa. —Está pensando em desistir? — ela perguntou. — Não — Drake se apressou em responder. Decidiu que aquele não era o momento ideal para sugerir que chamassem o táxi e saíssem para beber alguma coisa. Tirou a arma da parte de trás da calça e a entregou a Jada. — Pode segurar para mim um instantinho? — pediu, deixando a mochila no chão. Quando ela pegou a arma, Drake respirou fundo, mirou a porta e foi em sua direção. No exato momento em que tirou os pés do chão, soube que tivera uma ideia idiota. Querer bancar o herói de filme de ação sempre terminava em costelas, sem mencionar o ego, em pedaços. O arrependimento, no entanto, durou apenas um instante, até que o pé atingisse a porta e ela se arrebentasse, o rangido alto do metal cedendo e da madeira estourando. Drake tentou amparar a própria queda com uma das mãos, mas bateu em cheio o joelho no chão. Fez uma careta, inspirou profundamente para não gritar e se levantou devagar, massageando o joelho, do mesmo modo que SulIy um minuto antes. — Pensou que fosse Bruce Lee? — Sully o provocou. —Abri ou não a porta? — Drake retrucou, batendo a poeira da calça. — Vocês dois sempre implicam assim, como crianças? —Jada perguntou. Drake e SulIy trocaram um olhar. Ambos sorriram. — Nem sempre — Sully respondeu. — É ele quem começa — Drake se justificou. — Sou inocente. Sully revirou os olhos. — Devo ser louco em ter permitido que me seguisse tantas vezes durante esses anos ele disse, desviando dos destroços da porta e usando a lanterna para iluminar o aposento que estivera fechado por mais de meio século. — Você permitiu? Eu é que te deixo vir comigo. Mas isso vai mudar, pode ter certeza, seu velho ranzinza de charutos fedorentos. — Chega de me encher por causa dos meus charutos — Sully o preveniu, a voz ecoando pelas paredes do que parecia ser um cômodo bastante amplo. — Concordo —Jada sussurrou para Drake. — Chega de falar dos charutos. — Estou ouvindo, viu? — Sully se manifestou. — Que bom, era pra ouvir mesmo — ela retrucou. Jada devolveu a arma a Drake, que a recolocou na cintura e pegou a mochila do chão. Os dois passaram pela porta estilhaçada, e, conforme a atravessavam, ele observou melhor o batente. Preferiu não comentar nada, mas não gostou do que viu. A porta de fato funcionava como uma grande viga de apoio, como Jada suspeitara. Pelas rachaduras das pedras acima descia agora uma fma poeira. Mas aquela era a última chance deles, o único lugar que restara. Se fossem embora sem explorá-lo ficariam para sempre com uma dúvida na cabeça. — De repente me deu uma sede... — Sully disse, oscilando a luz da lanterna de um lado a outro. Quando Jada fez o mesmo com a sua, focando primeiro o teto e depois o espaço à frente, Drake entendeu o comentário irônico. Encontravam-se em uma adega medieval. Ao contrário do restante da fortaleza, esse aposento havia sido escavado direto na pedra original, no topo da colina. O teto, abobadado, fora construído com blocos de pedra e possuía alcovas em forma de arco ao longo das paredes. Velhos barris empilhavam-se dentro delas, mas, com o decorrer dos anos, a madeira tinha ressecado tanto que as tampas haviam sucumbido, e o vinho, vertido barril afora e evaporado, restando dele apenas manchas escuras no chão e um vago aroma inconfundível. — Muito legal. Como é que não tenho uma destas em casa? — Drake perguntou. Não obteve resposta. Jada e Sully tinham começado a vasculhar o local. Drake imaginou que estivessem examinando as alcovas em busca de alguma passagem secreta, uma vez que não havia sinal de rachaduras nem de fendas na superfície da caverna. A fortaleza fora erigida pelo menos centenas de anos após o labirinto ser abandonado, mas, se era ali que se encontrava a terceira obra de Dédalo, era inteiramente plausível que quem houvesse construído o local soubesse dele e tivesse providenciado algum tipo de acesso. E, como a adega fora feita sobre a pedra original, fazia sentido que a passagem estivesse por ali. Porém, relanceando o olhar pela sala em meio à escuridão, já que estava sem lanterna, Drake chegou à conclusão de que o local tinha apenas um propósito: estocar vinho. — Gente, não é aqui a passagem para o labirinto — ele disse. — Talvez não seja mesmo — Sully concordou. Mas Jada continuou procurando. Tentava agora arrastar um barril do caminho para iluminar a parede atrás dele. —Jada... — Drake a chamou. — Me dá um segundo — ela pediu. Drake enfiou as mãos nos bolsos. Se Jada queria que ele esperasse, era o que faria. A moça tinha sérios motivos para desejar decifrar aquele mistério. Drake se voltou para Sully, que começara a examinar o teto com a lanterna. Havia rachaduras ali que não tinham notado ao entrar. Não gostou nem um pouco daquilo. — Deveríamos dar o fora daqui — comentou. Sully continuou examinando o teto. No canto mais afastado da adega, uma fissura longa, ziguezagueante, com vários centímetros de largura em alguns pontos, havia sido aberta no teto. Drake se aproximou do foco da lanterna para observar melhor. Não gostava mesmo daquilo. — Estão ouvindo? — Sully perguntou. Detiveram-se para escutar. Jada desistiu da busca atrás do barril ficou imóvel, ouvindo com toda a atenção. De início, Drake não distinguiu nenhum som em particular. No porão daquela fortaleza abandonada, os ruídos pareciam tão distantes! Esperava ouvir o uivo do vento, um grito abafado ou talvez passos no corredor lá fora. Mas percebeu que o som se dava em outro nível, mais próximo. Era um ronco baixo e parecia vir de dentro do próprio crânio. Não vem da cabeça. Está subindo pelo corpo. E estava mesmo. O ruído se assemelhava a um murmúrio, mas, ao mesmo tempo, era como algo sendo triturado e subindo pelas pernas, vindo do chão, fazendo os ossos tremer de modo quase imperceptível. Olhou para os pés em crescente estado de ansiedade, mas algo o distraiu por um instante. Os barris que ficavam na alcova logo atrás dele tinham perdido o conteúdo havia muito tempo, e uma pequena poça de vinho formara uma marca escura, semelhante a sangue, ao secar no chão de pedra. Drake seguiu a trilha com os olhos e percebeu que terminava na parede dos fundos. — Sully, me dá sua lanterna — pediu. — Nate, temos de sair daqui agora — Sully avisou em tom urgente. — Só um segundo. Relutante, Sully concordou, e Drake usou a luz da lanterna para seguir o trecho de vinho seco escorrido até a parede. O chão já possuía aquela leve inclinação na época em que os barris tinham estourado, mas não havia nenhuma mancha grande junto à parede onde o liquido deveria ter se acumulado. Não fazia o menor sentido. Drake se ajoelhou, iluminando a mancha de vinho, e conseguiu ver por onde o líquido desaparecera. No ponto em que a parede encontrava o chão, ainda que a adega tivesse sido escavada na rocha original, havia uma rachadura em uma das quinas. A bebida não tinha se acumulado junto à parede porque escoara por aquela fenda e descera colina adentro. — Olhem só pra isto — Drake disse. — Nate — Jada o chamou, preocupada, enquanto observava as fissuras que Sully encontrara no teto. — Só mais um instante — Drake insistiu. — O vinho foi parar em algum lugar. Sei que pode ser apenas uma fenda na rocha, que não significa necessariamente que Luka estivesse certo sobre a localização do labirinto, mas... — É claro que estava certo! —Jada afirmou. — Os pais em geral acham que têm razão sobre tudo, mas, quando o assunto era pesquisa, o meu não era de dar bola fora. Ele criava hipóteses, claro, mas, se há aquela referência no diário, não estamos errados em acreditar que havia outras pistas e evidências que ele encontrou e nós, o. Talvez tenha mais informações no caderno, algo que ainda não sabemos interpretar direito. Sully ficou estático. Um instante depois, Drake sentiu o tremor que assustara o amigo. — Quer saber? — Drake falou. — Se há um meio de descer, não está nesta sala aqui. Sugiro que a gente... O ruído de rochas se movendo foi tão ensurdecedor que ele se calou. Toda a sala passou a tremei e foi o bastante para Drake. — Vamos cair fora daqui! — berrou, empurrando Jada para a frente. Drake iluminava o caminho com a lanterna de Sully. Jada focou o teto com a sua, e ele não pôde evitar um rápido olhar, só para constatar que as fendas se abriam em grandes vãos em meio às fileiras de pedras colocadas acima séculos atrás. O barulho ficou tão alto que abafou até mesmo seus pensamentos e, no exato momento em que ia gritar para que Sully se apressasse o teto da adega começou a desabar. Uma das pedras o atingiu no ombro, e mais uma vez ele empurrou Jada, agora com mais força. Ela voou de encontro a Sully, e os dois atravessaram a passagem aos tropeços, espatifando-se no chão do corredor, aos pés da escada. Drake soltou um palavrão ao ver o batente de madeira cedendo sob o peso das ruínas acima, com a pressão de toneladas de rocha que se reacomodavam. Saltou passagem adentro bem no instante em que o batente cedeu e um pedaço gigantesco de pedra desceu com força, quase lhe atingindo uma das pernas. Os três se arrastaram para longe da porta, levantando-se, cambaleantes, enquanto todo o corredor vibrava ao redor deles. A rocha parecia prestes a bloquear a adega para sempre, mas então balançou e se inclinou para trás, e os três assistiram, perplexos, quando foi tragada por um buraco que se abriu onde antes era o chão do lugar. Parte considerável da fortaleza acima deles despencou na adega. abrindo dois grandes fossos no chão. A quantidade de escombros foi tão grande que preencheu uma parte do grande buraco criado pelo desmoronamento. As pedras foram se assentando, e eles tossiram, cobrindo boca e nariz até que a poeira baixasse um pouco. — Só pode ser brincadeira — Sully murmurou, apanhando a lanterna e iluminando os rombos no chão destroçado. — Quase morremos -—--Jada disse, as pernas bambas. — Pois é — Drake concordou. — Por outro lado... Jada iluminou os escombros com a lanterna, e avistaram um corredor abaixo deles. — Isso mesmo. O Labirinto de Thera. — É melhor que seja mesmo — Sully comentou. — Ou fizemos toda essa bagunça por nada. — Tudo o que fizemos foi abrir uma porta — Drake argumentou. — Falou o Capitão Kung Fu — Sully retrucou. — Caramba, será que podemos nos concentrar apenas no labirinto, por favor? —Jada pediu. Sully envolveu os ombros dela com um dos braços: — Pode confessar, querida. Sabemos o quanto divertimos você. É como embarcar em uma aventura no Mediterrâneo com um par de astros do vaudeville. — Ou um par de irmãos irritantes que nunca tive — ela ponderou. Drake se agachou à beira do fosso que se abrira no local onde existe uma velha adega até minutos atrás. A poeira ainda pairava no ar, uma nuvem baixa sobre as ruínas. O enorme pedaço de pedra que se alojara perto da porta formava uma espécie de rampa acima dos destroços mais perigosos. A fortaleza parara de tremer, e as pedras haviam deslizado umas sobre as outras até assentar. —Jada, posso lhe fazer uma pergunta? — Drake indagou. —Claro. Ele se virou para ela e arqueou uma das sobrancelhas, no rosto um riso malicioso. — Você tem idade suficiente pra saber o que é vaudeville? — Ei — Sully interrompeu. — Não tire sarro do vaudeville. — Não estou tirando sarro. Só chamando você de velho... Sully se sentou ao lado dele e deixou as pernas pender no recém-aberto. — Não sou velho; sou maduro. E, para sua informação, nem era nascido na época do vaudeville. Só que assisti a um monte de filmes antigos. Drake sorriu, mas não retrucou. Não podia culpar Sully; também adorava filmes antigos. — Vamos ficar de bobeira? —Jada perguntou. Por um instante, Drake pensou que estivesse se referindo ás provocações entre eles. Mas então percebeu que ela olhava para dentro do fosso, em pé atrás deles. A porção de teto desabada era tão grande em alguns pontos podiam avistar o belíssimo céu azul que cobria o mar Egeu. Mas estavam bem mais interessados no que fora revelado abai deles do que na beleza que se entrevia acima. Sully apoiou as mãos nas bordas do fosso e se arrastou para a frente. — Ei, tio Vic, tome cuidado! —Jada pediu. Os três prenderam a respiração ao mesmo tempo, mas o enorme pedaço de pedra não se moveu quando Sully deslizou por ele. Ao chegar aos escombros, esperou que Drake o seguisse. A pedra estava quente sob o toque de suas mãos. Assim que atingiu o fundo, olhou para cima, onde estava Jada. — É uma ideia realmente idiota — ela esbravejou, sentando-se na beirada do fosso. Drake e Sully trocaram um sorriso. — Nunca deixamos esse tipo de coisa nos impedir antes — Drake disse. Jada deslizou pela pedra, e Drake a segurou no final. Os três mantinham um ar de preocupação estampado no rosto, mas não queriam admitir o quanto os próximos passos poderiam ser perigosos. Sob os pés deles havia centenas de toneladas de pedra, tanto da superfície destruída da adega quanto da porção desabada da fortaleza. Mas a passagem que os aguardava no fim do monte de escombros os chamava convidativamente. Existiam mistérios ali, e era para desvendá-los que tinham vindo. Não lhes dariam as costas agora. Andaram com cautela em meio ao entulho. Diversas vezes, as pedras sob os pés de Drake se moveram, instáveis, e ele teria perdido o equilíbrio não fossem Sully ou Jada o agarrarem. Também os auxiliou do mesmo modo, e logo venciam as ruínas, com um ou outro pedregulho deslizando ao redor. Drake se adiantou e saltou a poucos metros de chegarem ao fim, alcançando o corredor. Quando Jada e Sully se aproximaram também, olhou para cima, observando as fendas que deixavam entrever o céu. Só então considerou a dificuldade que teriam para escalar as pedras acima sem que tudo cedesse abaixo deles. Quase riu ao se imaginar como Sísifo tentando rolar a pedra morro acima, e se deu conta de que tinham quatro ou cinco horas antes que o taxista retornasse. A esperança era de que esse tempo fosse suficiente para encontrar um meio de sair dali. — Tudo certo? — Sully perguntou. Jada respirou profundamente, testou a lanterna e com ela iluminou a entrada do corredor escuro à frente. — Tudo certo — repetiu. Drake estaria mais feliz se tivesse uma lanterna também, mas que Sully e Jada levavam proporcionavam iluminação suficiente. E, caso precisasse de uma tocha de emergência, tinha um isqueiro no bolso. — Sigam a estrada de tijolos amarelos — Drake brincou, em alusão ao Mágico de Oz, a voz ressoando pelo corredor e voltando num eco sussurrante. As rochas emitiram um ruído atrás deles, assentando um pouco mais. Por um instante, ocorreu a Drake que, instável como se encontrava, o restante da fortaleza poderia desabar enquanto estivessem no subterrâneo, prendendo-os lá. Tentou afastar esse pensamento, mas ele se manteve vivo em sua mente, assombrando-o. O corredor os conduziu na direção norte por mais uns cem passos, em um declive crescente, depois desviou em sentido oeste, onde terminava abruptamente em uma escadaria íngreme. Nas paredes de pedra, notaram pequenas cavidades entalhadas a intervalos regulares. Drake enfiou o dedo em uma delas e o lambeu depois. Fez uma careta por causa do gosto ruim. — É óleo para iluminação — disse. — Não tem mais nada aqui, mas eram lamparinas. Enquanto desciam a escada, Jada e Sully usavam a lanterna para iluminar as paredes e o teto, procurando alguma pintura, algum ornamento ou outro tipo de expressão artística, mas sem sucesso. Até ali, só haviam encontrado um complexo subterrâneo, construído na colina sob a fortaleza de Akrotiri, porém sem nenhuma indicação de que estivessem em um labirinto. Havia flores sobre uma porta. Não de verdade, mas um desenho esculpido na pedra, um pequeno arranjo de flores com grandes pétalas. Sully manteve a lanterna sobre o entalhe, e os três o estudaram por alguns minutos. — Que flores são essas? — Drake perguntou. Sully resmungou: — Tenho cara de florista por acaso? Os dois se voltaram para Jada. — Que foi? — ela perguntou, dando de ombros. — Só porque sou mulher tenho de ser especialista em botânica? Não tenho a menor ideia da espécie delas. Só sei que são flores. Drake fez menção de fazer uma de suas brincadeiras, mas Jada lhe lançou um olhar que o manteve calado. Passaram, então, pelo arco de entrada. — Qual é o problema? — Sully perguntou. — Mulheres gostam de flores. Drake balançou a cabeça. — Você é um homem das cavernas mesmo. — E você é o quê, Senhor Sensibilidade? — Venham logo! —Jada vociferou para os dois. As provocações entre eles já estavam lhe dando nos nervos, o que só aumentava o divertimento de Drake. Também era um modo, esperava, de distraí-la de sua tristeza e, ao mesmo tempo, do perigo que corriam e da culpa pelo sequestro e possível assassinato de lan Welch. Estavam no limite, temendo que os encapuzados que os haviam esperado no Labirinto de Sobek pudessem estar escondidos na escuridão em que se encontravam agora. — Ela ama a gente — Drake sussurrou para Sully. O amigo meneou a cabeça solenemente, como um sábio. — Como não amaria? O corredor virava à esquerda, depois à direita, e após mais alguns passos chegaram a uma encruzilhada com três caminhos possíveis à frente. — Parece que estamos no lugar certo — Drake ponderou. Jada observou com cuidado cada uma das portas, balançando a cabeça. — Não vai dar certo. Precisamos de corda, de algo melhor que migalhas de pão para criar uma trilha. De outro modo, podemos permanecer aqui embaixo pelo resto da vida. Se nos perdermos, podemos morrer neste labirinto antes de encontrar o caminho de volta. Drake negou com a cabeça. — Não acho que vá acontecer isso. — Como assim? — Sully perguntou. Drake abriu a mochila e tirou um pacote de tecido embrulhado. Desenrolou o pano que havia surrupiado de um carrinho de serviço de quarto, esquecido no corredor do hotel, e o tirou para revelar o diário e os mapas de Luka Hzujak, dobrados e amarrados com cadarços que comprara numa lojinha perto do hotel. — Achei melhor não deixar isto no quarto, no caso de os ninjas ou capangas de Henriksen desejarem fazer uma busca. Além disso, vocês sabem, há os mapas... Sully franziu o cenho. — Mas de que isso vai adiantar? Nenhum desses mapas é deste lugar. Ninguém entra aqui há séculos. — Ele pode ter razão, tio Vic — Jada falou. — Meu pai estava trabalhando com Maynard Cheney, estudando labirintos de maneira geral, entre eles o esboço do que tinha acabado de ser descoberto na Cidade dos Crocodilos. Em alguns trechos do diário, os rascunhos se referem a pedaços dos mapas. Pode ser que não nos digam onde virar a cada curva do caminho, mas podem servir como uma Pedra de Roseta, para descobrirmos a lógica deste lugar. Sully iluminou o diário com a lanterna, enquanto Drake virava as páginas.Jada abriu um dos mapas, depois o segundo, e logo encontrou o que procurava. — Aqui — disse, apontando para uma encruzilhada no mapa do labirinto idêntica àquela diante da qual se encontravam agora. — Não é a porta do meio. Ela nos faria voltar a uma das outras. Ficaríamos andando em círculos. — Se você estiver certa — Sully retrucou. Drake virou mais uma página, depois voltou três. — Ela está certa — afirmou. — Luka tem uma porção de desenhos e indicações diferentes a respeito, e apenas num deles a porta do meio é o caminho correto. — Como vamos saber que esse não é o caso aqui? — Sully perguntou. — Não tenho todas as respostas Drake falou. — Nem Luka tinha. Se tiver de ser por tentativa e erro, é assim que faremos. Sully meneou a cabeça em concordância. — Certo. — Encaminhou-se para a porta à direita, onde as pedras pareciam desgastadas pelo tempo, e deu um chute na beirada, arrancando alguns pedaços de rocha. — Só por precaução — explicou, segurando a maior pedra que encontrou. — Pra que lado vamos? — Tentaremos este primeiro —Jada sugeriu, iluminando o túnel à esquerda. Com o diário aberto nas mãos, Drake a seguiu. Sully pareceu pensativo, mas não comentou nada ao acompanhá-los. Drake estudou a entrada, depois investigou o corredor, que parecia fazer uma curva à esquerda logo adiante. Atrás dele, Sully parou para entalhar algo na parede logo após passarem pelo arco de entrada. — Suas iniciais? — Drake perguntou com um sorriso irônico. — Pelo menos não escrevi “Sully esteve aqui”. — Mas ficou bastante tentado, tenho certeza. Sully deu de ombros. — Fiquei mesmo. Drake fez menção de se voltar para o túnel, mas algo prendeu sua atenção. Esticou a mão e tocou o braço de Sully, conduzindo-o para iluminar, com a lanterna, a área logo acima da porta. Alguma coisa também fora entalhada ali, e não eram as iniciais de Sully. — Jada! — Drake chamou. Ela voltou correndo e usou a própria lanterna para reforçar a iluminação. Com a ajuda extra, conseguiram divisar o desenho de um pequeno diamante entalhado na pedra. — Significa que escolhemos o caminho certo? —Jada perguntou.. Sully voltou para a encruzilhada, mas Drake se lembrou de um detalhe. Sob o foco da lanterna de Jada, examinou as páginas do diário de Luka mais uma vez, e um sorriso brotou em seu rosto. Bateu o dedo com entusiasmo na mesma página que tinha visto antes, mostrando diversas variações de encruzilhadas com três possibilidades de escolha. Em cada uma, o arqueólogo desenhara um pequeno diamante em dois dos caminhos, mas não no terceiro. — Pegue o mapa — pediu. Jada pegou o papel, desdobrou e o abriu no chão. Inclinaram-se sobre ele, estudando-o à luz da lanterna. — O caminho do meio não está marcado — Sully avisou do lado de fora. — Ele desenhou os diamantes aqui também — Jada falou, apontando no mapa uma área em que o pai os rabiscara em vários lugares. Drake se levantou e se dirigiu à encruzilhada, aproximando-se de Sully. Pegou a lanterna e foi até o túnel do meio, examinando a parede acima da porta. Depois foi para a terceira entrada. — É isso! — gritou, triunfante. Sully e Jada estacaram na encruzilhada, o olhar ainda confuso. — Os diamantes marcam o caminho correto? — Não — Drake disse, apontando para uma das portas. — Aparece aqui também. Mas só foi entalhado do lado de dentro. Não tem como ver de fora. — Mas se estão em duas das entradas, como... Sully começou a falar, mas em seguida compreendeu, esboçando um sorriso. — Poxa, gosto disso. O caminho certo é o que não está marcado. — Exatamente — Drake respondeu, lançando a Jada um olhar repleto de empolgação. — Seu pai conseguiu decifrar tudo. Mas nunca teríamos percebido se só escolhêssemos uma das passagens e entrássemos no labirinto. Se fosse uma escolha simples, um caminho ou outro, os diamantes também não ajudariam. Mas aqui há três opções, e isso significa que a ausência do desenho é a marca do rumo certo. Nós nos enganamos. A entrada correta é a do meio. Os três se entreolharam, sorrindo. Correram para o local e percorreram cerca de quatro ou cinco metros, quando Sully parou abruptamente. — Esperem, esperem — disse, voltando com rapidez à entrada e rabiscando as iniciais na parede logo depois da porta. — Só para o caso de sermos completos idiotas. 15 pesar de o desnível ser gradual e sutil, não havia dúvida de que desciam conforme caminhavam para o interior do labirinto, cada vez mais colina adentro. Drake tinha a impressão de que também se afastavam da fortaleza. No Egito, haviam explorado apenas uma parte da estrutura, que poderia ter o tamanho de uma pequena cidade. O Templo de Knossos possuía milhares de salas, e Drake suspeitava que agora estivessem dentro de uma construção tão vasta quanto a de Creta. Existiam câmaras menores que saíam de túneis e corredores, algumas aparentemente usadas para armazenar suprimentos; outras, para algum tipo de ritual. Várias delas exibiam afrescos nas paredes que não eram de estilo egípcio nem grego, mas uma mescla dos dois. Essas descobertas os surpreendiam, assim como o entalhe de flores que haviam encontrado na entrada, detalhe que se repetia em muitos dos aposentos menores. Nos túneis, entretanto, não havia decoração, nenhum afresco, nada que pudesse ser usado como referência por quem estivesse perdido no labirinto. Apenas as câmaras laterais poderiam fornecer pistas a um intruso, mas, mesmo que seus interiores fossem diferentes, os desenhos eram parecidos. Chegaram três vezes a locais que pareciam becos sem saída, mas logo descobriram passagens secretas, e duas vezes desceram escadarias ocultas rumo às profundezas do labirinto. A sensação, em alguns momentos, era de que estavam cada vez mais distantes do ponto de partida e, em outros, de que andavam em círculos gradativamente menores. Os desenhos de diamantes, ou melhor, a ausência deles, ainda não tinha falhado. Graças a esse detalhe, não fora necessário retroceder nenhuma vez por todo o caminho. Mesmo assim, Drake chegou a se perguntar se a trilha sem os desenhos os levaria de fato ao centro do labirinto, ou se, ao contrário, terminariam com os ossos quebrados após uma queda em algum fosso. E havia dezenas deles. Logo depois de uma curva, por exemplo, Drake teve de dar um salto para não cair em um. A partir disso, os três passaram a ter mais cuidado com os trechos sinuosos do caminho. O ar que subia desses fossos era quente, a ponto de provocar gotículas de suor na testa. Quanto mais desciam, mais a temperatura aumentava. — Acho que é o que acontece quando se escava uma ilha vulcânica — Jada disse na primeira vez que tocou uma parede, encolhendo a mão com rapidez, surpresa com o calor. Mas isso não a amedrontou. Ao contrário, incentivou-a, de modo que metade do tempo ela andava à frente deles, ainda que não muito afastada. Não havia como saber se alguma armadilha seria acionada. Prosseguiram por uma série de passagens estreitas. Em uma delas, passaram reto por uma entrada praticamente invisível, escondida pela posição e pela cor das pedras, e tiveram de dar meia-volta quando perceberam que estavam em um corredor marcado com o diamante. Quando encontraram o caminho certo, acabaram em um túnel cujo teto era tão baixo que foram forçados a se curvar para atravessá-lo. Ao alcançar um lugar onde podiam endireitar o corpo de novo. viram-se numa bifurcação cujos caminhos se transformavam em túneis com declives bem acentuados — a primeira vez que encontravam uma descida tão íngreme sem escadas. — Quanto já descemos? Jada perguntou, enquanto procurava pela marca no interior de uma das entradas, iluminando a passagem com a lanterna. — Boa pergunta— Sully respondeu, examinando as paredes da entrada à esquerda. — Olhem isto aqui. Drake se agachou para observar melhor o desenho entalhado na parede. Perto do chão, logo depois da porta, havia um octógono dentro de um círculo, como os da Cidade dos Crocodilos. Aquilo era interessante: apenas um octógono, ao contrário da figura com três octógonos das câmaras de adoração, representando os três labirintos de Dédalo. Mas este era um pouco diferente. Dentro do símbolo, via-se o mesmo desenho de flores que tinham encontrado ao longo de todo o caminho. — Que droga de flor é esta? — Drake falou em voz alta, mesmo sabendo que a pergunta era retórica. Nenhum deles conhecia a resposta. — Nada de diamante aqui — Sully disse, iluminando a pedra acima da porta com sua lanterna. —Jada, vamos — Drake chamou. — É por aqui. Colocou a cabeça para fora e notou que ela estava imóvel, próxima à entrada à direita. Tinha uma expressão intrigada no rosto. — Ei! O que foi? Jada o encarou. — Tem barulho de água aqui. Drake se juntou a ela, e Sully veio logo atrás. Fez um gesto para que Jada tomasse a dianteira, e ela passou a descer com cuidado o túnel inclinado, usando a lanterna para examinar bem o chão antes de dar o passo seguinte. A descida foi se tornando cada vez mais íngreme, até que apenas a aspereza da superfície os impedia de deslizar escuridão abaixo. O ruído de ondas ficava mais alto conforme desciam, e Drake imaginou como era possível terem se afastado tanto da colina. Era fato que a vila de Akrotiri ficava colada ao precipício que delimitava a ilha, mas quanto teriam avançado sob a terra? A pergunta foi se tornando mais e mais desnecessária a, cada passo, conforme o som de água batendo nas rochas aumentava. — Alguém mais notou a diferença de temperatura aqui? — Sully perguntou. — Fiz a besteira de encostar na parede —Jada respondeu. Drake fez um teste, colocando a palma da mão em uma rocha. Apesar de não estar quente o suficiente para queimá-la, a temperatura realmente havia subido. Quando o chão começou a se tornar plano, viram-se em uma pequena câmara cujo piso tinha várias cavidades circulares. Ao contrário dos fossos que tinham visto no nível superior do labirinto, estas pareciam naturais, com vapor subindo delas. — Desliguem as lanternas — Drake pediu. Jada o olhou com estranheza; porém, quando Sully apagou a lanterna, ela o imitou. Jada deu uma pequena exclamação de surpresa. Cada uma das cavidades emitia um brilho avermelhado, embora difuso. — Estamos mesmo em cima de um vulcão —Jada constatou num fio de voz. — Pensou que fosse uma lenda urbana? —— Drake perguntou. Ela voltou a ligar a lanterna. — Não. Só é difícil imaginar como alguém pode viver aqui, sabendo que tudo pode ir pelos ares a qualquer momento. — As pessoas abrem mão de muita coisa pelo paraíso — Sully ponderou. Drake o encarou com espanto: — Essa pode ter sido a coisa mais inteligente que já disse na vida. Sem brincadeira. — Sob essa aparência rude existe um grande filósofo — Sully retrucou. — Vou tentar me lembrar disso — Drake comentou. Atravessaram a pequena câmara e entraram em um túnel sinuoso, e o barulho de água só aumentava. Um minuto depois, a luz das lanternas foi tragada por uma vastidão cinzenta. Sully agarrou o braço de Drake, enquanto Jada estacava, assustada. Examinaram o local com as luzes e descobriram um precipício cerca de três metros adiante. Parte do labirinto havia desabado ali, formando uma caverna que começava nove metros acima de onde estavam, com quase vinte metros de largura. Blocos de pedra e o que parecia ruínas de paredes com afrescos pintados jaziam lá embaixo, iluminados pela luz fraca das lanternas. Encontravam-se em uma caverna submarina. Talvez, com a maré baixa, houvesse uma passagem, mas naquele momento ela estava submersa. A água batia contra as pedras, mas não soava como ondas, e sim num murmúrio oscilante, indo e vindo, como uma respiração líquida. Se aquele era o caminho para o centro do labirinto e as câmaras de adoração, a sorte deles acabara ali. — Um terremoto deve ter acabado com esta parte do labirinto — Jada falou. — Um ou mais — Sully respondeu. — Tenho certeza de que ocorreram vários desde a primeira vez que a ilha toda foi pelos ares. Ficaram ali ainda por algum tempo, observando a caverna e a água do mar, que ora ocultava, ora revelava os escombros lá embaixo, no precipício. Drake distinguiu alguns detalhes nos afrescos das paredes destruídas. Mais uma vez, aparecia a imagem de flores, mas outro desenho chamou sua atenção: uma mulher com um véu, ajoelhada diante de uma figura com chifres, oferecendo-lhe um cálice. Não teria sido capaz de reconhecer a imagem se não tivesse visto uma bem parecida no Labirinto de Sobek.— Vamos nessa — ele disse. — Estamos desperdiçando tempo. Não podemos perder o táxi. Sully tomou a dianteira no caminho de volta. Foi uma subida complicada, principalmente no túnel inclinado, no qual ninguém conseguiu ficar de pé, e tiveram de usar várias vezes as mãos para se apoiar no chão e se proteger de uma queda. — Que saco! Preciso comer menos bolachas recheadas Drake murmurou enquanto escalava o caminho acima atrás de Sully. O calor do labirinto começava a afetá-lo, e lamentou terem trazido pouca água. Subiram por mais alguns minutos. Jada riu baixinho: — Nossa, tio Vic está sem forças até pra tirar sarro. — Só estou me mantendo concentrado — Sully retrucou, a voz pesada de cansaço. Drake preferiu não comentar. Os dois estavam ocupados demais tentando subir o túnel para perder energia com provocações. Quando chegaram à bifurcação, onde o labirinto se tornava plano novamente, Sully respirou com alivio. Ao olhar para cima, Drake notou que o amigo, surpreendentemente, estava sendo iluminado pela luz dourada de uma lanterna, que criava estranhas sombras no corredor à frente. Viu então uma figura saltando no ar e atingindo Sully na cabeça. Ele gemeu de dor e caiu de joelhos no chão, as mãos onde fora atingido. Tyr Henriksen estava de pé sobre ele, com uma lanterna numa mão, uma pistola negra na outra e um sorriso cruel e confiante no rosto. Recuou um passo, esquivando-se de um golpe de Sully e mantendo a arma apontada para a cabeça dele. — Sei que estão armados Henriksen disse. — Mas diria que estou em certa vantagem; balas costumam ser rápidas. Drake compreendeu o aviso e manteve as mãos à vista ao sair do túnel. Ainda podia ouvir vagamente o murmúrio do mar atrás dele.. mas aquele trecho do trajeto parecia distante e belo, como um sonho esquecido. — Deixe-o em paz, seu patife! —Jada vociferou, empurrando Drake e correndo em direção a Sully. Ajoelhou-se ao lado dele, protegendo-o, e Henriksen não fez nada para impedi-la, embora mantivesse a arma apontada para os dois. Outras pessoas foram surgindo no corredor. Do outro lado da bifurcação saíram dois homens armados um baixo, mas aparentemente muito forte, e outro com cara de mercenário, os olhos sombrios e o cabelo rente à cabeça emprestando-lhe um ar de ex-militar com várias ocorrências obscuras no currículo. Três outros saíram do túnel de entrada. Pela aparência e curiosidade nos olhos deles, Drake concluiu que deviam ser capangas gregos. Um deles era bem grisalho, e a pele, tão envelhecida que mais parecia a casca de uma árvore. Drake teve a impressão de que os outros eram filhos desse homem mais velho. Todos portavam armas. Contando com Henriksen, eram seis armas contra as três deles, e havia mais um detalhe que tornava a conta absolutamente inútil: os inimigos tinham sacado as suas, ao contrário deles. — Vocês seguiram a gente — Drake comentou. — Claro que sim — Henriksen confirmou, dando de ombros, os olhos azuis cintilando sob a luz das lanternas de seus capangas. — Vocês tiveram a chance de conversar com Welch antes que nossos amigos encapuzados e misteriosos o levassem embora — ele prosseguiu. E sabemos que têm em mãos as anotações de Luka. Aquela mulher, Hilary Russo, foi útil no Templo de Sobek, mas precisou buscar outro arqueólogo para interpretar os escritos lá, e não podíamos esperá-la e seguir vocês ao mesmo tempo. Foi uma aposta, mas depositamos toda a nossa esperança em vocês. O sorriso dele fez Drake cerrar os punhos de raiva. — Fico feliz em poder ajudar — Sully respondeu, a voz repleta de sarcasmo. — Quer fazer o favor de apontar essa coisa pra outro lado? Henriksen olhou para a arma como se tivesse esquecido que estava em suas mãos. — Esta aqui? Ainda não — Fez um gesto com ela, balançando-a. — O que quero é que os três peguem as armas, bem devagar, e as coloquem no chão. Depois, afastem-se lentamente. Não desejamos atirar em ninguém por aqui. Drake franziu o cenho. Algo no tom de voz de Henriksen o surpreendeu. As palavras soavam quase como verdadeiras. Relanceando o olhar ao redor, percebeu que os outros homens estavam praticamente relaxados. Podiam ser bandidos e até mesmo assassinos, em particular o ex-militar e o tampinha musculoso, mas não pareciam dispostos a matar ninguém. Pelo menos, não naquele momento. Com certeza, se tentasse sacar sua arma, a coisa toda mudaria, mas ainda assim os caras pareciam tranquilos demais para caçadores prestes a abater a presa. Pela primeira vez, imaginou que talvez, de algum modo, tivessem entendido tudo errado. — As armas — Henriksen repetiu, diante da imobilidade dos três. Quando Jada, delicadamente, fez menção de pegar a dela, Drake a deteve, tocando seu braço. Todos os capangas apontaram suas armas para ele. — Acho que não vamos aceitar a sugestão — retrucou, estudando o rosto de Henriksen. Se vão nos matar de qualquer jeito, melhor acabar logo com isso. Henriksen arqueou uma das sobrancelhas. — É um homem estranho, senhor Drake. A maioria das pessoas não pede para ser alvejada. —Já levei tiros antes. E ainda estou vivo. Não que aprecie a ideia. A comida nesta ilha é maravilhosa, e estou louco para provar o prato especial de cordeiro hoje à noite. Com um sorriso sombrio, Henriksen meneou a cabeça. — Parece realmente apetitoso. E, para falar a verdade, não sou muito adepto da ideia de matar. Vocês foram tão úteis me ajudando a atingir certos objetivos... Fico pensando se, talvez, não devo confiar em vocês, para continuar me beneficiando de seu talento com um acordo mais formal. — Prefiro morrer —Jada respondeu, e dessa vez fez menção não de entregar a arma, mas de sacá-la. Drake a deteve, tirando a pistola de sua mão. — Opa, opa Sully disse, levantando-se de imediato para se postar entre Jada e os atiradores. Em seguida, virou-se para Drake. — Qual é seu plano, Nate? — Calma, estou chegando lá — Drake murmurou. — Está de brincadeira? — Jada gritou. — Não tem lugar algum para chegar. Esse cafajeste assassinou meu pai. Henriksen pareceu ofendido. —Jamais faria isso. — Então pagou pra alguém fazer — Sully acrescentou. Os capangas abriram caminho para que alguém saísse da escuridão do túnel à esquerda. Olivia parecia tão linda como sempre, o cabelo dourado cintilando sob a iluminação das lanternas. Fitou Jada com o que parecia ser uma tristeza genuína. — Ele está dizendo a verdade —— Olivia disse. — Onde é que você se meteu? — Sully perguntou. — Está um tanto lotado aqui — ela respondeu, e baixou os olhos. — Não gosto nada disso. Nem das armas, muito menos desses lugares apertados. Não era para estarmos nessa situação. — Ah, você está procurando por isso desde o começo —Jada retrucou. —Admita! Apareceu no restaurante, lá no Egito, bancando a donzela em apuros, a viúva de luto, mas... — Eu estou de luto! - Olivia gritou, e lágrimas lhe marejaram os olhos. Ela as secou discretamente. Eu amava seu pai. Ele tinha suas suspeitas sobre o projeto e o abandonou. Luka poderia ter arruinado tudo. Sei das suspeitas de vocês, mas eu juro: Tyr não teve nada a ver com a morte dele, nem eu. Quem faria uma coisa daquelas? O modo como ele foi... esquartejado... Não conseguiu completar a frase. Os ombros tremeram, e era visível o esforço que fazia para conter sua angústia. Henriksen buscou confortá-la, envolvendo-a com um dos braços. — Você mesma nos disse que suspeitava de Henriksen — Sully disse. — Eu jamais esquartejaria alguém — Henriksen falou. — E, mesmo que tivesse feito, por que agiria de modo tão grotesco, deixando o corpo em um local público, para causar tanto estardalhaço? Drake odiava ter de dizer aquilo, mas alguém precisava fazê-lo: — Tem razão nesse ponto. Jada o encarou como se tivesse sido traída. Sully também assentiu: — Nate está certo. Não estou convencido de que Henriksen permitiria que seu projeto secreto fosse apenas deixado de lado, mas, quando se tenta manter as coisas em sigilo, não faz sentido chamar atenção desse jeito. Quem quer que tenha matado Luka, estava mandando uma mensagem. — E acho que sabemos qual é essa mensagem Drake falou. virando-se para Jada: Você a ouviu em primeira mão no estacionamento do hotel, lá no Egito. Ela se virou para ele, o rosto mostrando que, mesmo com relutância, começava a entender aonde queria chegar. — “Voltem pra casa”. — Lembra quando Maynard Cheney foi morto em Nova York? Chegamos a ele segundos após ser atacado, mas o assassino já havia fugido e sumido sem deixar nenhum rastro. Algum desses sujeitos aqui se parece com matadores tão furtivos assim? — Drake perguntou. Os sujeitos em questão levaram um susto e pareceram ofendidos com aquela ousadia, embora Henriksen tenha feito um gesto para que não interferissem, contentando-se apenas em observar Jada. Drake o estudou, constatando que ninguém teria paciência suficiente para ficar ali, escutando tudo aquilo, se a intenção fosse cometer um homicídio triplo. Jada apontou o dedo para a madrasta, ainda trêmula. — Você nos disse que estava com medo de Henriksen, que achava que ele era o assassino do meu pai! Olivia pareceu envergonhada, e desviou os olhos. — A sugestão foi minha Henriksen confessou. — Queríamos saber o que vocês sabiam. Queríamos o diário de Luka. Drake o olhou com atenção. Duvidava de que o homem os tivesse caçado tanto pensando em matá-los, mas não conseguia engolir toda a inocência que Henriksen tentava aparentar. — E agora, como ficamos? — Drake perguntou. — Estamos aqui. Vocês estão aí. Talvez as respostas que procuram estejam aqui. Talvez consigam descobrir a localização do Quarto Labirinto, se é que Dédalo de fato o projetou, e encontrar o tesouro que tanto desejam. Henriksen franziu o cenho. — Tesouro? — Então ele piscou, sorrindo, e os olhos brilharam. — Seria ótimo. Drake balançou a cabeça. Algo estava errado, mas não conseguia definir o que era. — Digamos que você o encontre. — Sully entrou na conversa. — E depois? Se tentar machucar Jada, eu mato você. — Não duvido — Henriksen respondeu. — Tem minha palavra. Não temos a menor intenção de matar nenhum de vocês. SuIIy olhou para Drake e Jada. — Estranho, mas isso não me reconforta nem um pouco. Drake também não se acalmou. Certas coisas não se encaixavam. Os encapuzados podiam perfeitamente ter matado Luka e Cheney. Podiam até ter incendiado o apartamento de Luka. Mas e aquele furgão lotado de caras armados e os atiradores que haviam tentado matá-los em Nova York? Aquele não parecia o estilo dos ninjas de preto, de jeito nenhum. Drake trocou um olhar com Jada, depois com Sully, e teve a sensação de que os dois também tentavam montar as peças do quebra-cabeça. Talvez não do mesmo modo que ele, mas imaginou que tivessem suspeitas. Nenhum dos três estava muito disposto a unir forças com um cara que mandara um esquadrão de capangas atrás deles, sem mencionar os bandidos que haviam tentado sequestrar Jada no Egito. O tempo todo, o que Henriksen desejava era o diário e todas as mações que os três conseguissem reunir. — Fico feliz em saber — Drake disse a Henriksen. Sorriu para Olivia da maneira mais fria possível. A questão é que não estamos interessados em uma parceria. Fazemos isso por Luka. E o que quer que encontremos no fim do arco-íris não vai terminar no seu bolso, pode ter certeza. Por um instante, Drake pensou que Henriksen fosse mudar de ideia sobre matá-los, O homem ficou rígido, o sorriso congelado em unia máscara cuja fúria mal conseguia disfarçar. Então Olivia tocou seu braço, deslizando os dedos por ele antes de chegar ao pulso. Todos o capangas sentiram a tensão de seu chefe, e os olhos deles cintilaram antecipando a violência que parecia prestes a acontecer. —Tyr — ela chamou. Henriksen respirou fundo e pareceu relaxar um pouco. Os homens ficaram desapontados. — Se isto terminar num banho de sangue, ninguém pode me culpar por não ter tentado mudar o rumo das coisas — disse ele a Jada. Depois se virou para Drake e Sully: Foram tão eficientes em abrir o caminho no labirinto até aqui! — falou com um sorriso, apontando para Sully com a cabeça. Aliás, muito obrigado, senhor Sullivan, por marcar tão claramente o trajeto com suas iniciais. Poderíamos ter nos perdido, não fosse o senhor. — Vá pro inferno — Sully rosnou. O divertimento desapareceu por completo do rosto de Henriksen. — Como falei, vocês se saíram muito bem até agora. Estou inclinado a permitir que continuem a abrir caminhos. Com a arma, fez um gesto para que entrassem no túnel à esquerda, onde a superfície declinava de maneira íngreme, assim como na entrada à direita. Os capangas saíram da frente para que passassem. Olivia trocou um olhar com Jada, como se buscasse alguma compreensão, mas ela a ignorou inteiramente. — Podem ir na frente — Henriksen falou. Resignados, Drake e Sully se entreolharam, ambos conscientes de que fazer o que ele mandava era a única alternativa para eles, a única esperança. Sully usou a lanterna para iluminar o túnel, e começaram a descer. Após percorrerem alguns metros, um tiro ecoou no ar como o estalo de um chicote. Drake se virou, agachando e sacando a arma ao mesmo tempo, e se colocou à frente de Jada e Sully. Ouviram gritos vindos da bifurcação atrás deles. Os feixes de lanterna se cruzaram, cegando-o por um instante. As sombras na parede se uniam e se separavam, evidenciando a ocorrência de uma briga ali, e os ruídos ecoavam labirinto adentro. Viu que Henriksen lutava com uma figura de preto. O homem loiro jogou o encapuzado contra a parede e tomou uma grande lâmina curva de suas mãos. Uma lanterna iluminou parcialmente as costas de Henriksen, e Drake viu sangue escorrendo de um grande corte ali. Agora o bilionário devolvia a gentileza, cravando a lâmina na barriga do inimigo. — Estava me perguntando quando essa cambada iria aparecer — Sully resmungou. Pegou a pistola e passou por Drake, andando em direção ao local da luta. —Não, não faça isso! —Jada pediu, tocando seu braço. — É a nossa chance. — Chance de quê? — Sully perguntou. — De saber quem ganha o direito de nos matar? Mais tiros foram disparados. Ouviram-se gemidos de dor e os grunhidos de quem lutava. Um dos gregos jazia no chão do corredor, a garganta cortada e sangue escorrendo nas pedras. Drake tentou contar quantos encapuzados havia ali e se perguntou se Henriksen teria mais capangas esperando do lado de fora. E, quanto aos ninjas de preto, será que os teriam seguido também ou já sabiam a localização do labirinto? — Não! — Olivia gritou. Por um segundo, escutaram apenas a voz dela. Em seguida, Olivia apareceu à frente deles, emoldurada pela entrada do túnel, correndo com uma lanterna nas mãos. A luz incidiu em cheio nos olhos de Drake, e, quando voltou a enxerga viu que um dos encapuzados corria atrás dela. Drake levantou a arma, mirando, certeiro, a ponta do nariz de Olivia. — Abaixe-se! Ela viu a arma, percebeu o que ele faria e se jogou no chão um instante antes de ele atirar. A bala atingiu o encapuzado no peito, e o homem desabou sobre as pernas dela. Olivia soltou outro grito enquanto se livrava do peso do corpo. — Quem são esses caras? — Sully resmungou mais uma vez, desvencilhando-se do braço de Jada. Subiu o túnel e se ajoelhou para arrancar o capuz do homem, usando a luz para iluminar seu rosto. Os olhos estavam embaçados e sem foco. Os traços eram asiáticos, com olhos escuros amendoados. Quem quer que fosse não era grego, tampouco egípcio. Era mais provável que fosse chinês ou tibetano, Drake pensou. — Obrigada — Olivia disse, agarrando-se ao braço de Sully e se levantando, trêmula. A luta continuava no corredor anterior à bifurcação. Outro disparo ecoou, e a briga, gemidos e grunhidos prosseguiram, embora, com as luzes oscilando a todo momento, fosse impossível distinguir os detalhes. Formas e sombras se digladiavam, e o odor pungente de sangue enchia o ar, mesclado ao cheiro acre de pólvora. Olivia agarrou Jada pelo braço, sem se importar com a arma na mão da enteada. — Façam alguma coisa! — ela gritou, a beleza do rosto vincada pelo desespero. Se matarem Tyr e seus homens, nós seremos os próximos! Jada a empurrou com tanta força que Olivia bateu a cabeça contra a parede. — Não há “nós”, Olivia — Jada vociferou. — Não existe nada entre mim e você. Drake não perdeu tempo dizendo a Jada que Olivia tinha razão; aliás, teve certeza de que ela não daria a mínima ao comentário. Mas não havia dúvida de que estavam encrencados. Se Henriksen sobrevivesse, poderia traí-los no futuro; mas, se ele e seus amigos morressem nos próximos noventa segundos, era melhor viver com a suspeita da traição do que ter o pescoço cortado em breve pelos ninjas de preto. — Sully — Drake falou. — Eu sei. Desviaram do homem morto e escalaram o caminho de volta à bifurcação no corredor. Drake viu de relance o ex-militar cambaleando diante da entrada, o cabo de uma lâmina saindo das costas. Um dos encapuzados voltou ao ataque, com a clara intenção de finalizar o que começara. — Ei! — Sully gritou. O matador se virou. — Esta é por Luka — Sully disse, e alvejou três vezes o encapuzado. — Não acha que exagerou um pouco? — Drake sugeriu. — Não sabemos de quantas balas ainda vamos precisar. Chegaram à entrada e mantiveram as costas na parede, um de cada lado, as armas em posição. Drake estudou o rosto de Sully, tentando se lembrar de quantas vezes os dois haviam estado naquela situação, encurralados, com assassinos impiedosos entre eles e a saída. Mas não perdeu tempo fazendo a conta. — No três — Drake disse. — Um, dois... Olivia gritou de novo, ainda mais assustada que antes. Drake e Sully se viraram e viram Olivia se esforçando para subir a rampa de pedra, desviando do homem morto, os olhos arregalados de puro terror. Jada estava de costas para eles, a lanterna iluminando o fundo do túnel. Mais encapuzados subiam das profundezas do labirinto, escalando o declive como aranhas. — Droga! — Sully gritou. Jada atirou em um deles, tentou se virar e correr rampa acima, mas escorregou e caiu no chão de pedra. Os encapuzados se apressaram n direção dela. Pelo brilho da lanterna de Sully, Drake conseguiu contar quatro deles, sem mencionar o que Jada acabara de alvejar. Passaram por cima do companheiro ferido como se não houvesse ninguém ali. — Pensei que tivessem nos seguido da entrada, como Henriksen — Drake disse. — Eles nos cercaram, isto sim — Sully resmungou. Antes, Drake havia se perguntado se aqueles homens misteriosos sabiam da existência do labirinto, se tinham tanto conhecimento sobre seus segredos e câmaras ocultas quanto tinham do labirinto egípcio, e agora obtivera a resposta. Olivia continuava gritando, e Drake desejou de coração que ela calasse a boca. Mirou e estava prestes a puxar o gatilho, quando Sully entrou na frente. Gritou para que o amigo saísse do caminho, mas, com Jada em perigo, Sully parava de pensar com a razão. Com um rugido que parecia ser um alerta, um grito de guerra e um palavrão ao mesmo tempo, Sully disparou túnel abaixo com os braços à frente, a arma em uma das mãos e a lanterna na outra. Um dos encapuzados se aproximou de Jada, agarrou sua perna e levantou uma lâmina curva. Sully mirou e lhe deu um tiro na cabeça, mas Drake sabia que havia sido pura sorte. Naquele ângulo e com tamanha velocidade, quase perdendo o controle ao descei o amigo não teria como escolher qual seria seu próximo movimento. — Sully, não! — Drake gritou. As palavras reverberaram ao longo das paredes, e Sully perdeu o equilíbrio, descendo rápido demais, mas mesmo assim conseguindo saltar sobre Jada e se lançar sobre os três assassinos que haviam restado. Colidiu com eles, derrubou dois, e os quatro capotaram e rolaram túnel abaixo, rumo à escuridão. A lanterna dele se espatifou, e o feixe de luz morreu. O ruído de luta na escuridão profunda fez o sangue de Drake gelar. — Filho de uma... — protestou. Jada gritou, chamando o padrinho. Drake deslizou e derrapou túnel abaixo em sua direção, passando por cima do homem alvejado e gritando o nome de Sully, mas ouvindo apenas a briga lá embaixo. Em um instante Jada estava de pé, recuperando a lanterna e iluminando a escuridão do túnel, e os dois distinguiram sombras se engalfinhando abaixo deles. Três encapuzados lutavam com Sully, e um deles lhe tapava a boca. Seus olhos estavam arregalados e brilhavam sob a luz da lanterna de Jada, e Drake quase virou o rosto, certo de que a qualquer segundo uma lâmina curva abriria a garganta de Sully. — Aqui embaixo! — Olivia gritou atrás deles. — Há mais aqui embaixo! — Drake! — uma voz o chamou. Ele não se virou. A voz era de Henriksen, e ele entendeu o que significava. Ele e seus capangas haviam conseguido neutralizar os encapuzados na bifurcação e agora desciam peio corredor para ajudá-los. — Tirem as mãos dele! — Drake gritou aos encapuzados. Não o largaram, mas também não cortaram sua garganta. Ao contrário, passaram a arrastá-lo túnel adentro, voltando para a escuridão. — Droga! — Drake exclamou. Era exatamente o que tinha acontecido com Welch. Haviam perdido a luta e batido em retirada agora, mas levavam Sully com eles. Drake se voltou e avistou Henriksen, agora bem próximo. O homem estava ferido e tinha perdido a arma, mas ainda segurava a Ianterna. — Me dê isso aqui! — Drake exigiu. — Não adianta, ele vai morrer nas mãos deles Henriksen vociferou. — Não — disse Jada. — Eles o levaram, mas não o mataram! Drake arrancou a lanterna das mãos de Henriksen. — Vou atrás dele. Começou a descer e, ao sentir Jada atrás dele, ouvir seus passos e ver que a luz de sua lanterna se unia à dele para clarear a escuridão lá embaixo, não protestou. Sully era o mais próximo que os dois tinham de um pai. Ou o salvariam juntos, ou não o fariam jamais. 16 Drake estava imóvel, em meio à completa escuridão, a testa apoiada na rocha quente da parede, tentando conter a impaciência. Podia ouvir Jada se remexendo logo ao lado, tentando trocar as pilhas da lanterna. Ela sussurrava, e ele mal conseguia ouvir suas palavras. Estaria tentando reconfortá-lo ou a si mesma? Ou a ambos, o que era mais provável? Quanto tempo teria se passado desde que os encapuzados haviam arrastado Sully para dentro das trevas? Uma hora e meia? Duas? A princípio, Drake e Jada tinham pensado que conseguiriam persegui-los, e Drake chegou a acreditar que poria as mãos naqueles patifes. Tentava manter na mente o pensamento de que, se quisessem ter matado Sully, poderiam tê-lo executado ali mesmo no túnel, mas não o haviam feito. Ainda, assim, a imagem do amigo lutando contra os encapuzados enquanto o arrastavam para as sombras o assustava. Teria essa a última vez que veria o amigo e mentor com vida? Depois um tempo, forçou-se a não pensar mais a respeito, concentrando-se inteiramente na perseguição. Mas não demorou para que a caçada se transformasse em ai mais parecido com uma charada. Seguiam pelo trajeto sinuosa labirinto, ignorando os falsos caminhos graças às marcas em forma de diamante que indicavam a direção correta. De tempos em tempos, paravam para tentar escutar ruídos de luta ou qualquer outra indicação de que os assassinos estivessem próximos. Sully gritaria se pudesse, Drake tinha certeza. No entanto, o único barulho que escutava era o som dos próprios passos no chão de pedra, além do ruído, que parecia cada vez mais alto, do próprio coração disparado dentro do peito. Após quinze minutos, passou a temer que houvessem se enganado ao presumir que os encapuzados tinham seguido em direção ao centro do labirinto. Drake e Jada, então, deram meia-volta e refizeram caminho, agora para examinar melhor túneis laterais e becos aparentemente sem saída. Sem nenhuma pista, nenhum grito de Sully, não havia muita escolha. Alguns túneis simplesmente não davam em lugar nenhum, mas, quanto aos outros, Drake imaginou que deveria haver algum mecanismo que revelasse uma câmara secreta. Certos trajetos terminavam em destroços, e por duas vezes chegaram a locais cuja estrutura havia cedido e o mar conseguira invadi-las. A água morna ia e voltava. Esses trechos estavam completamente inundados, porém em um deles Drake conseguiu avistar de relance o topo de uma caverna e constatou que a maré devia estar baixando. Havia também vários fossos, e Drake quase despencou em um deles. Mas conseguiu se segurar nas bordas e, embora lanhado e dolorido. ainda teve forças para se alçar buraco afora, banhado pelo suor e iluminado pelo brilho proveniente das cavidades vulcânicas lá embaixo. Salvou-se por pouco, mas perdeu a lanterna que pegara de Henriksen, a sua oferenda pessoal ao ritual de adoração do vulcão. Com tudo isso, desistiram de examinar os falsos caminhos e passagens secretas por onde os matadores poderiam ter levado Sully e decidiram voltar a procurar o centro do labirinto. Drake pensou que os raptores talvez quisessem sacrificar Sully em nome de Poseidon ou de qualquer outro deus a quem o templo fosse dedicado, e, se fosse esse o caso, o ritual aconteceria na câmara de adoração. Enfim, haviam chegado lá. — Droga —Jada murmurou. Drake ouviu um ruído seco e abafado e percebeu que ela deixara cair uma das pilhas. Ficou paralisado, imaginando-os presos ali no escuro e já pensando em como encontrariam o caminho de volta, quando a luz acendeu, tão forte que precisou proteger os olhos com as mãos. — Desculpe —Jada falou, afastando a luz de seu rosto. — Pensei que tivesse deixado a pilha cair. — Deixei, mas foi uma das velhas. Nenhum dos dois esboçou nada remotamente parecido com um sorriso. Haviam perdido o gosto pelas brincadeiras que os tinham ajudado a manter as forças durante os últimos dias, permitindo que se concentrassem em algo além da morte de Luka. Agora, tudo que conseguiam pensar era que Sully teria o mesmo destino, uma cabeça e um tronco dentro de um baú largado em uma plataforma de trem em algum lugar. Jada parecia cansada e estava pálida. Ainda tinham água e comida nas mochilas, mas Drake não sentia fome. No momento, só era capaz de se conter para não tremer de ódio, mas sabia que a raiva apenas mascarava o medo da incerteza sobre o futuro de Sully e uma enorme tristeza, que sentia até os ossos. Mais de uma vez, em outras ocasiões, convencera-se de que o amigo havia morrido, apenas para descobrir em seguida que estava errado, e os dois acabavam fugindo no último segundo possível. Gostava de pensar que esse tipo de coisa acontecia porque Sully era um cara durão, mas sabia que, sem sorte e resistência, ser durão,por si só, não resolvia nada. Precisavam encontrá-lo com urgência. — Vamos Drake disse. — Não vamos achar os desgraçados ficarmos aqui esperando. Jada iluminou a câmara de adoração. A luz tinha piscado e apagado enquanto desciam os três degraus que conduziam ao centro da sala, e Jada tropeçara e caíra de joelhos. Foi por pura sorte que a lanterna não se espatifara. Precisavam ser mais cuidadosos; a lanterna poderia ser mais importante para a sobrevivência deles que a garrafas d’água que carregavam. Conforme a luz deslizava pelas paredes e pelo altar octogonal revelando a antecâmara, onde a Senhora do Labirinto era preparada para os rituais, Drake não teve dúvida de que Dédalo, alem da do Egito, também projetara aquela sala. A única diferença era que ali não havia hieróglifos. A lanterna de Jada iluminava afrescos pintados no altar, que mostravam a Senhora do Labirinto recebendo mel de adoradores ajoelhados, junto a imagens de Minotauros. Os escritos das paredes estavam no mesmo dialeto arcaico do jarro que Jan Welch encontrara na câmara do labirinto egípcio. Tratava-se, como Welch dissera, de uma variação do grego. Se estivesse ali, poderia lê-los. — Exatamente como a câmara do Egito — Jada disse. — Tomara que sim — Drake respondeu, indo direto para a antecâmara. Os detalhes da câmara não lhe interessavam. Tudo o que importava eram as verdadeiras câmaras de adoração que ficavam abaixo, as dedicadas aos deuses dos três labirintos: Dionísio, Sobek e Poseidon. Se esse labirinto fosse realmente como o do Egito, naquelas salas haveria portas de pedra que os levariam a locais secretos, e ele daria um jeito de abri-las. Sob a luz da lanterna de Jada, dirigiu-se ao canto onde esperava encontrar o bloco de pedra falso que faria o altar deslizar para trás. No entanto, as pedras na parte de baixo da parede não se moveram ao tentar empurrá-las, e, quando Jada se aproximou com a lanterna, viram que não havia nenhum símbolo entalhado ali. Por um instante, Drake suou frio. Será que tinham chegado ao fim do caminho? — Vamos procurar mais — ele sugeriu. Para Jada, a sugestão nem era necessária. Começara a vasculhar a antecâmara em busca do octógono com um círculo, símbolo que indicava o dispositivo de abertura no Labirinto de Sobek. Havia desenhos por toda parte, que imaginou serem algum tipo de alfabeto da Atlântida, e prateleiras com jarros pintados, assim como no Egito. Ao lado, atrás de uma das prateleiras, havia um fosso, e subia ar quente por ali. — Aqui! —Jada chamou. Ele se virou e a observou empurrar um ponto na parede, entre duas prateleiras, e os dois ouviram o rangido de pedra quando os mecanismos ocultos entraram em movimento. Limpando o suor da fronte, Drake correu para fora da antecâmara e viu que o altar tinha se movido vários centímetros. O mecanismo que o prendia no lugar fora liberado. Drake se lançou contra ele com toda a força,mas, ao contrário do que ocorrera no Egito, ali o altar recuou facilmente, e, quando Jada chegou para ajudá-lo, o enorme octógono de pedra já tinha se movido e revelado a escadaria abaixo. Nenhum esqueleto os aguardava ali. Drake ainda estava no terceiro degrau quando ouviu Jada engolindo em seco. — Nate, veja isto. — Jada, vamos — pediu, notando que ela iluminava a parte de cima do altar. Seus olhos estavam arregalados de surpresa. Com relutância, subiu os degraus e olhou para cima. No instante em que viu o símbolo entalhado no topo do altar, entendeu a reação de espanto de Jada. No Labirinto de Sobek, haviam encontrado um desenho com três octógonos dentro de círculos entrelaçados. Ali havia quatro. Drake e Jada se entreolharam. O leve brilho de suor que lhe recobria o rosto a fazia parecer quase resplandecente à luz da lanterna. c que o lembrou de quanto estava quente dentro do labirinto e também do perigo que corriam ali. Cavidades vulcânicas, corredores desabados, fossos, cavernas invadidas pelo mar e homens misteriosos que não hesitavam em cortar gargantas ou arrastar gente por passagens secretas rumo a um destino desconhecido. Agora, no entanto, enfim tinham encontrado o que procuravam o tempo todo. —O Quarto Labirinto existe mesmo — Drake falou. O lábio inferior de Jada tremeu por um momento, e ele podia imaginar o turbilhão de emoções que tomava conta dela. — Sabia que era verdade — ela murmurou. — Meu pai tinha razão. Com a menção a Luka, Drake sentiu uma nova onda de raiva e temor por causa de Sully. — Vamos — disse, conduzindo-a para a escada. Os dois desceram juntos, e Jada os guiava com a lanterna. Quando chegaram ao fim dos degraus, Drake ficou alerta, procurando alguma passagem lateral no corredor, mas tinha certeza de que as únicas que importavam seriam as que levariam às câmaras de adoração no fim do corredor. E, agora sabia, haveria quatro delas. Os passos ecoavam pelo caminho. Drake cerrou os punhos. Milhares de imagens de Sully lhe vieram à mente, lembranças do amigo rindo das próprias piadas, fumando seu charuto ou o encarando, triunfante, após alguma descoberta, o rosto completamente sujo de poeira, os olhos cintilando de empolgação quase infantil. Sully parecia uma criança na manhã de Natal toda vez que descobriam algo que o resto do mundo afirmava nunca ter sequer existido, Às vezes agia como se dinheiro fosse tudo na vida, mas Drake o conhecia melhor que qualquer outra pessoa. Sully apreciava todo tipo de tesouro, mesmo aqueles sem valor financeiro. Onde é que você se meteu, meu velho?, Drake pensou. O único meio de responder a essa pergunta, no entanto, era descobrir quem eram os encapuzados. Para quem trabalhavam? Tinham assassinado Luka, Maynard Cheney e muitos outros desde então para manter a localização do Quarto Labirinto em segredo, isso era evidente. Drake acreditara na sinceridade de Henriksen. A respeito dos assassinatos, pelo menos. Mas aqueles homens misteriosos tinham sumido com Welch e, agora, com Sully. Nos dois casos, os raptos ocorreram apenas quando os assassinos perceberam estar a ponto de ser derrotados. Aparentemente, eles apenas faziam uma retirada estratégica, preparando-se para investir em outro momento mais adequado, e sempre levando prisioneiros ao final do ataque. Teve o terrível pressentimento de que as câmaras à frente estariam vazias e que, mesmo que encontrassem um modo de abrir as portas ocultas no fundo das salas, não encontrariam nada mais que eco e ar viciado, enclausurado durante séculos. Mesmo assim, não diminuiu o passo. Conseguiram escutar o barulho de água antes mesmo de chegarem à curva no corredor. Um arrepio subiu pelas costas de Drake. — Nate... —Jada tentou avisar. — Não! — ele gritou, avançando com rapidez os últimos seis metros do trajeto, quase ultrapassando o alcance da lanterna dela. Fez a curva, mas reduziu a velocidade antes de se lançar na escuridão à frente. Podia sentir a vastidão, o vácuo adiante, e ouvir o ruído de água. Em seguida, Jada surgiu atrás dele, e a cena iluminada pela lanterna o surpreendeu. À direita deles, o labirinto havia desabado. Tudo o que restava das câmaras de adoração ali fora tragado por urna enorme fenda que se abrira na rocha. Apenas o arco superior de uma das passagens ainda podia ser visto, indicando o que uma vez existira no local. Mas, à esquerda, ainda havia duas câmaras. Drake correu para a entrada mais próxima em disparada, tomando cuidado apenas no momento de descer os três degraus que conduziam ao centro da sala. Jada, ilumine aqui! —pediu com urgência, mesmo sabendo que ela estava apenas segundos atrás dele. Ela percorreu a sala com o feixe de luz, iluminando as paredes. Diante do que viu, Drake soltou um palavrão. Os escritos na parede eram todos em grego, e os entalhes com desenhos de uva fizeram-no lembrar imediatamente dc Dionísio. Olhou para a grande porta de pedra no fundo da câmara e chegou a pensar em testá-la, mas, em vez disso, virou-se para Jada: — Vamos examinar a outra sala. O símbolo no altar do nível superior do labirinto possuía quatro octógonos dentro de quatro círculos. Significava que existiam quatro labirintos e que cada câmara ali embaixo seria dedicada a seu respectivo deus. Duas dessas salas haviam desabado e sofrido com a erosão da água do mar por mais de meio século. As pistas que buscavam poderiam estar perdidas para sempre. Na porta da última câmara, Drake hesitou por um momento. Enquanto Jada entrava e descia os três degraus, as sombras se fecharam ao redor deles. Apoiou uma das mãos na rocha quente da parede e aguardou. Por um momento, pensou ter ouvido sussurros no corredor por onde viera, mas constatou ser apenas o barulho do mar batendo contra as ruínas da caverna destruída. Foi quando Jada se voltou para ele com uma expressão maravilhada no rosto. Naquele momento, não pôde deixar de pensar em Sully. Tinham encontrado o que procuravam, enfim. Desceu correndo os três degraus e se juntou a ela. Lado a lado, examinaram as paredes da câmara de adoração. O estilo das pinturas, com influência oriental, era completamente diferente de tudo o que tinham visto até o momento. Os Minotauros estavam lá, mas a imagem que mais se repetia era a das flores que haviam notado ao entrar no labirinto pela manhã. Ao redor dos desenhos, dispostos em colunas no altar octogonal ao centro da sala, havia antigos caracteres chineses. — O Quarto Labirinto... —Jada murmurou. — .. .fica na China — Drake completou. Entreolharam-se e fizeram um breve dueto, soltando palavrões. Drake seguiu Jada, que continuava explorando as paredes com a lanterna. As coisas que viram os deixaram profundamente perturbados. Havia imagens de homens pendurados em ganchos, sendo esfolados vivos, queimados ou com grandes lanças cravadas no corpo. Eram cenas horripilantes, e o que tornava tudo ainda pior eram os entalhes daquelas flores e de outras plantas e galhos de árvores, decorando as imagens hediondas. — Não sei se quero saber qual deus cultuavam no Quarto Labirinto —Jada sussurrou. — Ilumine aqui — Drake pediu, dirigindo-se para a porta no fundo da sala. Durante vários minutos, procuraram algum meio de destravá-la, porém sem sucesso. As paredes eram mais quentes ali do que em qualquer outra parte do labirinto, e tudo que restava era imaginar que tipos de passagem para o ar quente poderiam existir do outro lado. A camisa de Drake, empapada de suor, grudava nas costas e nos ombros. Quando Jada pegou a garrafa da mochila para tomar um d’água, tinha uma expressão de culpa no rosto, e, ao passar o liquido para Drake, ele se sentiu do mesmo jeito. Mas não havia alternativa. Mesmo que encontrassem um meio de fazer a porta abrir, não achariam Sully ali. Um ruído de passos na entrada da câmara fez os dois se virarem. Drake sacou a arma, e a luz de várias lanternas o cegou por um instante. — Não atire, senhor Drake — pediu uma voz vibrante e carregada de sotaque. Henriksen. Mesmo quando as luzes se desviaram, Drake manteve a arma apontada para a silhueta emoldurada na porta, até que a visão se ajustasse. A camisa de Henriksen estava rasgada, e o ombro, ferido lâmina de um dos encapuzados, fora envolvido com um retalho de pano para estancar o sangramento. O homem parecia pálido, embora os olhos estivessem em alerta, cintilando com uma alegria quase maníaca. Desceu os três degraus, sorrindo enquanto olhava ao redor, sem dar a menor importância à pistola apontada para ele. O capanga baixinho e musculoso também entrou na câmara, seguido pelo grego de cabelos grisalhos e, na sequência, por Olivia, que continuava linda apesar dos cabelos desgrenhados e do suor que lhe cobria o rosto. A expressão era dura, e os olhos, frios, mas, no momento em que viu Jada, baixou um pouco a guarda, parecendo acordar do transe propiciado pelo calor e pelo medo que haviam tomado conta dela. O filho sobrevivente do velho grego ficara na entrada, vigiando a porta com uma arma na mão, a raiva pela morte do irmão fervilhando no olhar. Queria que mais encapuzados aparecessem. Drake vira aquela expressão no rosto de homens angustiados antes. A perda doía tão profundamente que o desejo era matar e matar, até que a dor passasse, ou que a morte viesse e não sentisse mais nada. Era aconselhável mesmo que permanecesse do lado de fora. Com o ódio que sentia, talvez fosse difícil enxergar quem eram seus verdadeiros inimigos. — China — Henriksen disse, balançando a cabeça. —Jamais teria adivinhado. — Permitiram que continuasse com vida? — Jada perguntou, olhando friamente para Olivia. Era evidente o que significava aquele comentário: queria que os encapuzados tivessem feito um serviço mais efetivo com a madrasta. Olivia titubeou, e toda a inocência que exibira ao abordar Jada no início sumiu por um instante, deixando transparecer um brilho de inteligência maligna mesclada a ódio. Em seguida, a máscara já estava no lugar mais uma vez, mas Drake havia conhecido a face fria e calculista da verdadeira Olivia, e agora estava mais alerta que nunca. Ainda tinha a arma na mão, e o velho grego e o baixinho também, embora elas estivessem meio abaixadas. O ar quente parecia ainda mais opressivo com as ameaças veladas de parte a parte. — Nós os afugentamos -—-- Olivia sussurrou. — Nico perdeu um filho, e Tyr, um de seus melhores homens. Drake imaginou que se referisse ao sujeito com cara de ex-militar e que Nico era o velho grego. — Também perdemos alguém importante —— Drake disse. Aquilo fez Henriksen se voltar para ele, e os olhos azuis de algum modo pareciam ainda mais claros sob o brilho das lanternas. — Sullivan deve estar vivo. Se desejavam matá-lo, por que não fizeram? Por que se dar ao trabalho de raptá-lo? Levá-lo junto só atrasaria. Drake pensara a mesma coisa, mas não estava muito disposto a concordar com nada que Henriksen dissesse. Assentiu devagar, estreitando os olhos. — E agora, o que faremos? — Drake perguntou. — Esses caras costumam voltar, em geral com reforços. Conseguimos espantá-lo dessa vez, mas é óbvio que preferem nos ver mortos a nos deixar chegar ao Quarto Labirinto. Tyr Henriksen sorriu, revelando dentes pequenos e afiados. Apesar dos belíssimos traços, naquele momento parecia mais um tubarão que um homem. Sou um homem de negócios, senhor Drake, e muito bem-sucedido. Significa que estou acostumado com o fato de haver gente pelo mundo afora querendo me ver morto. Drake hesitou. Sentia as batidas do coração ressoar nas têmporas, e a respiração estava entrecortada por causa da raiva. A arma em sua mão parecia vibrar, como se ansiosa para entrar em ação. Henriksen não matara Luka nem Cheney, tampouco raptara Sully ou Welch, mas alguém incendiara o apartamento de Luka e ordenara que atiradores perseguissem Jada em Nova York. Os encapuzados não pareciam do tipo que portava armas de fogo, e era evidente que Henriksen não via problema algum em matai; se necessário. Mas para onde todas aquelas informações os levavam? Henriksen o observava com atenção, deixando de lado o fascínio pela câmara de adoração chinesa, O astuto homem de negócios provavelmente notara a indecisão e a propensão à violência no olhar de Drake, porque avançou um passo, diminuindo a distância entre eles. Fez um gesto para seus homens, e todos colocaram a arma no coldre. — Senhor — falou —, pode guardar sua pistola; o perigo acabou. — É mesmo? —Jada perguntou, sem tirar os olhos da madrasta. Olivia a ignorou. Pegou uma câmera e começou a fotografar os escritos e as pinturas que decoravam a sala. Nico usou a lanterna para iluminar mais as paredes. Havia prateleiras com jarros ali também, e o capanga atarracado começou a levantá-los, um a um, para que ela pudesse registrar as imagens. Henriksen voltou a se concentrar em Drake: — Ficou claro que esses homens que nos atacaram, quem quer que sejam, não querem desperdiçar sua vida por nada. Em um conflito em que não veem possibilidade de alcançar seus objetivos, retiram-se e aguardam a próxima oportunidade. Eles se foram, senhor Drake. Desistiram da ideia de impedir nossa chegada a esta câmara. Se tivessem mais homens, por certo estaríamos todos mortos. Mas, ao contrário, preferiram raptar seu amigo Sully. Por que o levaram e não o mataram, apenas, não faço a menor ideia; vamos presumir, por enquanto, que esteja vivo. Quanto a vocês, há duas escolhas. Você e Jada podem continuar com essa atitude obstinada e hostil e seguir na busca pelo Quarto Labirinto sozinhos, já que descobrir esses homens que querem tanto proteger seus segredos é a única esperança que têm de localizar Sully. Ou podem aceitar que todos estamos procurando as mesmas respostas. Ainda que o motivo seja diferente, essa não é uma discussão que pode ser adiada para outro dia? Drake olhou para Jada e se aproximou dela. Desde o início, estavam convencidos de que Tyr Henriksen era o inimigo, e até agora não tinham certeza do contrário. Quando Luka Hzujak descobrira os planos de Henriksen para o labirinto, tinha abandonado o Phoenix Innovations e tentara chegar antes dele ao fundo de bilionário queria o tesouro desconhecido para os próprios propósitos e, para se certificar de que o encontrara, pretendia manter em segredo as descobertas históricas envolvidas em todo o processo. Jada jamais deixaria que algo assim acontecesse, e aquele homem precisava saber disso. Mas, pensando bem, aquele patife que pensava ter o rei na barriga estava certo. Era uma discussão que podia esperar. A única coisa que realmente importava no momento era encontrar Sully. Drake abaixou a arma. Depois de um instante, colocou-a de novo na parte de trás da calça e meneou a cabeça na direção de Henriksen: — Resolveremos as pendências mais tarde. Henriksen sorriu. — Aguardarei com ansiedade. Mas, por enquanto... virou-se para a madrasta de Jada. — Olivia, o que pode nos dizer? Olivia deteve-se por um instante. — Por enquanto, não muito. Os escritos são em chinês arcaico; precisaremos enviar as fotos para Yablonski, para a tradução. Não tenho ideia do que as flores representam, mas estão por toda parte. São um detalhe que aparece em todas as imagens que vimos nas outras câmaras. Drake franziu o cenho e trocou um olhar com Jada. Se ela parecia surpresa pelo fato de a madrasta ser a especialista da equipe de Henriksen, não deu sinal. — Tem alguma ideia de para qual deus esta câmara é dedicada? — Drake perguntou. As pinturas perto da porta parecem ter saído do Inferno de Dante. Olivia se voltou para ele. Drake se recordou do modo como ela entrara no restaurante no Egito, havia poucas noites, fingindo ser a mocinha em perigo de algum filme noir. Poderia até não ser a pessoa maligna que Jada acreditava, e pelo menos não tinha assassinado o próprio marido, mas não queria dizer que não fosse manipuladora e uma tremenda atriz. Agora, no entanto, Olivia parecia ter relaxado um pouco, e a maior parte da tensão que persistia no ar da câmara se dissipou. Todos estavam ali juntos, dezenas de metros sob a terra, suando com o calor do vulcão, e tinham o mesmo objetivo. Se teriam de trabalhar juntos, essa era a hora. — Não tenho tanto conhecimento sobre mitologia chinesa quanto gostaria e, como falei, não sei traduzir isto aqui. Não tenho como saber o nome desse deus. — Mas...? —Jada perguntou. Olivia tirou mais uma foto, depois pegou o pulso de Nico e conduziu a lanterna dele em direção às imagens horríveis que Drake havia visto, com homens e mulheres sendo esfolados e torturados. Estavam dispostas em um padrão que formava uma espiral, os tormentos ficando cada vez mais horripilantes e explícitos conforme ela descia ao longo da parede, rumo ao chão. — Na mitologia chinesa do século XII a.C., após a morte, as almas corrompidas eram levadas a um inferno subterrâneo chamado Diyu, onde eram punidas até pagar por todos os pecados. De acordo com essa lenda, passavam por um círculo de tormento, enfrentando torturas pavorosas até definhar, e em seguida os corpos eram restituídos para que as punições começassem de novo. — Nem sabia que os chineses acreditavam no inferno —Jada falou. Olivia balançou a cabeça. — Não é o mesmo que o inferno cristão. As lendas contam que Diyu existia sob a terra e era composto de vários níveis, cada um tendo o próprio governante. Mas, sobre todos, predominava uma espécie de rei. — Ela tirou uma foto. — Gostaria de lembrar o nome, porque tenho quase certeza de que esta câmara é dedicada a ele. Henriksen se detivera na parede, examinando as pinturas de perto e agora se voltava para ela: — Não se preocupe. Yablonski vai conseguir nos dizer o que tudo isso significa — falou. — Vamos fotografar o que pudermos e partir. A polícia foi muito bem paga para ficar longe daqui, mas preferiria não ser associado a um bando de homens que foram assassinados. Drake percebeu como o comentário incomodara Nico, mas o grego guardou a tristeza para si mesmo. — Vamos trazer nosso pessoal aqui, é claro — Henriksen continuou. E providenciar para que todos tenham um enterro decente. Jada respondeu com um sorriso de escárnio: — Quanta nobreza de sua parte. Olivia tirou a última fotografia dos jarros e fez um gesto para que o homem atarracado os devolvesse à prateleira. Virou-se depois para falar com os demais: —Tem mais uma coisa. Drake não gostou da presunção que ouviu no tom de voz dela. — Fale logo, por favor — pediu ele. Olivia passou um dedo por cima de uma das pinturas mais repulsivas do inferno chinês. — Eu disse a vocês que as lendas contavam que Diyu ficava sob a terra — informou, um pequeno sorriso esboçando-se nos lábios enquanto encarava Henriksen. — Mas, de acordo com essas histórias, o lugar também era um labirinto. — Não está dizendo que esse lugar existiu de verdade, está? — Drake perguntou. A simples ideia de que tais torturas houvessem acontecido no mundo real fazia seu estômago revirar. — Alguma versão dele, talvez? — Olivia comentou. — Acho que temos de concluir que sim, não é? Olhe para as evidências ao redor. O que isso tudo lhe diz, senhor Drake? Jada afastou uma mecha de cabelos do rosto e secou com a mão o suor da fronte. — Isso aqui nos diz que Diyu era o Quarto Labirinto. — Exatamente — Olivia respondeu. — O inferno? — Drake disse, virando-se para Henriksen. — Estamos mesmo dizendo que o inferno era o Quarto Labirinto? — O inferno, ou algo parecido — Henriksen retrucou. — E, quando a Cidade dos Crocodilos foi abandonada e o vulcão destruiu Thera, para onde acha que Dédalo e seus seguidores levaram toda a riqueza acumulada? Há lugar melhor para escondê-la que em um labirinto subterrâneo onde, segundo se acreditava, só existia gente torturada e morta? A princípio, parece insanidade, mas que outra conclusão podemos tirar? Drake perdeu a fala por um instante, incapaz de responder. Ficou refletindo sobre a situação, por todos os ângulos possíveis, e não podia mesmo negar que aquela teoria fazia sentido, por mais maluca que parecesse. Os afrescos na parede a confirmavam. — Como meu pai descobriu isso? —Jada perguntou, olhando fixamente para a madrasta. Olivia pareceu triste diante da menção do marido falecido, mas Drake sabia que aquilo podia ser perfeitamente mais uma de suas máscaras. — Quando pesquisava as origens históricas dos mitos ligados aos labirintos, ele desenvolveu a teoria de que o rei Minos de Creta e Midas eram a mesma pessoa... — Já sabemos — Drake interrompeu. — Mas o arqueólogo do Labirinto de Sobek achava que não era Midas o verdadeiro alquimista, e sim Dédalo. Olivia estreitou os olhos, dando um sorriso irônico. — Você é mesmo esperto, hein? Jada zombou dela: — Alquimia não passa de baleia. Henriksen se encostou na parede, fazendo uma careta de dor devido ao ferimento. — Então, de onde vinha todo aquele ouro? — Certamente não de uma magia —Jada afirmou. — Nem mesmo de uma pseudociência. Não existe um modo de fabricar ouro. — Talvez não — Olivia retrucou. — Aliás, provavelmente não. Seu pai acreditava que Dédalo fosse um tipo de charlatão, mas manteve a mente aberta porque não tinha uma explicação sólida. E, quanto mais pesquisava sobre Dédalo e a alquimia, mais começou a encontrar outras ligações que desafiavam qualquer tipo de lógica. Havia história sobre o antigo alquimista Ostanes... — O persa — Drake a interrompeu. — É claro, há semelhanças na história de todos eles; a mesma coisa acontecia com São Germano e meia dúzia de outros. Todos alquimistas. Metade do que faziam era criar a ilusão de que tinham habilidades que não possuíam de verdade, provavelmente para criar uma aura de mistério ao redor de si. Todos se diziam imortais. Fulcanelli chegou ao ponto de dizer que na verdade era São Germano. — E se fosse mesmo? — Olivia perguntou. — Está falando sério? — Drake zombou. — Você é completamente doída. Henriksen fez menção de abrir a boca, mas, antes que conseguisse pronunciar a primeira palavra, ouviram uma explosão e um abalo vindos lá de cima, e toda a câmara começou a tremer. Uma rachadura ziguezagueante se desenhou no teto. Poeira e pedaços de pedra começaram a cair, e um jarro se espatifou no chão. Olivia gritou e tentou se proteger contra a parede, enquanto Drake pegava Jada pela mão e corria em direção à porta. O filho de Nico olhava ao redor, surpreso e amedrontado, mas não fez nada para deter os dois quando saíram para o corredor. Mas Drake e Jada pararam ali mesmo, sem saber o que fazer em seguida. O estrondo continuava, agora como uma reverberação abafada que vinha de longe, mas alta o suficiente para ser ouvida, apesar do longo caminho que separava a saída da parte subterrânea do labirinto. Olivia cambaleou e foi ao encontro de Henriksen, que colocou um dos braços ao redor dela, num gesto protetor. — É o vulcão? — Olivia gritou, olhando para Nico. O velho grego nem se moveu. Parecia resignado com o destino que receberia. Os olhos se estreitaram, enquanto tentava encontrar uma explicação para o barulho que vinha de cima. Então o estrondo diminuiu, e os últimos pedaços de pedra caíram do teto. O que quer que tivesse acontecido havia terminado tão abruptamente quanto começara. — Se fosse o vulcão, já estaríamos mortos — o capanga baixinho murmurou. — Foi a fortaleza. Henriksen o encarou com expressão sombria. — Corelli? O homem cujo nome aparentemente era Corelli não hesitou em responder: — Foram explosivos, senhor Henriksen. Os cafajestes fizeram todo o lugar desabar em cima de nós. Não vamos a lugar nenhum. — Ai, meu Deus — Olivia sussurrou, o semblante lívido de alguém que acabara de ver um fantasma. — Não posso morrer aqui embaixo. — Olhou para as paredes como se estivessem se fechando à sua volta. Drake franziu o cenho, balançando a cabeça. Não conseguia junt2r as peças. De jeito nenhum. Os encapuzados tinham usado explosivo para destruir o que restava das ruínas da fortaleza e aprisioná-los lá embaixo? Eles usavam adagas. Eram assassinos com técnicas ancestrais; suas armas eram as trevas e agir em segredo. Explosivos? Mas não havia outra resposta. Henriksen não teria se aprisionado no subsolo por vontade própria. — O que vamos fazer? — perguntou o filho de Nico, o sotaque carregado expressando pânico. Não olhava para Drake nem para Henriksen, mas sim para o pai. O que podemos fazer? — Há outra maneira de sair —Jada disse a Henriksen. Os encapuzados foram embora daqui com meu padrinho e não voltaram pelo caminho que usamos para entrar. Henriksen estremeceu, olhando ao redor. Drake imaginou que os demais, ao observá-lo, poderiam pensar que fosse de medo, mas compreendeu que o homem se sentia enfurecido por ter a vontade contrariada daquela maneira. Por fim, o bilionário virou a lanterna para a grande porta de pedra no fundo da câmara que abria a passagem secreta: — Vamos descobrir como abrir aquela porta. — E se não conseguirmos descobrir a tempo? — Olivia quis saber. —Há outro jeito — Drake falou. Tendo todos os olhares fixos nele, apontou para Olivia. — Por favor, diga-me que essa máquina é à prova d’água. 17 rake se apressou para fora da câmara de adoração. Uma fenda havia se formado na parede do corredor, tornando os grandes blocos de rocha que sustentavam o teto ainda mais instáveis. Havia apenas uma chance de conseguir sair do labirinto com rapidez, talvez a única de fazê-lo com vida. No projeto original de Dédalo, havia quatro câmaras de adoração nessa parte secreta do labirinto. Duas delas tinham sido destruídas no terremoto de 1956, após desabar caverna adentro. Agora, mais uma parte desmoronara, criando um precipício. Drake se aproximou da beirada, enquanto os outros o seguiam com as lanternas. Abaixo deles, o mar ia e vinha como um pulmão respirando água. — Não está falando sério — Corelli exclamou. — E depois vocês dizem que Olivia é a doida... Henriksen lhe lançou um olhar duro: — Cale a boca, idiota. Todos podemos morrer aqui embaixo. — Exato. E essa é uma coisa que eu gostaria muito de evitar — Drake acrescentou. Jada estava bem à beira do precipício. Drake agarrou seu braço e a puxou meio metro para trás. Parte daquele trecho já havia cedido antes. Após a explosão, várias fendas tinham se formado, deixando tudo ainda mais perigoso. Ela não se desvencilhou, e o encarou. — Que distancia acha que vamos ter de nadar para conseguir sair? Nico e o filho haviam retornado à porta da câmara de adoração e cochichavam entre si. Corelli balançou a cabeça, coçando a nuca. obviamente em dúvida. Mas os olhos de Henriksen já brilhavam em expectativa. Drake tinha de dar o braço a torcer: o cara estava mais do que motivado. — Não tem como saber — Drake respondeu. — Não sei por quanto tempo consigo prender o fôlego — Olivia falou, avançando em direção à beirada e olhando para a água agitada lá embaixo. — Olhe só, a maré está baixa — Drake falou. — E pode baixar ainda mais, embora não dê para garantir isso agora. Mas não vamos ter chance melhor que esta pelas próximas vinte e quatro horas. Jada, Olivia e Corelli pareciam ter dúvidas sobre o plano, mas Drake notou que os gregos o observavam e pensou ter visto algum encorajamento no olhar deles. Eram nativos da ilha e não pareciam achar que estivesse completamente louco, afinal. — A máquina fotográfica — repetiu, fitando Olivia. — É ou não à prova d’água? Olivia assentiu com a cabeça. — Supostamente sim. — E tem um estojo à prova d’água na minha mochila — Henriksen informou, e fez um gesto na direção da bolsa que Corelli carregava. Com o ferimento no ombro, o empresário havia desistido de carregar o peso. — Podemos dobrar a proteção. — E se a máquina estragar? Olivia reclamou. — O que faremos? — Nesse caso, voltaremos — Henriksen respondeu bruscamente. — Ou eu o farei, com ou sem você. — Ainda podemos tentar passar pelas portas de pedra — Corelli argumentou. — Tem de haver algum meio de abri-las. — Se existisse um jeito fácil, teríamos encontrado no Templo de Sobek — Henriksen retrucou. Olhou para Drake e balançou a cabeça: —Vamos lá. Drake negou com um gesto. — Não. Eu vou. — Foi até a beirada e se sentou, tirando as botas e depois a calça. Enrolou a roupa e a colocou na mochila, hesitou, e então decidiu calçar as botas novamente. A descida seria cheia de lugares traiçoeiros, e, mesmo debaixo d’água, preferia não estar descalço. Apesar do peso, concluiu que seria melhor continuar com as botas do que tirá-las, embora soubesse muito bem como uma pessoa poderia ficar ridícula usando apenas botas e cueca boxer da cintura para baixo. Sentou-se e deixou as pernas pender precipício abaixo virando-se depois para Henriksen: — Você é obscenamente rico, certo? Henriksen assentiu com seriedade. — Sim, eu sou. Claro que é, Drake pensou. E o cara ainda quer achar um tesouro. Quem é rico só pensa em ficar mais rico. — É um sujeito que só quer o que tem de melhor e não mede despesas, não é? — Isso mesmo. Drake sorriu: — Que bom pra você. Me dê sua lanterna. Se você é desse jeito deduzo que ela também seja à prova d’água. Henriksen se dirigiu até onde Drake estava e lhe entregou a lanterna, O peso de sua bota fez um pequeno pedaço de pedra rolar, mas logo ele se afastou. Drake se voltou para Jada: — Vou ver se consigo achar um caminho para sairmos daqui. Pode ser que o lado de fora não esteja muito longe ou, se estiver, pode haver lugares com ar pelo caminho, quem sabe até cavernas. Acho que volto em não mais que meia hora. Se não voltar, vão ter de apelar para o plano B. — Qual é o plano B? — Corelli perguntou. — Qualquer coisa que não inclua morrer — Drake respondeu. Certificou-se de que a mochila estava bem fechada, virou o corpo e tentou descer a beirada da superfície destruída, tateando ao longo do paredão de rocha. Havia lugares onde conseguia apoiar as mãos, mas na metade do trajeto uma pedra se soltou, e ele deslizou os últimos três metros, tentando proteger o corpo enquanto caía. Torceu o tornozelo ao atingir os escombros à beira d’água, e mordeu o lábio para não gritar de dor. — Você está bem? — Jada berrou, a voz dela reverberando de modo assustador por toda a caverna. Drake bateu o pé no chão, testando o tornozelo, e viu que só estava um pouco dolorido. Virou a lanterna para cima e viu que todo o grupo, inclusive os dois gregos, olhavam em sua direção. — Tudo bem — respondeu com um aceno. —Já, já eu volto. — Torceu para que não fizessem nada contra Jada — se tivessem essa intenção, pensou, já o teriam feito. Então mergulhou na água, voltando à superfície um instante depois. O feixe de luz da lanterna acendeu, formando um caminho iluminado na água. Ela funcionava perfeitamente mesmo submersa, o que lhe deu certo alívio. Dirigiu-se à esquerda da caverna, onde conseguiria se deslocar apoiando-se na parede e as botas não o fariam afundar. Enquanto se deslocava, Drake manteve a cabeça acima da linha d’água o tempo todo. Tentou acalmar a respiração e as batidas do coração, até que não houvesse mais espaço para ficar assim. A maré fizera baixar o nível da água dentro da caverna, mas não estava baixa o suficiente para que conseguisse encontrar uma saída sem ter de submergir e nadar. Respirou profundamente e afundou, afastando-se da parede e deixando que as botas o arrastassem para baixo. Com a lanterna apontada à frente, bateu as pernas, nadando da melhor forma que conseguia. Piscou os olhos por causa do ardor da água salgada, e só então percebeu como estava quente alL A água vinha do mar lá fora, mas as cavidades vulcânicas a esquentavam enquanto banhava as cavernas. Contanto que não fervesse ou se afogasse, concluiu que ficaria bem. Impulsionando-se contra as paredes para se deslocar mais rápido, Drake oscilava à esquerda e à direita com a lanterna. Peixes de caverna, desacostumados à luz, fugiam por toda parte. Notou enguias prateadas ondulando na corrente que o empurrava para fora. Dessa vez, pelo menos, a sorte estava do seu lado. Só esperava que a maré não mudasse antes que pudesse voltar para buscar os outros. O que você quer da vida? Se conseguir voltar já está ótimo. Quase podia ouvir a voz áspera de SulIy mentalmente, aconselhando-o a manter o foco. Sua raiva pelo destino do amigo voltou com toda a força, e ele precisou se conter para permanecer calmo e segurar o fôlego. Adiante, a água parecia clarear, e Drake se permitiu ter um pouco de esperança. Desligou a lanterna por um instante e confirmou a iluminação sutil vinda de fora, mas, conforme se dirigiu para o local percebeu que a luminosidade não era da luz do sol, mas de fendas na superfície da caverna. Quando passou nadando sobre as cavidades vulcânicas, pôde sentir o calor que vinha de baixo, e mais uma vez se questionou como as pessoas dc Santorini podiam viver na ilha sabendo que estavam sobre um vulcão ativo. Os pulmões começaram a doer. Ligou de novo a lanterna e continuou nadando, mas parecia cada vez mais que não teria outra escolha. a não ser voltar. Com a mão livre, tateou acima do corpo para tentar achar um espaço onde pudesse conseguir uma rápida dose de oxigênio; porém não havia ar entre a água e a pedra. Drake amaldiçoou o peso das botas. Elas o deixavam mais lento e agora pareciam mais pesadas que nunca. Se não as tirasse, poderiam ser a causa de sua morte. Se o fizesse, ficaria mas leve, mas também mais vulnerável, e nada garantia que, se se virasse agora e voltasse na direção de onde viera, conseguiria chegar ao ar puro. Começando a ficar confuso, tentou descobrir quanto tinha conseguido avançar, qual seria a distância entre a caverna e as câmaras de adoração e o lado de fora, mas logo ficou claro que aquilo era uma-tolice, um cálculo impossível. Qualquer palpite não seria mais que isso, apenas um tiro no escuro. A pressão começou a apertar sua cabeça, e ele sentiu o peito se contrair com a necessidade de ar. De repente se deu conta de que avançara demais, que voltar não seria uma opção. Seguir em frente era a única esperança. No instante em que esse pensamento lhe ocorreu, viu outra vez uma claridade à frente. Podiam ser cavidades vulcânicas, mas, ao desligar a lanterna, percebeu que o brilho não vinha lá de baixo, e sim de cima. Desesperado por ar, nadou mais três metros, que se tornaram cinco, e mais quinze — e então ele parou de tentar calcular. Ele tinha chegado ao seu limite. Com o peito ardendo e a mente gritando em alarme, bateu os pés em direção à superfície — e emergiu arfando e arquejando dentro de uma caverna estreita, com talvez dois metros de largura, ou pouco mais. O importante era que, além dela, podia avistar um pedaço de céu azul-escuro. Um sorriso se abriu em seu rosto. Mas logo sumiu ao se lembrar de que teria de percorrer todo o caminho de volta, para pegar Jada e os outros, e voltar com eles pela passagem subaquática. Os pulmões doeram só de pensar nisso. Mas só desse jeito eles conseguiriam sair logo dali e a derradeira busca poderia começar de fato. Encontraria Sully, e juntos revelariam ao mundo os segredos ancestrais dos encapuzados, para que os patifes não conseguissem colocar as mãos em mais ninguém. Pensou nas pinturas da câmara de adoração chinesa, nas imagens dos tormentos infernais de Diyu, e sentiu-se mais determinado que nunca. Agarrado à parede, Drake recuperou o fôlego e tomou coragem para nadar até onde estavam os demais. Dessa vez, iria sem as botas. E não pôde deixar de pensar, mesmo que fosse muito estranho se lembrar desse detalhe naquele momento, que, quando enfim voltassem à vila de Akrotiri, o taxista estaria esperando. 18 turbulência sacudiu o avião e arrancou Drake de um sonho perturbador. Estava parado na chuva durante o funeral de Sully, e era a única pessoa ali que não carregava um guarda-chuva negro. Em meio ao mar de rostos, entre o nevoeiro do sonho e a água que caía, estavam algumas das piores pessoas que os dois tinham encontrado ao longo dos anos. Ladrões e assassinos, contrabandistas e corruptos, todos reunidos para prestar as últimas homenagens. Jada estava ao lado da sepultura, as mechas do cabelo de um vermelho profundo, e o padre que comandava a cerimônia com uma das mãos sobre o caixão era Luka Hzujak. Completamente enxuto sob seu enorme guarda-chuva negro, o padre trocara um olhar com Drake. — Quando você se deita com cobras, tem de aprender a silvar como elas — o padre Luka dissera, a voz soando como um sussurro aos ouvidos de Drake. Mas não significa que tem de se arrastar pelo chão. Ao falar isso, começou a rir, e os demais presentes o acompanharam, o som chegando a abafar até mesmo o barulho dos pingos nos guarda-chuvas. Drake, ensopado até a alma, não achou nada engraçado. Sully lhe dissera essa frase sobre cobras dez anos antes, na manhã em que haviam subornado o capitão de um navio em Valparaíso para levá-los, junto com uma carga de antiguidades, aos Estados Unidos. O homem tinha um enorme carregamento de drogas a bordo, destinadas ao mercado americano, e Drake precisou ser persuadido a não atirar tudo ao mar. Sully argumentou que, se não queriam que o sujeito interferisse nos negócios deles, não poderiam interferir nos dele. Quando acordou do sonho, viu que Tyr Henriksen o observava. Drake se sentou, grogue, e procurou a arma. Henriksen meneou a cabeça: — Está tudo bem, senhor Drake. Sua arma ainda está aí, e carregada. A mão de Drake a tocou, apenas para ter certeza. Estranhou o zunido de uma turbina e só quando olhou em volta se lembrou de que estavam a caminho da China em um jato particular contratado por Henriksen. Atrás do bilionário, a janela oval mostrava um céu escuro. Era noite, e Drake não sabia dizer quanto tempo fazia que estavam no ar ou por quantas horas tinha dormido. O jato que Henriksen alugara era de um tipo em que Drake raramente entrava: tinha capacidade para doze pessoas e uma saleta de reuniões toda equipada ao fundo. O empresário, Olivia e Corelli estavam na parte de trás, quando Drake adormeceu numa das poltronas superconfortáveis do avião. Mas agora, ao acordar, ficou desconcertado ao dar de cara com o olhar de Henriksen, um olhar de alguém que fica intrigado ao examinar algum tipo de animal exótico. — Você faz bastante barulho quando dorme Henriksen disse. — Sabia que você ronca? — Dá um tempo, amigo. Está me assustando. Sentindo algo grudento no queixo, Drake passou a mão na boca e percebeu que tinha adormecido tão profundamente que babara um pouco. Pelo menos, Henriksen fora educado o suficiente para não apontar esse detalhe também. — Estava mais cansado do que pensei— Drake respondeu. Henriksen recostou-se na poltrona. — Todos estávamos. Eu mesmo dormi por várias horas. Jada ainda não acordou. Drake virou o pescoço e viu que ela estava logo atrás, com a poltrona reclinada e um cobertor por cima do corpo. Parecia estar em paz, e Drake se sentiu bem por vê-la assim. Paz era algo que Jada não vinha sentindo com muita frequência ultimamente. Apenas o sono lhe oferecia algum alívio para a tristeza, o medo e as tensões dos últimos dias. Olivia e Corelli não estavam por ali, e ele supôs que estivessem na salinha no fundo do jato. Se tinham ou não dormido um pouco, não sabia. Não que o bem-estar deles fosse uma de suas preocupações. — Ainda falta muito para chegarmos? Drake perguntou, endireitando o corpo. Adormecera tão rápido que não se dera nem mesmo ao trabalho de reclinar a poltrona por completo. Agora, as costas doíam por causa da posição incômoda em que dormira, quase sentado. — Ainda temos algumas horas pela frente — Henriksen respondeu. Quando Henriksen mudou de posição na poltrona, fez uma careta, e Drake percebeu que o ferimento que sofrera no labirinto o incomodava. Corelli tinha fechado o corte com pontos, e o kit de primeiros socorros deles deveria conter analgésicos bem fortes, mas, se Henriksen tomara algum, Drake não vira. Após escaparem do labirinto sob a fortaleza do Goulas, perto da vila de Akrotiri, todos passaram algum tempo recuperando o fôlego e deixando as roupas secar um pouco nas pedras do precipício, não muito longe do vilarejo. Chegar ao topo fora um processo lento e extenuante. Drake ainda tinha esperança de que o táxi que os deixara ali de manhã estivesse esperando, mas a noite já havia caído quando alcançaram a vila, e ele e Jada tiveram de aceitar, não sem relutância, uma carona de Henriksen para voltar ao hotel em Oia. A viagem correu quase inteiramente em silêncio, com um ar de constrangimento, às vezes de suspeita, tomando a limusine. Os dois voltaram à suíte e entraram com armas na mão, para o caso de haver encapuzados ali à espreita. Não que acreditassem mesmo que algum deles estivesse ali. Era mais por precaução ou hábito. Tudo o que pareciam querer era que todos parassem de procurar pelo Quarto Labirinto, mas, agora que sabiam que estavam próximos de localizá-lo, Drake presumiu que recuariam e esperariam o próximo passo. Tentou imaginar quantos daqueles assassinos os aguardavam na China. No hotel, tomaram um banho e vestiram roupas limpas, depois colocaram as poucas coisas que haviam trazido dentro da mala. Sem dizer uma palavra,Jada guardou tudo o que era de Sully na própria bagagem, inclusive a blusa que ele comprara na noite anterior. Nenhum dos dois queria sequer cogitar a possibilidade de que Sully jamais usaria nada daquilo de novo. As lembranças de Drake foram interrompidas quando ouviu o barulho da porta da saleta de reuniões do jatinho sendo aberta. Drake se virou e viu Corelli fazendo um gesto para chamar a atenção: — Senhor Henriksen — o homem atarracado chamou —, Olivia tem algo que vai querer ouvir. Drake franziu o cenho, virando-se para Henriksen, que se levantou da poltrona com a empolgação de uma criança. — E então? — disse a Drake. — Você não vem? — O que é? — Drake perguntou, ainda um tanto atordoado pelo sono. As imagens de seu sonho permaneciam como teias de aranha em sua mente. — Imagino que seja a tradução de todos aqueles escritos que encontramos na câmara — Henriksen respondeu. — Ou não quer saber se meus funcionários conseguiram descobrir a localização do Quarto Labirinto? Drake esticou os braços e se preparou para levantar. — Estou indo. Henriksen seguiu sem ele, dirigindo-se com excitação aos fundos do avião até chegar à saleta. Enquanto o via se afastai o sonho voltou a ecoar em sua cabeça: “Tem de aprender a silvar com as cobras, mas não significa que precisa se arrastar pelo chão” Abaixou-se para acordar Jada. Quando viu que ela também babara um pouco, sorriu e usou a manga da camisa para limpar sua boca. — Acorde, Bela Adormecida. Ela piscou, e então se sentou abruptamente, afastando-se dele. Havia puxado o cobertor como proteção e tinha os olhos arregalados. Por um segundo, pareceu não reconhecê-lo, mas em seguida relaxou, recordando de onde estava e como chegara até ali. — Pesadelo? — ele perguntou. — Não, era um sonho bom — ela respondeu, mas não entrou em detalhes. Jada olhou ao redor. — Agora é que acordei no pesadelo. Drake assentiu com a cabeça, dando-lhe um momento para que despertasse completamente. Depois apontou com o polegar na direção da parte de trás do avião. — Henriksen acabou de ir para os fundos. Acho que Olivia tem alguma novidade para contar. À menção do nome da madrasta, os olhos de Jada escureceram. Nem se deu ao trabalho de endireitar a poltrona; só jogou o cobertor de lado e se juntou a Drake no corredor. Passando os dedos nos cabelos desgrenhados pelo sono, tomou a dianteira e se encaminhou para a cabine dos fundos. Jada não bateu à porta; só a abriu e entrou. Olivia e Corelli estavam sentados juntos à mesa de reunião e desviaram os olhos do notebook aberto diante deles quando jada e Drake entraram na sala. Henriksen não se moveu; estava de pé, apoiado na mesa, estudando um dos mapas do diário que Luka deixara para a filha. Drake sabia que a situação estava longe de ser ideal. O pai de Jada escondera a pesquisa justamente para que não caísse nas mãos de Henriksen, e agora o diário e os mapas estavam justamente com o empresário. Contudo, aquela era a escolha certa para o momento - na verdade, a única escolha, já que tinham inimigos mais perigosos para enfrentar. Mas sabia que era uma decisão que não deixava Jada nada satisfeita. Drake não tinha dúvida de que em breve se arrependeriam. Só restava saber quando esse momento chegaria e se estariam prontos para ele. — O que você conseguiu? —Jada perguntou, olhando para a madrasta. Henriksen podia ser o chefe de Olivia, mas, quando as duas estavam no mesmo ambiente, a tensão entre elas sobrepunha-se a qualquer outra coisa. Olivia deu um leve sorriso. Ou tinha se cansado do ódio e da suspeita da enteada ou simplesmente decidira que era hora de parar de fingir que se importava com o que ela pensasse. O que quer que fosse acontecer agora não passava de negócios. Possuíam objetivos em comum, todos eles, na verdade, e por enquanto esse fato era suficiente para que colaborassem mutuamente. — Na verdade, fizemos bastante progresso — Olivia disse. — Por que não se sentam? Drake esperou para ver o que Jada ia fazer, imaginando que se recusaria a sentar à mesma mesa em que estava Olivia. Mas hesitou apenas por um momento antes de ocupar uma das cadeiras vazias. Drake sentou-se ao lado dela, observando por um momento uma grande tela de projeção numa das laterais da saleta, ainda em branco mas pronta para ser usada. — Vai nos dar uma aula com slides? — ele perguntou. —Já avisando: costumo dormir com slides. A não ser que sejam aqueles sobre incêndios. Gosto muito de sirenes. Henriksen deu um olhar desaprovador a Drake, e Corelli soltou uma risadinha irônica, como se quisesse iniciar uma briga. As mulheres ignoraram os três. Jada olhou com impaciência para Olivia, que teclava alguma coisa no notebook. O motor do avião zunia alto o suficiente para obrigá-los a levantar um pouco o tom de voz a fim de ser ouvidos, e do banheiro vinha uma mescla de odor acre de urina e desinfetante industrial. Drake constatou que mesmo todo o dinheiro do mundo não conseguia manter um avião sem esses dois elementos. embora os ricaços gostassem de fingir que não os notavam. Esse pensamento só reafirmou uma sensação que estivera o dia todo com ele: Henriksen não passava de um fedelho rico e mimado que crescera para se tornar um homem rico e mimado. Desejava os segredos e os tesouros do Quarto Labirinto porque gostava de possuir coisas que ninguém mais podia ter. — A Phoenix Innovations emprega um homem chamado Emil Yablonski — Olivia explicou. — Yablonski é o homem mais brilhante que já conheci, embora quase incapaz de interagir socialmente. É historiador e arqueólogo, mas não faz trabalho de campo há mais de vinte anos. Não se importa em receber e-mails ou telefonemas, desde que não precise conversar pessoalmente com ninguém. Você pode ficar até na sala ao lado, mas nunca em seu escritório. Henriksen gesticulou com a mão, indicando que ela devia prosseguir. Ele se sentou em uma cadeira, ainda estudando o mapa aberto diante de si. — Não estão interessados em Yablonski Henriksen falou. O cara trabalha pra mim, e nem eu estou interessado prosseguiu, desviando o olhar para Jada. Parte da minha companhia é uma usina de ideias. Yablonski tem sua própria divisão dentro dela. Agora, vamos em frente. Olivia sorriu para o patrão, embora mantivesse uma expressão dura. Era evidente que não apreciava a maneira brusca como fora tratada. Drake não conseguiu sentir pena. — Yablonski está praticamente em curto-circuito de tanta excitação com as informações que tem tirado das traduções Olivia continuou. — Suas palavras exatas foram: “Isso muda tudo”. Francamente, acho que se trata de um exagero. As palavras em chinês arcaico nas paredes e nos jarros cerimoniais esclarecem certas coisas, confirmam outras e nos dão algumas pistas vitais sobre qual deverá ser exatamente nosso próximo passo. Todos pareciam estar com a respiração suspensa, os olhos fixos em Olivia. — Comecemos por Dédalo — disse ela. — Comparando os escritos das três câmaras no Labirinto de Sobek, Yablonski conseguiu confirmar que Dédalo projetou os três primeiros, o de Knossos, o da Cidade dos Crocodilos e o de Thera. No entanto, se preferirem se referir à estrutura de Thera como o Labirinto de Atlântida, Yablonski ficará muito feliz. — Ele acha mesmo que a Atlântida era ali? — Drake perguntou. Olivia lhe lançou um olhar penetrante, frio e belo ao mesmo tempo —A Atlântida é um mito, senhor Drake. O labirinto a Poseidon, localizado em Thera, é a semente de onde as raízes dessa lenda cresceram. — Está dizendo que Dédalo não projetou o Quarto Labirinto? — Jada perguntou. Olivia arqueou uma das sobrancelhas: — Vejo que alguém estava prestando atenção. Voltemos um pouco no tempo, entretanto, para esclarecer aos demais. O Templo de Knosos foi construído por volta de 1700 a.C., a mesma época em que os egípcios construíram a Cidade dos Crocodilos. Mas o que fica evidente agora & que. essas cidades estavam em construção ou já concluídas na época em que os labirintos foram construídos. Nossa melhor estimativa é cerca de 1550 a.C. O de Knossos nasceu primeiro. Antes, nossa suposição era de que Dédalo tentara impressionar Minos, ou Midas, para ganhar sua aprovação e se casar com Ariadne. Mas uma parede inteira da câmara de adoração chinesa em Thera é dedicada a contar essa história, e, com base nela, está claro que Dédalo só conheceu Ariadne quando se apresentou ao rei com seus planos para a construção do labirinto. Henriksen resmungou: — O labirinto veio antes... Olivia assentiu: — Sim, veio. — Então, quem era Dédalo? Um inventor ambulante? — Drake perguntou. — Vagava pelo mundo antigo perguntando: “E aí, querem que eu construa algo bem legal pra vocês?”. — Era um alquimista, é claro — Olivia respondeu, com um sorriso genuíno que causou certo espanto a Drake. — Essa história de alquimia é um monte de asneiras —Jada zombou. Corelli apertou uma tecla no notebook, e uma imagem apareceu na tela ao fundo da cabine, mostrando várias pinturas e diversos caracteres chineses. — Quem escreveu isto não era da mesma opinião — Corelli retrucou. Drake o encarou: — Relaxa, meninão. Há adultos conversando aqui. Corelli ficou paralisado, a expressão petrificada. Por um momento, Drake pensou que estivesse para pular sobre a mesa ou sacar uma arma, mas Olivia tocou seu braço com firmeza, e ele relaxou, forçando um sorriso amarelo. — Vá em frente, sabichão. Por que não me diz o que tudo isso significa? — Corelli perguntou. Drake deu de ombros: — É tudo um grande monte de rabiscos pra mim — confessou, virando-se para Olivia. Mas sei um pouco da história dos alquimistas. Não dá pra fabricar ouro. —Não importa — Henriksen disse. Em seguida, apontou para a tela. — Eles acreditavam que era possível e achavam que Dédalo era capaz de fazê-lo. Olivia se recostou na cadeira. — Exatamente. — Então Dédalo era como um vendedor do elixir da longa vida — Jada disse. — Vendia uma mentira. Drake olhou para o diário de Luka Hzujak, que estivera no centro da mesa desde que haviam entrado. Pegou-o e o folheou, até chegar aos primeiros desenhos de labirintos que encontrou, e virou-se para Jada, ignorando os demais. — Seu pai já havia chegado a essa conclusão, eu acho. — Por que diz isso? — Olivia perguntou. Drake a ignorou. Abriu o livro e se inclinou para mostrar a Jada uma página onde Luka intitulara uma planta como “Labirinto de Qualquer Deus”. Os olhos de Jada cintilaram ao ler aquilo. — Ele sabia. Olhou para Olivia e Corelli, voltando-se depois para Henriksen. Dédalo ia até reis e sumos sacerdotes com seu projeto de labirinto e dizia ser capaz de produzir todo o ouro que quisessem. Prometia-lhes que o labirinto seria o esconderijo perfeito para estocar todo o ouro, um lugar de onde jamais seria roubado. — Depois, ele mesmo roubava tudo — Drake constatou com um sorriso. — Adorável patife. — Não há como ter certeza disso — Olivia fez pouco-caso. — Claro que há — Drake retrucou. — Faz todo o sentido. Dionisio, Poseidon e... Sobek, o deus-crocodilo? Dédalo dedicava o labirinto ao deus que fosse mais adorado na região em que o labirinto seria erigido. Hoje em dia construtoras e empreiteiras fazem praticamente a mesma coisa todos os dias no mercado imobiliário. Olivia e Henriksen se entreolharam por um instante, e ele meneou a cabeça. Mais uma vez, Drake teve certeza de que escondiam alguma coisa. Não era nada referente ao que haviam descoberto a respeito de Dédalo, porque sentia a empolgação deles sobre as revelações da tradução de Yablonski. Eles tinham um pedaço do quebra-cabeça guardado na manga. — É, pode ser — Olivia enfim concordou. — O que mais seu supernerd descobriu? — Drake perguntou. Corelli apertou outra tecla. Na tela, surgiram imagens das mesmas flores que apareciam por todo o labirinto sob a fortaleza do Goulas. — Há pelo menos uma dúzia de tipos de flores parecidas com esta — Corelli explicou. Mas a equipe de pesquisa está mais propensa a acreditar que seja uma espécie chamada heléboro-branco. São venenosas. Drake tinha estranhado o interesse de Corelli nas flores, até que mencionasse o veneno. Nesse ponto, o olhar do homem se iluminou. A informação lhe chamara a atenção porque era fascinado por novas maneiras de ferir e matar pessoas. Conhecia bem gente desse tipo e não gostava nem um pouco da sua imprevisibilidade. Olivia digitou outras informações. Várias imagens preencheram a tela, terminando com a grande pintura de Diyu, o inferno chinês, que tinham encontrado na câmara. — Obviamente, o Labirinto de Thera começou a ser construído depois dos outros dois — Olivia disse. Pode ser que Dédalo transferisse seu ouro de um para outro, enganando um rei depois do outro. Na época em que a construção das câmaras de adoração em Thera começou, é evidente que já havia encontrado outro trouxa e um novo local para o Quarto Labirinto. Na verdade, a construção dele teria de ter começado antes de o de Thera ser concluído. — Quando ocorreu a erupção em Thera, que destruiu a colônia minoica existente ali.. — Atlântida — Drake acrescentou, só para irritá-la. — . . .O Quarto Labirinto estava em construção num local chamado Yiajiang, no sul da China — Olivia continuou. — Yiajiang era uma pequena vila que cresceu e mais tarde ficou conhecida como Yecheng. — O nome não me parece muito familiar — Drake falou. Olivia voltou-se para Henriksen: — Hoje a conhecemos como a cidade de Nanjing. — Isso é loucura — Drake protestou. —Já estive em Nanjing. A cidade original não existia antes do século V a.C. Mil anos depois de Thera explodir. Olivia assentiu com um aceno de cabeça. — Essa também foi minha primeira reação. Mas Yablonski confirmou que havia algumas tribos na área nesse período. E estou certa de que gostaria de adivinhar que mito aparece na história de todas essas tribos... Drake se reclinou na cadeira, absorvendo todas as informações. Fitou a pintura hedionda na tela. —Diyu. — Bem, você não é tão burro quanto parece — Corelli murmurou. Henriksen estava com um telefone nas mãos. Digitou alguns números e logo em seguida passou a vociferar uma ordem atrás da outra. Drake levou um minuto para perceber que o homem providenciara uma nova leva de capangas, que já estavam na China ou a caminho, e que acabara de ordenar que os encontrassem em Nanjing. Um instante depois, o empresário apertou o botão de comunicação interna, e o piloto respondeu. Ele informou o novo destino e desligou, voltando a atenção para a conversa. — O ouro estava em Thera quando a erupção aconteceu —Jada disse, os olhos semicerrados enquanto tentava assimilar as informações. — Tinha de estar. O labirinto ficou instável, mas só foi parcialmente destruído. Quando terminaram o Quarto Labirinto, poderiam muito bem ter retirado de lá o tesouro de Dédalo. Mas o que será que aconteceu com o próprio Dédalo? Olivia clicou, provocando uma sucessão de imagens na tela, e se deteve em um dos jarros cerimoniais que mostrava a Senhora do Labirinto, um Minotauro e o que Drake imaginou ser uma pira fúnebre. — Eles o queimaram? — Drake perguntou. — Ele morreu — Olivia respondeu. — Seu sobrinho, Talos, terminou o projeto do Quarto Labirinto e o alterou consideravelmente. Abaixo da pintura de Diyu na câmara está escrito que Talos queria um exército de escravos para construir o labirinto e que para isso precisava de capatazes e protetores. — Supostamente, o Minotauro era protetor — Drake falou. — Do labirinto, sim —Olivia respondeu. — Mas o Minotauro era mais como um cão de guarda. Selecionavam o maior e mais assustador guerreiro que pudessem encontrar. — Corelli não teria chance... — Drake provocou. Corelli fez menção de reagir, mas desistiu. — Talos queria o que Yablonski traduziu como “Protetores da Palavra Oculta” — Olivia finalizou. Henriksen a encarou, mudando o rumo da conversa: — Conte-me sobre Diyu. O que a equipe de pesquisas descobriu? Olivia olhou para a tela do notebook. — De acordo com a lenda, ao contrário dos escritos que encontramos, o labirinto era consagrado a Yan Luo, espécie de divindade. As traduções de Yablonski confirmam que a câmara de adoração chinesa era realmente dedicada a Yan Luo, rei do inferno. Em Thera, Dédalo começara a expandir a ideia de labirintos subterrâneos e com diversos níveis, o que vem ao encontro do mito de Diyu. Nos dois casos, trata-se de uma estrutura imensa com muitos andares e câmaras para onde as almas supostamente eram levadas e punidas pelos pecados terrenos. Uma vez que tivessem se redimido, recebiam o Elixir do Esquecimento e voltavam ao mundo, ou pelo menos era o que lhes prometiam. Drake sentiu uma porta se destravar na mente, como se as peças do quebra-cabeça se juntassem. Jada pareceu perceber essa sutil mudança, pois o encarou de um jeito estranho: — Nate? O que foi? — perguntou. Os demais cravaram os olhos nele. O motor do avião soava mais alto do que nunca. Uma súbita turbulência os sacudiu com tanta força que seus dentes rangeram, e a aeronave pareceu ter desviado à direita. Drake imaginou que fosse o piloto corrigindo o rumo do voo para Nanjing. — O sobrinho de Dédalo queria escravos. As pessoas acreditavam no inferno. E se essa for a razão de terem escolhido esse lugar e também de terem mudado o projeto? E se construíram mesmo um inferno, raptando pessoas, provavelmente as drogando, arrastando-as lá para baixo e fazendo-as pensar que estivessem em Diyu? Vai saber... Talvez exista mesmo um Elixir do Esquecimento. Quando ficavam velhas demais para ser úteis, drogavam-nas dc novo e as devolviam à superfície. Drake correu o olhar pela expressão aturdida dos demais, e o avião deu um sobressalto que o fez bater os joelhos contra o lado de baixo da mesa. Fez uma careta, então levantou as mãos: — Será que estou louco? Henriksen franziu o cenho e olhou com impaciência para a frente do avião, aparentemente irritado com o piloto. Voltou depois a atenção para Drake. — Pode não ser tão absurdo quanto parece — admitiu. Jada revirou os olhos. — Tudo nessa história é um absurdo. Mas as peças se encaixam bem demais para não ser verdade. Olivia os interrompeu, juntando mais peças do quebra-cabeça: — Nanjing tem uma longa história de relatos de pessoas desaparecidas. Três príncipes da Dinastia Jing e toda a sua corte sumiram no século III. Durante a Dinastia Ming, quando Nanjing era a capital da China, milhares de trabalhadores foram trazidos para reconstruir a cidade. Nessa época, havia histórias sobre um demônio que vivia sob os antigos portões, comendo vivos os trabalhadores que saíam na rua à noite. — O Minotauro? —Jada perguntou. — Ou melhor, a pessoa que a Senhora do Labirinto fazia parecer um Minotauro? — É possível — Drake concordou. — Esses encapuzados... — Corelli considerou. — Se é que ainda estão lá embaixo, quantos será que são no total? Drake percebeu que ele avaliava as possibilidades de um ataque. De quantas armas precisariam para conseguir passar pelos encapuzados do labirinto, os Protetores da Palavra Oculta? — Será que ainda existem escravos por lá? — Olivia perguntou em voz alta. Drake pensou em Sully e em lan Welch, e na hora descobriu a resposta. Imaginar o que o amigo poderia estar passando o enchia de raiva, e ele não queria sequer lembrar das imagens de tortura que ocorriam em Diyu, mas, ao mesmo tempo, aquela novidade lhe dava certa esperança. Se todas as hipóteses se comprovassem, Sully ainda estava vivo. Henriksen parecia pensativo. — Existe uma história famosa sobre um destacamento do exército, de cerca de trezentos homens, que desapareceu quando retornava para Nanjing, em 1939. O comando os aguardava, mas eles nunca chegaram. — Talvez até tenham chegado Drake falou. Mas alguém os obrigou a fazer um desvio. Olivia soltou um grito quando o avião sacudiu com violência. O notebook escorregou sobre a mesa. Corelli tentou agarrá-lo, mas a aeronave se inclinou para a direita e ele tropeçou, despencando com o computador no chão. A tela grande na parede se apagou quando o notebook caiu com um baque surdo, e Corelli desabou sobre ele. Jada foi lançada contra Drake, que se segurou na mesa para não cair da cadeira. Henriksen levantou, mas a manobra brusca do avião o atirou contra a parede. Mesmo assim, conseguiu chegar à porta salinha e abri-la. Não havia ninguém no corredor com os assentos, e o estômago gelou quando conseguiu ver direito o quanto a aeronave estava desgovernada. — O que é que está acontecendo? — Drake perguntou, seguindo Henriksen à cabine. Agarravam-se aos assentos e aos compartimentos de bagagem acima, enquanto lutavam para chegar à cabine do piloto. Uma mancha de sangue despontara na camisa do bilionário, no local onde ficava o curativo. — Não sei — Henriksen respondeu, a expressão fechada. — Mas não é apenas turbulência. Chegaram ao final do corredor, e Henriksen se pôs a bater na porta da cabine, gritando para que o piloto ou o copiloto o deixassem entrar Drake deu um passo para trás e sentiu o sapato chapinhar no chão. Quando olhou para baixo, soltou um palavrão e bateu no ombro do bilionário, apontando para o sangue que escorria por baixo da porta. — Para trás! — Drake gritou, sacando a arma. Henriksen deu um passo para o lado, os olhos arregalados, e cobriu os ouvidos, protegendo-se contra o estrondo que o tiro causaria em um local tão fechado. Drake tentou não pensar na possibilidade de uma das balas ricochetear nem no que poderia acontecer ao avião naquela altitude se ela atravessasse a fuselagem. Puxou o gatilho três vezes, destruindo a tranca da cabine. Drake abriu a porta com um chute e invadiu a cabine, com Henriksen logo a seguir. O piloto estava deitado no chão, a garganta cortada, aberta como um sorriso sangrento. O copiloto tinha nas mãos uma lâmina curva perturbadoramente familiar, do mesmo tipo que os Protetores da Palavra Oculta usavam. O sujeito parecia grego; se não fosse, com certeza também não era chinês. Por um instante, Drake pensou que tudo que haviam imaginado estava errado, que de fato não sabiam nada sobre a ameaça que enfrentavam e sobre as pessoas que tentavam impedi-los a qualquer custo de encontrar o Quarto Labirinto. Então notou os olhos sem vida do copiloto, a expressão perdida e distante, e concluiu que o homem não tinha a menor consciência do que fazia. —Jogue a faca ou eu atiro — Drake disse. O copiloto parecia nem ter se dado conta da presença deles. Em vez de fazer o que Drake havia pedido, à menção da palavra faca, encarou a lâmina, brilhante e ensanguentada, com os olhos arregalados. Sem mover um músculo do rosto, cortou a própria garganta. — Não, droga! — Drake gritou, tentando detê-lo. O homem desabou no chão, tremendo, o sangue esguichando do ferimento, O corte fora longo e profundo, e não havia nenhum meio de salvá-lo. Henriksen olhou os dois homens mortos, ao mesmo tempo que a fuselagem do avião guinchava, as correntes de ar fazendo a aeronave pender ainda mais para a direita. A qualquer segundo, começaria a despencar. Drake guardou a arma e se atirou no assento do piloto. Agarrou o manche com firmeza, tentando manter o avião estável para evitar que se despedaçasse no ar. — Por favor, diga-me que sabe pilotar um avião Henriksen falou. Drake nem sequer o olhou ao responder: — Serve mais ou menos? 19 yr Henriksen era capaz de usar sua riqueza para comprar praticamente qualquer coisa. Era evidente que o homem estava acostumado às facilidades que o dinheiro traz. Mas, não importava quão rico fosse.. não tinha como apressar a polícia de Nanjing. Quando um punhado de norte-americanos e um norueguês milionário realizavam um pouso de emergência no aeroporto local com dois homens mortos a bordo, os tiras tinham de fazer algumas perguntas. Em qualquer outro dia, o tédio que Drake sentia agora o deixaria à beira da histeria. Porém, considerando que menos dc duas hora atrás havia conseguido pousar um jato, chegando à pista com o auxilio de controladores de tráfego aéreo cujo vocabulário em inglês parecia ter sido tirado inteiramente de antigos filmes de Tom Cruise, tudo o que queria era uma cerveja. Não que culpasse os controladores por não falarem sua língua, afinal, estavam no país deles. Mas, quando um dos controladores o chamou de Maverick, brincadeirinha sem graça referindo-se ao personagem de Tom Cruise em Top Gun, teve a certeza inabalável de que ia morrer. Conseguir aterrissar sem matá-los, no entanto, o fizera ganhar o dia. Tinham partido de Santorini logo após as oito da noite, duas da manhã no horário de Nanjing, e o voo levara quase doze horas, mesmo com a infeliz interrupção causada por um assassinato e um suicídio a bordo. Agora, olhando através das janelas do escritório de segurança do aeroporto, Drake podia ver as sombras se esgueirando e a luz do fim da tarde tornando-se dourada. O relógio marcava pouco mais de cinco da tarde. Jada tinha se encolhido em um sofá e adormecido. Pura ressaca de adrenalina, ele imaginou. Corelli estava sentado diante de Drake em uma cadeira de plástico e metal bem desconfortável, as mãos no colo. Parecia um boneco de cera de algum gângster de filme dos anos 1940. Por uma divisória de vidro, Drake podia ver Henriksen e Olivia, de pé e calados, com cara de poucos amigos, enquanto representantes da policia de Nanjing, da segurança do aeroporto e um homem de terno escuro do governo chinês discutiam com funcionários das embaixadas norueguesa e norte-americana. O copiloto era um assassino profissional ou um terrorista, com a missão de eliminar um homem de negócios bem-sucedido, insistiam os diplomatas. Henriksen e os demais passageiros tinham sorte de ainda estar vivos; não deviam ser tratados como criminosos. Era essa a essência da discussão, pelos pequenos trechos que Drake ouvia quando a porta da sala se abrira na entrada ou na saída de agentes. Mas o verdadeiro conflito ali dizia respeito às armas que haviam sido encontradas no avião. Enquanto Drake lutava para manter a aeronave no ar, Corelli tinha reunido todo o armamento, escondendo-o dentro de um armário de comida. Agora, Henriksen e Olivia insistiam que não sabiam nada sobre aquele arsenal e que tudo deveria pertencer ao copiloto assassino. As autoridades chinesas tinham dificuldade em acreditar que apenas uma pessoa precisaria dc meia dúzia de armas, embora os representantes das embaixadas dos Estados Unidos e da Noruega fizessem bastante pressão para convencê-los. Drake tinha a sensação de que não levaria muito mais tempo até que pudessem partir, mas não sem o governo local colocar algum tipo de vigilância no encalço deles. Pelo jeito, teriam uma noite interessante pela frente. Drake levantou-se e se encaminhou para a saída. Corelli franziu o cenho e o observou. Havia um visor de vidro na porta metálica, e através dele podia ver dois guardas no corredor externo, O diretor de segurança e os investigadores de polícia haviam sido bastante educados, embora os tratassem com frieza. Polidos ou não, no entanto, o fato é que estavam em uma área de detenção. Por enquanto, ninguém tinha afirmado que estavam sob custódia, mas, até que fossem liberados, podiam perfeitamente se considerar atrás das grades. Apesar da enrascada Drake não conseguia parar de pensar em Sully. Enquanto estavam trancafiados ali, inventando mentiras e tentando convencer as autoridades, onde ele estaria? Drake depositara todas as esperanças na crença de que os Protetores da Palavra Oculta haviam levado Sully ao Quarto Labirinto, e tudo levava a crer que ficava em Nanjing. Porém, até que encontrassem o lugar, não havia como ter certeza de que o amigo ainda estava vivo. O que o incomodava mais era o fato de serem prisioneiros não apenas das autoridades, mas também da própria ignorância. Haviam conseguido chegar a Nanjing, mas na realidade não estavam nem um pouco mais próximos do labirinto Até que soubessem exatamente onde ficava, todas as informações que tinham seriam inúteis. Por isso, enquanto Jada dormia e Corelli parecia absorto, Drake pensava e repensava no que sabia sobre Nanjing, tentando encontrar um modo de resolver a equação. Não tinham acesso à internet. Corelli não podia sequer contatar Yablonski na Phoenix Innovations para verificar se o brilhante e recluso cientista tinha descoberto algo mais que pudesse ajudá- los. Por enquanto, estavam sozinhos com um mistério nas mãos. Quando os agentes de segurança os cercaram e os retiraram da pista do aeroporto, passaram por um corredor com propagandas coladas às paredes. Uma delas mostrava o metrô e um mapa que exibia as várias linhas que circulavam pela cidade. Drake não conseguia entender o que estava escrito, mas as palavras “Metrô de Nanjing” estavam em inglês, e o pôster o deixara pensativo. Se a cidade fora construída sobre o Quarto Labirinto, provavelmente houvera milhares de oportunidades, ao longo dos anos, para os trabalhadores descobrirem a antiga estrutura. Na cidade havia linhas de metrô, shoppings subterrâneos e, mais recentemente, abrigos contra bombas e terremotos. Suspeitava que, se pesquisassem bem o assunto, encontrariam todo tipo de histórias sobre trabalhadores desaparecidos durante as escavações para esse tipo de projeto. Se os Protetores da Palavra Oculta haviam se mantido em atividade por dois mil anos antes de as fundações da cidade de Nanjing serem construídas, por certo tinham tomado cuidado durante todo esse tempo para manter os escavadores afastados. O labirinto podia ficar no subsolo, mas Drake duvidava que fosse abaixo do metrô. Precisavam com urgência de um mapa do metrô de Nanjing. Tinham de encontrar um pedaço da cidade sem túneis subterrâneos recentes, um espaço grande o suficiente para um labirinto do mesmo tamanho do de Thera. Drake havia refletido muito a respeito da lenda do demônio que supostamente vivia sob um dos portões da cidade durante a fase de obras da Dinastia Ming. No passado, Nanjing tivera treze portões, mas apenas um ainda permanecia de pé. Era provável que tivesse outro nome antes, mas agora era conhecido apenas como Portão da China, uma das atrações turísticas locais. Só havia visto fotos dele, mas valia a pena visitá-lo. Talvez aquele único portão restante quisesse dizer alguma coisa. Virou-se e percebeu que Corelli ainda o observava. Jada passou a se mexer e abriu os olhos. Por um segundo, sorriu para Drake, mas em seguida foi como se um véu de angústia lhe cobrisse os olhos. Ela se lembrara de onde estavam, e do motivo, além de tudo o que acontecera na última semana. Drake sentiu inveja dela por aquele breve momento de tranquilidade e paz que tivera entre o sono e o despertar. A porta se abriu, e os três se viraram para observar a entrada de um guarda. Drake ficou desapontado, mas o guarda não fechou a porta atrás de si.Manteve-a aberta para Henriksen e Olivia entrarem. Os dois exibiam expressões idênticas no rosto, uma mescla de arrogância e irritação aliadas à inconveniência que haviam sido forçados a aturar. Os dois diplomatas os seguiam, junto a um oficial da polícia de Nanjing. Pela divisória de vidro, Drake viu o representante do governo chinês conversar com o diretor de segurança do aeroporto. Nenhum deles parecia muito satisfeito com a situação, o que confirmava sua suspeita de que teriam permissão para partir. — Venha Drake — disse a Jada. — Estamos de saída. Uma limusine os aguardava do lado de fora. Carregadores levaram as bagagens e as colocaram no porta-malas, e Corelli o fechou com força. Drake e Jada entraram no veículo logo após uma conversa rápida entre Olivia e Henriksen e os representantes das embaixadas da Noruega e dos Estados Unidos. Corelli ficou ao lado dele, posicionando-se de novo como guarda-costas. Nenhum deles estava armado, e não podiam pedir as armas de volta, uma vez que haviam negado ser os proprietários, mas o capanga atarracado tinha ares de quem sabia ferir pessoas mesmo sem usar balas. Pelo jeito, a conversa era a respeito da gratidão do empresário pela intervenção dos diplomatas e a maneira como a expressaria. Em dinheiro vivo, claro, Drake pensou. Henriksen abriu a porta do passageiro e olhou para o motorista. —Saia. — Senhor Henriksen — o homem loiro protestou num sotaque bem mais carregado que o do bilionário. — A embaixada me enviou. Devo levá- lo para onde o senhor quiser. Henriksen desviou o olhar para os diplomatas na calçada, depois se voltou para o motorista: — Você será pago. Mas tenho meu próprio motorista. Enquanto falava, Corelli deu a volta no carro, abriu a porta do motorista e fez um gesto para que o homem saísse. Ele hesitou, depois deu de ombros e desceu, deixando o motor ligado.Já na calçada, falou algo em norueguês em voz alta, para que o diplomata, do outro lado da limusine, o ouvisse, O outro homem apenas assentiu com a cabeça, e o motorista saiu do caminho, deixando que Corelli assumisse o volante, O rapaz loiro ainda ficou parado ao lado do veículo, olhando sem entender direito o que acontecia ao ver o capanga bater a porta. Henriksen se juntou a Olivia, Jada e Drake na parte de trás, e, alguns segundos mais tarde, o carro estava em meio ao trânsito de quem deixava o aeroporto. Jada e Drake se entreolharam. — Você já dirigiu em Nanjing antes? — Jada perguntou. — Nunca estive na China — Corelli respondeu, e apontou com a cabeça para o painel. — Mas temos um GPS. Não deve ser tão difícil assim. — Me dê isso — Henriksen falou. Corelli tirou o GPS do painel e o passou pela janela aberta que ficava entre o banco do motorista e a traseira da limusine. Henriksen tocou a tela, trocou rapidamente o idioma do aparelho e digitou um endereço antes de devolvê-lo. — Obrigado, chefe — Corelli falou. — Para onde vamos? —Jada perguntou. Olivia esticou as pernas, e o couro do assento estalou com o movimento. Drake não pôde deixar de notar o belo formato das pernas dela, ressaltado pela calça apertada, e se perguntou se fazia essas coisas de propósito, para ser admirada, ou se era apenas um reflexo após décadas tentando ser o centro das atenções: — Vamos para o hotel — Olivia respondeu. Drake franziu o cenho, abandonando os pensamentos sobre Olivia. — Não acho que deveríamos. Aqueles ninjas desgraçados estão com Sully. Não vou ficar tranquilo em alguma suíte de hotel enquanto fazem sabe-se lá o que com o meu amigo. — Ninjas são do Japão — Corelli retrucou, olhando pelo retrovisor enquanto o GPS lhe dava instruções com uma suave voz feminina. — Cale a boca — Drake respondeu. —Acha que eu não sei que... Hà. quer saber? Esquece! — Olhou para Henriksen. — Escute: enquanto estavam lá resolvendo nosso incidente diplomático, fiquei tentando descobrir onde o labirinto poderia estar. Acho que precisamos dar uma boa olhada no Portão da China. E também vamos precisar de um mapa do metrô. Henriksen apenas escutava calmamente. Jada assentiu várias vezes em sinal de apoio, mas Olivia apenas olhava através do vidro escuro da limusine enquanto as luzes de Nanjing se acendiam ao redor e a noite caía. A paisagem da cidade era uma estranha mistura de modernos e reluzentes prédios comerciais e edificações antigas, típicas da China. Passaram por carros, ônibus e bicicletas, e por uma multidão de pessoas, mas Drake não prestou atenção a nada disso. Não estava ali para apreciar a vista. — Já estive no Portão da China — Henriksen comentou assim que Drake se calou. —Já esteve em Nanjing antes? —Jada perguntou, os olhos estreitados de suspeita. Henriksen lhe lançou um olhar divertido. — Tenho negócios no mundo inteiro. Já estive praticamente em todos os lugares em um momento ou em outro. No entanto, da última vez que estive aqui, há quase quinze anos, estava em um tour pelo país com minha ex-mulher. Era uma viagem de lazer. A lógica do senhor Drake é consistente. O Portão da China ficou pronto durante a Dinastia Ming, mas os construtores usaram partes do portão original da cidade, que foi feito pela Dinastia Tang, no século VIII. Recordo especificamente que era conhecido como Portão Jubao, que pode ser traduzido como Portão do Tesouro. Drake sentiu um arrepio. — Você acha que pode ser uma referência ao ouro que o sobrinho de Dédalo trouxe de Thera? — É possível — Henriksen respondeu. —Já não teriam encontrado o tesouro se fosse esse o caso? — Olivia perguntou, agora com os olhos iluminados de interesse. Ansiosa, inclinou-se no assento. — Esse portão deve ser muito visitado por turistas. Mesmo que a gente parta do princípio de que os protetores do labirinto sequestravam ou matavam qualquer um que encontrasse a entrada, eles mesmos precisavam entrar no lugar. Não parece provável que a entrada do labirinto esteja em um local tão público. — Talvez a entrada não fique lá —Jada argumentou. — Quantas pessoas poderiam desaparecer no mesmo lugar sem que as autoridades investigassem a fundo? Drake assentiu e olhou pela janela enquanto a limusine atravessava uma ponte sobre o rio Qinhuai, onde as águas calmas abrigavam barcos com toldo amarelo. O argumento de Jada fazia sentido, e a empolgação momentânea que sentira se dissipara. — De qualquer modo, não temos como chegar lá e simplesmente começar a procurar — Henriksen disse. — Não importa o que formos fazei vamos fazer de noite para ficarmos menos visíveis. Se conseguirmos encontrar o labirinto, aqueles assassinos com certeza estarão nos esperando. Portanto, precisamos de reforços. Uma equipe de segurança já está a caminho. Vai chegar aqui por volta da meia-noite. E é claro que o governo e a polícia estarão nos vigiando. Mas só preciso de algum tempo para fazer com que os subornos cheguem aos bolsos certos e estimulem as autoridades a nos ignorar enquanto fazemos nossa busca. Drake soltou um palavrão, cerrando os punhos ao pensar em Sully. Jada tocou o braço dele. — Ele é um velho durão. Vai aguentar bem até chegarmos. — Vamos para o hotel Henriksen decretou, tirando o telefone do bolso. — Enquanto isso, Yablonski vai dar uma boa olhada no mapa do metrô de Nanjing e descobrir o que mais é tão antigo quanto o Portão da China. — Ele já está compilando um banco de dados sobre os desaparecimentos Olivia informou. Se conseguir achar uma concentração de pessoas que sumiram em um lugar específico ao longo do século, vai ajudar muito. Drake não tinha como discordar de nenhum deles, e isso só tornava sua frustração ainda maior. Vários minutos se passaram enquanto Henriksen falava com Yablonski ao telefone. Depois, o interior da limusine foi tomado por um silêncio só quebrado pelo leve ronco do motor e o ruído de pneus no asfalto. O olhar de Drake se perdeu na direção leste, onde a cidade terminava em uma montanha cujo sopé ficava ao lado de uma enorme floresta. Ao se virar para Jada, notou sua angústia para sair o mais rápido possível dali. Ela e a madrasta dividiam o mesmo assento, mas estavam bem distantes uma da outra. Como foi que chegamos a este ponto?, Drake refletiu. Trabalhando lado a lado com as mesmas pessoas que queríamos impedir de chegar ao labirinto no início? Henriksen e Olivia podiam não ser os responsáveis pela morte de Luka, mas tudo o que o pai de Jada desejava era impedir o bilionário de chegar ao Quarto Labirinto antes dele. O que faria se conseguisse chegar lá primeiro. Luka?, perguntou mentalmente. Qual seria o próximo passo? Drake virou-se para Henriksen e estendeu a mão: — Me empresta o telefone. O homem cerrou os olhos azuis. — O quê? Jada estudou os dois com uma expressão do tipo “o que você está aprontando agora?” no rosto. — O telefone, por favor — Drake insistiu. Henriksen deu de ombros e lhe entregou o celular. Olivia parecia nervosa, preocupada com a hipótese de Drake ter algum truque em mente. A velocidade da limusine diminuiu um pouco quando Corelli olhou pelo retrovisor, aparentemente desconfiando de algo. Drake pensou em dizer que não era nenhum finja e que não teria como usar o telefone como arma letal. Mas decidiu deixar pra lá. Se pensar no que poderia fazer os deixava nervosos, era melhor assim. O acesso à internet era limitado na China, portanto não era de muita utilidade naquele momento. Porém, com um rápido telefonema para um serviço de informações telefônicas em Londres, conseguiu o número do Departamento de Arqueologia da Universidade de Oxford. Momentos depois, podia ouvir um chiado vindo da linha no outro lado do mundo. — Gostaria de falar com Margaret Xin, por favor — pediu assim que um homem atendeu. Os olhos de Henriksen se arregalaram de surpresa, e ele tentou pegar o telefone. Drake deu um tapa para afastar sua mão, mas mesmo assim ficou impressionado por ter o bilionário reconhecido o nome de Margaret. — Relaxa, loirinho — Drake falou. — Estamos juntos nessa. Odiou dizer aquelas palavras em voz alta. Queria cuspir depois para tirar o gosto delas da boca. No que lhe dizia respeito, estavam do mesmo lado apenas enquanto o destino deles estivesse unido, e nem um instante a mais. Imaginava que Henriksen se sentisse do mesmo modo. Uma voz feminina soou baixo do outro lado da linha: — Alô? — Maggie, é Nathan Drake. — Nate? Que surpresa. Está em Londres? — Não, Maggie, escute... Sully está em apuros —Drake explicou. — Sei que vocês dois terminaram de um jeito meio desagradável, mas preciso da sua ajuda. Ele ouviu um profundo suspiro, e, quando ela falou de novo, sua voz estava trêmula. — Não é uma encrenca do tipo “trapaceei na mesa de jogo”, é? — Acha que eu teria ligado se fosse algo assim? — Pensando bem, não — Maggie murmurou. — Tem razão, Nate. O fim do nosso relacionamento foi bem feio. Na verdade, feio não é nem a metade da história. Queria que ele fosse diferente, mas não devo culpá-lo por ser corio é. Em que posso ajudar? Drake respirou, aliviado, e trocou um rápido olhar com Jada. — Nanjing — ele disse. — Procuramos algo bem antigo. Talvez fique no nível subterrâneo. Quem sabe catacumbas, uma fortaleza ou um palácio. — Estão na China? — Maggie perguntou. —O que estão fazendo... — Não posso explicar nada agora. Quando a história acabar, eu te ligo e conto tudo. Neste momento, preciso de qualquer informação que possa me dar. Maggie hesitou, pensativa. — Bem, não vão encontrar catacumbas de verdade aí. O resto, fortalezas, palácios, tem de tudo quanto é tipo. Mas, no subterrâneo, a única coisa de que consigo me lembrar é o palácio de Zhu Yuanzhang, mais conhecido como Imperador Hongwu. Ele foi o primeiro imperador da Dinastia Ming. O palácio supostamente fica sob o Mausoléu Ming Xiaoling, dentro do Monte do Tesouro. Drake estacou, o coração batendo forte no peito, no mesmo compasso do motor da limusine. — Monte do Tesouro — repetiu, para ter certeza de que escutara direito. — Bom, não existe um tesouro de verdade lá Maggie explicou. — É uma referência à tumba do imperador e ao que possa estar lá, enterrado com ele. — Por que você disse que “supostamente” fica lá? Não têm certeza? —Drake perguntou. — Ninguém sabe de verdade. O mausoléu é um complexo de vinte prédios que levou décadas para ser construído. O Monte do Tesouro é uma colina no meio do complexo, que fica na parte leste da cidade. Os arqueólogos usaram equipamentos geomagnéticos de exploração e conseguiram confirmar a presença de vários túneis abaixo da colina. Acontece que todo o monte estava coberto com grandes tijolos das Seis Dinastias, datados do século V o que sugere ter havido ali alguma outra estrutura em outro momento da história. A equipe que analisava o Monte do Tesouro encontrou túneis que levam direto ao interior da colina. Parte do complexo do mausoléu é uma estrutura chamada Torre das Almas; a base dela está embrenhada no monte. Conseguiram mapear o túnel, que leva direto à base da torre e a algum tipo de passagem, mas não conseguiram avançar além desse ponto. Drake franziu o cenho. — Como assim, não conseguiram avançar? Houve algum tipo de desabamento? — Não recordo de todos os detalhes Maggie falou. — Sei que existe algum tipo de sala, mas não encontraram nenhuma entrada para ela. Ainda assim, os arqueólogos que trabalhavam lá estavam convencidos de que tinham encontrado o verdadeiro local onde Zhu Yuanzhang estava enterrado. O olhar de Drake buscou o horizonte lá fora, onde as luzes de Nanjing cintilavam. — Não entendo. Por que não escavaram? — perguntou. —É contra a lei. — O quê? — A única das Treze Tumbas Imperiais da Dinastia Ming que foí escavada é a tumba do Imperador Wanli, em Pequim, e isso ocorreu nos anos 1950. Depois disso, o governo proibiu a escavação de todos os outros palácios subterrâneos. Drake ficou em silêncio, mas sentia várias peças do quebra-cabeça encaixar. Desviou o olhar para Jada, Olivia e depois Henriksen. — Nate, ainda está aí? — Maggie perguntou. — Estou. Mas tenho de desligar agora. — Ajudei de alguma forma? Uma imagem atravessou a mente de Drake — homens encapuzados arrastando Sully para dentro das trevas no Labirinto de Thera. — Sinceramente, espero que sim — ele respondeu. — Eu também — Maggie concordou. — Quando conseguir achar Victor... —Sim? — Diga que ainda gosto muito dele. Drake podia sentir anos de remorso e arrependimento naquelas palavras, mas não podia oferecer a ela nenhum consolo além de prometer que passaria o recado adiante. De certo modo, era uma promessa a si mesmo, um voto de que conseguiria ver Sully de novo e lhe transmitir o amor de Margaret Xin. Mais uma vez, disse-lhe que contaria toda a história quando pudesse, encerrou a chamada e devolveu o celular a Henriksen. — Posso saber o que aconteceu? — Henriksen perguntou. — O que é Monte do Tesouro? — Olivia quis saber. Drake se reclinou no assento, sentindo o couro estalar sob seu corpo. —O que me diriam se eu contasse que a tumba do primeiro imperador da Dinastia Ming fica sob uma colina não muito distante daqui, um lugar dentro do qual os arqueólogos nunca estiveram porque o governo chinês proibiu escavações no local? Henriksen e Olivia o encararam, estupefatos. No banco da frente, Corelli soltou um palavrão. Jada sorriu — Diria que ou alguém no governo é muito bem pago para manter um segredo, ou está assustado demais para não aceitar o dinheiro. — Não sei... — Olivia comentou. — Isso não prova nada. — Talvez não, mas é um começo — Drake falou. -— E posso apostar com você como não passa nenhuma linha de metrô sob esse lugar. 20 enriksen pareceu relutante diante da insistência de Drake e Jada para que seus homens não matassem os guardas no Mausoléu Ming Xiaoling. Corelli, por sua vez, estava verdadeiramente desapontado. Sete horas tinham se passado desde a conversa de Drake com Margaret Xin, e Henriksen usara o intervalo de maneira inteligente. Dois diferentes grupos de mercenários se apresentaram para o serviço, em um total de dezesseis homens e mulheres dispostos a aceitar ordens sem questionar a moralidade ou a legalidade delas. Foram apresentados a Drake e Jada como empregados de empresas de segurança privada emprestados à Phoenix Innovations, mas esse era apenas um jeito educado de dizer que eram ex-militares dispostos a colocar seu treinamento a serviço de quem tivesse dinheiro suficiente para pagá-los. Os capangas de Henriksen vieram acompanhados de um arsenal passível de provocar um ataque cardíaco nos policiais do aeroporto de Nanjing que os haviam interrogado. Quando Drake pediu armas para ele e Jada, Henriksen tentou protestar. Quase disse a Perkins, o oficial em comando, que não as desse. Depois, aparentemente se lembrou de que todos fingiam estar do mesmo lado, e assentiu com um aceno de cabeça. Aquilo respondeu a uma questão que atormentava a mente de Drake havia algum tempo. Henriksen sabia que não pretendiam chegar aos mesmos resultados com aquela missão. A prioridade de Drake era a segurança de Sully, mas ele e o amigo também tinham prometido a Jada que cumpririam o último desejo de Luka e revelariam ao mundo os segredos do Quarto Labirinto. Se Henriksen pretendia saquear o tesouro de Dédalo, obviamente não tinha nenhuma intenção de revelar ao mundo que o tesouro existia e muito menos que ele o tinha roubado. Era claro, portanto, que, no que dependesse de Henriksen, nenhum segredo ligado ao labirinto se tornaria público. Para evitar que qualquer informação vazasse, teria de matar Drake, Jada e Sully. E haveria melhor lugar para matar os três do que o labirinto, onde provavelmente jamais seriam encontrados de novo? Mas, se Henriksen não era responsável pelas mortes de Luka e Cheney, seria mesmo um assassino? Será que realmente pretendia matá- los ou chegar a um acordo com eles? Drake estava certo de que só havia um modo de descobrir. Sentiu uma leve esperança quando o empresário ordenou que seus homens não matassem os guardas do mausoléu, que foram amarrados, amordaçados e nocauteados, mas, de qualquer maneira, pela manhã ainda estariam vivos, o que era um bom sinal. Tinha quase certeza de que estavam no local correto. Além das conclusões a que haviam chegado após o telefonema para Margaret Xin, Yablonski descobrira um pequeno fato que tornou o palpite ainda mais sólido: os trezentos soldados que tinham desaparecido nas imediações de Nanjing na década de 1940 haviam acampado em Dulongfu, uma colina aos pés das montanhas Zijin Shan. Exatamente o local onde ficava o Mausoléu Ming Xiaoling. Agora, com o auxílio apenas da luz da Lua, corriam rumo ao norte nas proximidades do mausoléu, em direção à Torre das Almas e ao Monte do Tesouro, que ficava um pouco além. Atravessaram um caminho sinuoso, ladeado por estátuas de animais, tanto reais quanto mitológicos, depois por figuras humanas. Após atravessarem diversas pontes, chegaram a um portão de pedra vermelho, que antes dava acesso a uma série de construções, das quais tudo o que restava era a fundação dos prédios originais. Depois de mais uma ponte e um túnel. enfim se aproximaram da Torre das Almas, uma enorme estrutura de pedra junto ao Monte do Tesouro. A equipe de pesquisas de Yablonski conseguira encontrar artigos e relatórios do grupo de arqueólogos que confirmavam a localização da tumba e o túnel que levava até ela. Orientados por um mapa que Yablonski mandou por e-mail e que Henriksen agora acessava pelo celular; Corelli e Perkins os conduziram direto até a entrada do túnel. Os mercenários eram talentosos, Drake tinha de reconhecer. Conseguiam se deslocar em total silêncio, mesmo carregando armas e mochilas. O único som que se escutava era o vento soprando no topo da colina. Com as árvores que cercavam todo o complexo do mausoléu, nem mesmo o barulho da cidade chegava até eles. A noite parecia ter retido a respiração naquele momento. Um portão de arame fora instalado para bloquear a entrada do túnel. Perkins fez um gesto para uma mulher morena de expressão fechada, que, apressadamente, tirou um alicate de pressão da mochila. Em trinta-segundos, ela cortou as correntes que trancavam o portão. Antes que caíssem no chão, Perkins as apanhou, para que não fizessem barulho. Os portões rangeram um pouco ao ser abertos. Em seguida, todos entraram aos pares no túnel. Com a ausência do vento, foram tragados pelo silêncio do lugar. Os passos que davam, não importava quão cuidadosos fossem, pareciam ecoar pelas paredes e pelo chão. Drake e Jada se entreolharam, e ele percebeu a ansiedade em seu rosto. Seu coração estava acelerado, e sabia que o dela também estaria assim. Ainda havia a possibilidade de que tivessem se enganado, de que o labirinto não fosse encontrado sob a tumba do imperador, mas sentia uma certeza inabalável, além de uma leve ameaça no ar. Talvez fosse esse presságio do perigo que o fizesse acreditar que haviam chegado ao destino certo. As lanternas iluminavam a escuridão no fim do corredor, onde estaria a base da Torre das Almas. Quatro dos mercenários cercavam o grupo, protegendo-o, com suas luzes e armas voltadas para a entrada do túnel. — Senhor Drake — Henriksen chamou, fazendo um gesto para que se aproximasse. Drake e Jada se reuniram a Henriksen e Olivia, que estavam parados à entrada em arco da Torre das Almas. Juntos, adentraram uma pequena câmara oval. As paredes haviam sido construídas com blocos de pedra, sem nenhum tipo de pintura nem entalhe, e a sala era pequena o suficiente para dar aos quatro ocupantes uma sensação de claustrofobia. Com uma lanterna na mão, Drake passou a empurrar cada um dos blocos com a mão livre. Pressionou cantos e fendas, e Henriksen seguiu seu exemplo. Jada e Olívia se uniram a eles. Olivia tentou empurrar uma parede com o ombro, talvez pensando que fosse se mover por inteiro. Não encontraram nenhuma pista da genialidade que criara o equilíbrio perfeito dos mecanismos que abriam portas e passagens ocultas nos outros labirintos. A menos que tivessem deixado alguma coisa passar, aquela câmara não passava de uma sala comum. — Droga — Olivia murmurou. — Eu tinha tanta certeza... — Todos tínhamos — Henriksen acrescentou. Jada balançou a cabeça em protesto. — Não é possível. Deixamos passar alguma coisa. De outra maneira, qual seria o propósito desta câmara? Não é um local para rituais. Construíram um túnel para chegar aqui. Com certeza ainda não procuramos em todos os lugares possíveis. — A inspeção geomagnética mostrou rachaduras e cavidades no monte, e também perto deste túnel — Henriksen disse. — A entrada está por aí. Esteja o labirinto aqui ou não, não temos dúvida de que a tumba do imperador está. Só precisamos achar um meio de entrar. Drake esquadrinhou a parede com a lanterna, a expressão fechada. Examinou o chão, que era feito dos mesmos blocos de pedra que as paredes. Algumas das pedras não davam limite com a parede, como se continuassem do outro lado, o que só faria sentido se a entrada fosse mesmo naquela sala. Ajoelhou-se e passou os dedos no encontro da parede com o chão, na extremidade oposta à entrada. Percebeu que a parede fora apoiada sobre uma pedra maior, que parecia continuar do outro lado. Iluminando o restante da sala, notou que o mesmo se dava com as outras paredes. — Descobriu alguma coisa? — Jada perguntou. — O que foi? Drake se levantou, saiu apressado da pequena câmara e quase trombou com Corelli, que estava parado bem à entrada, observando-os. — Olhe por onde anda, idiota — o capanga grunhiu. — Afaste-se — Drake vociferou, antes de fazer um gesto com a lanterna na direção de Perkins e dos outros capangas. — Todos vocês, me deem espaço. Todos obedeceram de pronto. Drake parou à entrada da sala, esculpida em formato de chifre de touro, usando a lanterna para estudar o arco da entrada e o local ao redor. As pedras logo acima da entrada tinham formas variadas, como se os pedaços de blocos tivessem sido colocados ali apenas porque davam encaixe. Porém, cerca de quinze centímetros acima, notou um acabamento mais grosseiro, que lembrava um octógono. Não era perfeito, mas, olhando com calma, Drake constatou que o formato não era por acaso ou acidente. A princípio, nenhum deles o percebera porque procuravam um entalhe, como os que tinham encontrado nos outros labirintos. Drake desviou o olhar para a câmara de novo, examinou o chão com atenção e fez um gesto para Jada. — Saiam dai — pediu. - Todos vocês. Jada e Henriksen atenderam, e ele se afastou para deixá-los passar. Olivia franziu o cenho. Não pareceu apreciar a ideia de Drake lhe dizer o que devia fazer. No entanto, um instante depois, seguiu seu chefe para fora da pequena câmara. Pelo menos até aquele momento, todos partilhavam da mesma meta. Ele se virou para Perkins e Corelli: — Conseguem me levantar? Corelli deu um sorriso de escárnio. —Claro que eu consigo. Perkins, por sua vez, virou-se para o maior homem de seu grupo. — Massarsky, ajude o cara aqui. Um mercenário de pescoço enorme tirou do ombro a alça da metralhadora e a entregou a Garza, uma mulher latina de olhos frios que usava o cabelo preso em um coque impecável. Ela pegou a arma, mas Drake notou que a dela permaneceu sutilmente apontada, não para ele exatamente, mas também não para muito distante. — Subindo — Massarsky falou enquanto se abaixava no chão. Drake entregou a lanterna a Jada e se apoiou nas laterais da entrada enquanto subia nas costas de Massarsky. Vários feixes de lanternas convergiram para a pedra octogonal que ele identificara. Quando a pressionou, ela não se moveu; porém, ao colocar uma das mãos sobre a outra e empurrar com o peso do corpo, o octógono deslizou para trás, primeiro dois centímetros, depois cinco. Pensou em Sully e se permitiu um pouco de esperança ao ouvir o ranger das pedras se movendo e o ruído de mecanismos atrás das paredes. Desceu das costas de Massarsky e olhou para dentro da câmara da Torre das Almas, mas nada havia acontecido. Jada tocou seu braço e, ao se virar, viu que um bloco quadrado se movera para fora da parede à esquerda da entrada. Uma pequena nuvem de poeira começou a deslizar para o chão. Várias lanternas oscilaram ao mesmo tempo para iluminar o quadrado de trinta centímetros que surgira diante deles. — Tem outro ali— Corelli avisou. Drake se virou e avistou a segunda pedra, que ficava exatamente oposta à primeira, destacando-se da parede. Com um baque alto, o ruído de mecanismos se movendo atrás das paredes cessou. Henriksen passou por Massarsky e examinou o quadrado da esquerda. Garza devolveu a arma ao mercenário de pescoço enorme. mas ficou de olho na outra pedra. Jada a iluminava com a lanterna, e Drake se aproximou, passando os dedos ao longo do bloco. — Tem um espaço livre atrás desta pedra — Henriksen disse. — Aqui também — Drake falou. Seus dedos tocaram o que parecia ser um cilindro de pedra lisa, como um pequeno pilar de sustentação ou o eixo de uma roda. Uma roda, pensou, enquanto segurava com firmeza o bloco de pedra e tentava girá-lo. Ao fazer o movimento para a direita, sentiu que ele cedia. — Gire o bloco! — Drake pediu a Henriksen. Olhando por cima do ombro, percebeu que o norueguês fazia exatamente o que havia solicitado. Simultaneamente, fizeram os quadrados rodar até não haver mais espaço para se mover. Drake sentiu algo vibrando por trás da parede, e dessa vez os rangidos e baques eram muito mais altos. Ouviu Jada chamá- lo com um grito, no mesmo instante em que conseguiu localizar de onde vinha o enorme barulho: da pequena câmara sob a Torre das Almas. Os mercenários eram mesmo bem treinados; nenhum deles se moveu, preparados para o que poderia acontecer em seguida, mas Corelli, Olivia e Jada obstruíram a entrada, e Drake precisou esticar o pescoço para ver o que acontecia lá dentro. Os blocos de pedra que formavam o chão da pequena câmara começaram a afundar em filas horizontais, cada um descendo alguns centímetros a mais que o anterior. Haviam encontrado o mecanismo que procuravam. O piso se transformara em uma escadaria que conduzia à profunda escuridão lá embaixo. — Massarsky — Perkins falou —, você e Zheng vão na frente. Os dois mercenários passaram pela entrada em formato de chifre de touro, as lanternas presas às armas, e começaram a descer os degraus, prontos para atirar. Drake já havia entrado em templos antigos e ruínas antes, e normalmente acharia aquela cautela um pouco exagerada, mas naquele caso era diferente. Sabiam que seriam atacados a qualquer momento. Os Protetores da Palavra Oculta os esperavam, embora não tivessem ideia de quantos poderiam aparecer. Era possível conceber que boa parte dos encapuzados tinha morrido nos conflitos no Egito e em Santorini. Ainda assim, era melhor tomar cuidado. Henriksen, Olivia e Corelli seguiram a primeira meia dúzia de mercenários, mal se preocupando ao deixar Drake e Jada para trás. Agora que haviam encontrado o caminho para dentro da tumba do imperador, a animosidade entre eles fora momentaneamente esquecida. Toda a atenção estava nas trevas abaixo. Por mais que Drake quisesse encontrar Sully, não tinha o menor problema em deixar o esquadrão de capangas entrar na frente. Se os ninjas assassinos estivessem por perto, não se entristeceria se os homens de Henriksen levassem os primeiros golpes. Desceram a escada e chegaram a um longo corredor que formava um declive colina adentro. Uma parte dos mercenários ficou na retaguarda, protegendo o grupo, e dois deles ficaram ainda mais para trás, guardando a saída. Com isso, eram catorze pessoas no esquadrão de Perkins, dezenove no total, incluindo Drake, Jada, Henriksen. Olivia e Corelli. Ninguém disse sequer uma palavra enquanto percorriam o túnel, todos observando os arredores com cautela, atentos a qualquer sinal de ataque vindo de alguma porta oculta ou esconderijo nas paredes. O túnel descia em espiral, mas, de repente, ficou reto por cerca de cinquenta metros, antes de terminar em uma câmara de teto abobadado. Ali havia duas passagens que conduziam ao interior mais profundo da colina. Dois trios de mercenários logo se ofereceram para investigar cada um dos caminhos. Quando não tiveram resposta, perceberam que o resto do grupo não estava prestando atenção neles, e sim em Drake, que, entre o espanto e o deslumbramento, iluminava com a lanterna as paredes e o teto. — Isto aqui não foi construído — Henriksen comentou. — É uma caverna natural. O musgo crescia em grandes manchas na parede. Iluminadas pelas lanternas do grupo, as marcas na pedra revelavam a trajetória da água. que escorria lá de cima até embaixo. Drake se aproximou da parede e ficou ao lado de Olivia. — Está vendo aquilo? — ela perguntou. — Uma rachadura — ele respondeu. Raízes longas e grossas brotavam da pedra e da terra, penduradas, bloqueando parcialmente a visão deles, mas Drake conseguia ver o brilho da lanterna se refletir nas fendas da pedra. Mais para cima, fora do alcance da lanterna, pôde perceber um fino raio de luar. — Tem outra aqui — Garza disse do outro lado da caverna. Corelli sussurrou um palavrão. — Olivia, é melhor dar uma olhada nisso. Drake franziu o cenho e trocou um olhar com Henriksen, que também se virara para ver do que Corelli falava. O guarda-costas iluminava um enorme pedaço de musgo na parede, mas havia pontos brancos em meio à profusão de verde e marrom. — São botões de flor — Olivia murmurou, um tom de espanto marcando a voz. — Não são apenas botões — Jada falou, próxima a uma fenda na parede onde o musgo crescia com particular abundância. Usou a lanterna para iluminar uma área, cerca de três metros acima do chão da caverna, onde cresciam três flores brancas, penduradas e um pouco murchas. — Parecem familiares? — Drake perguntou. Jada assentiu: — Com certeza. Henriksen se aproximou para examiná-las. — São heléboros mesmo. As flores são semelhantes, podem até ser da mesma família, mas, veja, as pétalas têm formato diferente. — Heléboros-brancos não conseguem crescer em meio ao musgo com tão pouca luz — Olivia acrescentou, aproximando-se dele. Drake se apoiou na parede e olhou para cima, onde viu mais uma fenda. O musgo estava molhado da umidade que vertia da rachadura e adentrava a caverna. Afastou-se e tocou com os dedos o tapete verde que recobria a parede e encontrou grossos ramos de trepadeira sob ele. Puxou dois para fora, para mostrar aos outros. — Bom, agora está explicado — Corelli disse, mais para si mesmo. Perkins chamou Henriksen, enquanto Drake continuava observando as flores. Heléboro-da-caverna, pensou, imaginando se teriam descoberto uma nova espécie vegetal. —... Nenhum sinal de desenhos de diamantes ou outra marca que diferencie os caminhos — Perkins dizia. Drake levou um susto e se virou. Desviou o olhar para os homens, depois para as duas portas, e percebeu algo que eles já tinham notado. As passagens, que lhes davam duas opções, eram o início do Quarto Labirinto. —Jada — ele disse —, onde está a tumba do imperador? Jada fez menção de falar algo, mas foi Olivia quem respondeu: — Talvez nunca tenha estado aqui. Sua amiga de Oxford disse que era uma hipótese, porque sabiam que havia algo neste local. Apenas fazia sentido concluir que um palácio subterrâneo era o local onde haviam enterrado o imperador. Corelli se dirigiu à passagem da direita e começou a explorá-la. procurando por marcas que a equipe de mercenários, que de fato havia feito uma pequena exploração por ali, já tinha informado que não existiam naquela passagem. Drake gostava menos do sujeito a cada minuto que passava. Para um simples funcionário, ele parecia bastante presunçoso, como se esquecesse seu lugar de tempos em tempos. Henriksen virou-se para Drake: — Tenho uma teoria. Drake era todo curiosidade. Vamos ouvi-la. — Para mim, nunca fez muito sentido imaginar que Dédalo marcaria o caminho correto no Labirinto de Thera. — Mas ele não marcou mesmo — Jada falou. — Ele marcou o caminho errado. — Tudo bem, mesmo assim — Henriksen respondeu, os olhos azuis assumindo uma tonalidade acinzentada sob tantas luzes refletidas na parede. — Quanto tempo levamos para decifrar isso? Um homem capaz de projetar um labirinto tão intrincado nunca ofereceria uma solução tão simples, tão fácil de encontrar. Então, pensei: e se aquelas marcas foram colocadas lá depois, quando não importava mais se intrusos encontrassem o caminho certo? — Depois da erupção em Thera? — Drake perguntou. — Mas para que se dar ao trabalho de fazer algo assim? — Concordo com Henriksen; faz sentido — Jada interrompeu, e Drake pôde ver a contrariedade dela em admitir que ele tinha razão. — Se estamos partindo do princípio de que havia uma grande quantidade de ouro lá e de que Talos, ou quem quer que fosse, tivesse ido supervisionar a retirada do tesouro de Dédalo de Thera, as coisas não seriam mais simples e rápidas se quem fizesse a retirada não corresse o risco de se perder no caminho? Drake refletiu por um instante. Depois, com relutância, assentiu: — Acho que sim. Se realmente estavam abandonando o local... — Metade do lugar já havia desabado — Henriksen ressaltou. — Precisavam retirar o ouro para trazê-lo ao Quarto Labirinto, como Dédalo fez pelo menos duas vezes antes. — Você só se importa com o ouro, não é? — Drake perguntou. Henriksen sorriu. — Existem outros tipos de tesouros, mas, em termos de motivação, tenho de reconhecer que o ouro tem seu apelo. Drake teve de fazer um esforço enorme para se lembrar de que odiava aquele homem, e se virou de lado para disfarçar um sorriso. Henriksen tinha razão. Ele mesmo já fizera coisas motivado pelo ouro diversas vezes na vida. Mas, naquele momento, tinha outros interesses: salvar a vida de Sully e vingar a morte do pai de Jada. À lembrança dessas duas coisas, seu rosto se contraiu. — Como vamos escolher um caminho? — Olivia perguntou. — Acho que nos separarmos não seria uma boa ideia. — Por que não? —Jada quis saber. — Somos muitos. Corelli soltou uma risadinha irônica. — Talvez pelo fato de não estarmos sozinhos aqui embaixo. Ninguém respondeu ao comentário dele. Os mercenários já estavam preparados, eram bem pagos pra isso, e Drake não precisava ser lembrado do risco que corriam. Dirigiu-se à entrada dos dois túneis e os estudou com a lanterna. Ao longo dos anos, pequenas valas tinham sido escavadas no chão da caverna pela água da chuva que descia durante as tempestades mais pesadas e precisava de um caminho para escoar. Em ambas as portas, notou valas escavadas. Uma tinha sulcos ligeiramente mais profundos que a outra, e, embora parecessem um fenômeno natural, a diferença de erosão entre uma superfície e outra fez seus pensamentos acelerar. Drake tirou a mochila das costas e pegou uma garrafa de plástico cheia de água. Tirou a tampa, foi até a entrada da passagem da esquerda, ajoelhou-se e despejou um pouco no chão.Jada iluminava com a lanterna a experiência de Drake. — Posso saber o que está fazendo? — Corelli perguntou. — Pensando — Drake respondeu. — Você devia tentar de vez em quando. Encaminhando-se à passagem da direita, repetiu o mesmo processo. Observou com atenção a água descer por pequenas fendas e se acumular em depressões ao escoar pela superfície inclinada do túnel. — É por aqui ele disse, enquanto se levantava e voltava para guardar a água e colocar a mochila de novo nas costas. — O que aconteceu? — Henriksen perguntou. — Você é o MacGyver agora? — Se tinham tanto ouro para transportar e precisavam marcar o caminho para os trabalhadores poderem carregar tudo em Thera, havia um monte de gente entrando e saindo daqui na época — Drake explicou, e apontou para a passagem à direita. — O lado de lá está bem desgastado; do outro não há quase erosão. Não havia tanta gente andando naquela direção. Henriksen pensou a respeito, mas parecia inseguro sobre como deveria proceder. Drake deu de ombros. — Faça o que quiser. Sully está aqui em algum lugar. Jada e eu vamos encontrá-lo. Trocou um olhar com ela para se certificar de que podia falar pelos dois, mas Jada já o seguia. Havia prendido o cabelo num rabo de cavalo e, sem as mechas cor de cobre para lhe emoldurar o rosto, transmitia um enganoso ar de vulnerabilidade. Quando se deteve em seus olhos, percebeu aquela determinação familiar, e soube que ela jamais voltaria atrás. Como se tivesse algum jeito de voltarmos atrás..., pensou. — Ele tem razão — Perkins se pronunciou. Henriksen deteve o olhar nos mercenários, que tinham se espalhado. Alguns esquadrinhavam a caverna, enquanto outros estavam em alerta contra qualquer sinal de aproximação. — O pensamento dele tem lógica, senhor Henriksen — Perkins continuou. — Não posso afirmar que conseguiremos determinar qual é o caminho correto a cada passo no labirinto, mas, neste instante, meu conselho é que sigamos pelo túnel da direita. Henriksen e Olivia se entreolharam, mas o rosto dela era uma máscara indecifrável. — Pela direita, então ele decidiu. Mas estejam alertas, todos vocês. Os Protetores conhecem este lugar como a palma da mão. E não tenho dúvida de que sabem de passagens que jamais veremos. Perkins, certifique-se de manter alguém na nossa retaguarda. — Sim, senhor Perkins — respondeu, fazendo um gesto para dois de seus homens guardarem o grupo. Mas esse era justamente o problema de estar em um labirinto repleto de câmaras ocultas e passagens secretas era impossível determinar de onde viria um suposto ataque. Qualquer um podia se esconder em meio àquelas sombras. 21 eguiram pelo declive do túnel aos pares, e logo o contorno do labirinto se revelou. Na maioria das vezes, funcionou a tática de Drake de seguir a trilha de desgaste do solo, mas isso não evitou que eles errassem o caminho e desembocassem em becos sem saída. Aquele labirinto era bem diferente dos outros, pois mesclava túneis construídos pelo homem e cavernas naturais. Em uma delas, encontraram mais musgo em abundância e fendas que subiam em direção à superfície, fazendo Drake se perguntar a que profundidade estariam agora. Havia trepadeiras também, e os heléboros estavam em botões, sem nenhuma flor aberta. Uma escadaria íngreme e espiralada tinha sido entalhada na lateral de uma caverna enorme. Drake manteve a mão no ombro de Jada enquanto desciam os degraus, imaginando os mercenários armados atrás deles. Corelli seguia à frente dos dois, o que era ótimo, pois Drake não confiava em ter o homem às costas. No fim da escadaria, encontraram os primeiros escritos nas paredes e os desenhos já familiares de heléboros, e também o símbolo dos quatro octógonos entrelaçados que representavam os quatro labirintos. Ao avistar o símbolo, Henriksen não conseguiu esconder a empolgação. Olivia não sorriu, mas Drake notou que parecia ruborizada e a ouviu respirando fundo, como se tentasse se conter. A expressão de Corelli reluzia de pura ansiedade. Drake ficou com receio de que aquele momento de excitação os fizesse baixar a guarda, mas, enquanto Perkins e seu esquadrão estivessem com eles, havia menos risco de serem arrastados às sombras ou de terem a garganta cortada. Cutucou Jada: — Tudo bem com você? — É uma piada? — ela perguntou, a sobrancelha arqueada. — Não estou com humor para piadinhas. — Agora você me surpreendeu — ela respondeu, irônica. Depois de mais alguns passos, deu uma ombrada nele. — Não sei como chegamos a esse ponto. Está tudo de cabeça pra baixo. Jada não precisava explicar sobre o que falava. Com certeza imaginava o que o pai diria se a visse explorando o Quarto Labirinto lado a lado com seu rival e a esposa que o enganara. —Ainda não acabou ele disse. O importante é como as coisas terminam. O cenho fechado da moça mostrava toda a sua preocupação. — Não é só isso que importa. Sabia que ela tinha razão, mas, se concordasse, não a faria se sentir melhor; então preferiu ficar calado. No fim da escadaria, um túnel se abria à esquerda, e entraram em uma complexa sequência de corredores estreitos, bifurcações e becos sem saída que os deixou irritados e perdidos por quase meia hora, até que Jada chamou a atenção dos demais para um ruído. Não foi bem o que escutaram que os recolocou no caminho certo, e sim o que sentiram. Na verdade, era o ar que se movia labirinto adentro, naquela estranha combinação de cavernas naturais e túneis construídos. Seguindo as correntes, encontraram uma passagem lateral que surgia de um aparente beco sem saída, e conseguiram prosseguir. Quando depararam com um túnel em declive que mais parecia uma falha na rocha do que uma passagem, o caminho que surgiu não era construído com degraus regulares, e sim composto por uma série de quebras grotescas de rocha, que mesmo assim seguia em frente. Tiveram de avançar como se descessem uma montanha, achando locais para apoiar os pés nas falhas na superfície. Drake segurava a lanterna com uma das mãos e usava a outra para se apoiar, sabendo que uma queda poderia resultai na melhor das hipóteses, em ferimentos sérios e ossos quebrados. Ao perder o equilíbrio por um instante, arranhou o joelho esquerdo e o braço direito, e quase deixou a lanterna se espatifar no chão. — Onde é que eles estão? — Henriksen perguntou em voz alta, enquanto desciam pelo terreno traiçoeiro. Ninguém precisou perguntar quem eram “eles”. Henriksen não era o único a esperar um ataque a qualquer momento. Drake, por sua vez, não se permitiu cair na tentação de pensar que os Protetores da Palavra Oculta poderiam ter abandonado sua cruzada. Para todos os efeitos, o local estava morto para o mundo após tantos séculos, mas para ele o labirinto parecia vivo. Pulsante. Quase consciente. Eles estavam ali, tinha certeza. No espaço restrito do túnel, andando sobre pedras afiadas, sentia-se quase solitário, apesar das pessoas que o acompanhavam. Drake raramente sofria de claustrofobia uma das poucas exceções ocorrera ao ficar preso sob toneladas de terra em uma tumba asteca sete anos atrás —, mas seu coração havia acelerado dentro do peito, um resquício de pânico querendo se alastrar dentro dele, O corpo doía, desejando estar a céu aberto recebendo ar fresco — o mesmo que acontecia quando mergulhava e ficava sob a água durante muito tempo. Com certeza, não gostava nem um pouco de estar assim, fechado em um lugar, vulnerável a qualquer ataque e sem meios de se defender. Quando ouviu uma comoção abaixo dele, o barulho de botas batendo no chão e o estalar de travas de armas, a necessidade de sair daquele túnel, que mais parecia uma boca repleta de dentes pontiagudos, só cresceu. Podia ouvir os soldados resmungando à frente e, ao olhar para baixo, percebeu que quase alcançavam o fim do túnel. Olivia estava bem adiante, e Drake viu quando ela desceu cuidadosamente de uma pedra afiada e seguiu por uma câmara aberta. Corelli, Henriksen e os mercenários, que estavam na dianteira, já estavam ali. — O que foi? —Jada perguntou. Abaixo, ouviu Olivia respirar profundamente. Deu mais uma olhada para o fim da descida e acompanhou com o olhar quando ela iluminou o local com a lanterna. — Diyu — ela disse, quase para si mesma. — É o inferno — Drake respondeu. Mas foi somente quando chegou em segurança ao fim do caminho e seguiu para a câmara, uma caverna natural com paredes repletas de protuberâncias e um teto alto como o de uma catedral, que a realidade o atingiu em cheio. Havia altares de pedra com rostos de demônios da mitologia chinesa e, ao longo de toda uma parede, enormes ganchos de ferro encravados na rocha. Tanto a parede quanto o chão estavam manchados de um marrom acobreado horroroso, cobertos com séculos de sangue e vísceras. O local parecia respirar com a angústia das almas torturadas. Se não era exatamente um abatedouro de pessoas, era o lugar mais próximo disso em que Drake já havia entrado. — Oh, meu Deus! —Jada murmurou ao entrar na câmara atrás dele. Drake se retesou ao ouvir a dor na voz dela. Os outros mercenários entraram em seguida. Alguns expressaram a surpresa em voz alta, mas a maior parte deles já estava acostumada demais às piores crueldades da raça humana para reagir. Tudo que Drake esperava era não se tornar tão indiferente quanto eles. — Vejam isto — Corelli falou, apontando para um altar de sacrifícios. Pequenas calhas haviam sido escavadas no contorno do altar a fim de escoar o sangue para longe. Caíam do altar, percorriam todo o piso e desembocavam em um buraco que se assemelhava a um ralo, escavado na parede mais distante, próximo à saída da caverna. Ainda que horrorizado, Drake sentiu o sangue gelar ao recordar as imagens na parede da câmara chinesa de adoração em Thera. — Esta é apenas a primeira sala disse. — Existem outras, talvez várias delas. — Nate, veja isto — Jada falou. Ele se virou e percebeu que ela apontava a lanterna para uma parede pintada com imagens horripilantes de torturas e demônios. Havia homens enormes, o rosto distorcido e chifres na cabeça, e uma mulher com um véu sobre o rosto obviamente as versões de Diyu para o Minotauro e a Senhora do Labirinto. Apesar dos caracteres chineses que ornamentavam as paredes e da variação no estilo das pinturas, a diferença mais significativa que Drake percebia entre as imagens tinha a ver com o enorme cálice nas mãos da mulher. Sete escravos ajoelhavam-se em um semicírculo diante dela, como se esperassem algum tipo de unção. Todos tinham as mãos estendidas em direção ao cálice, que parecia estar sendo ofertado a eles. Henriksen e Olivia, que chegaram logo depois, pareciam indiferentes ao show milenar de horrores. Ao olhar as imagens, Olivia fez apenas um movimento de cabeça, como se acabasse de confirmar uma suspeita anterioi e então deu as costas, sem demonstrar o menor interesse na pintura. O empresário também se afastou em seguida. As imagens não haviam causado nenhuma surpresa neles. — Seria o tal mel de Dédalo? — Drake perguntou. — Foi isso que eu pensei —Jada falou. Massarsky se aproximou: — Vamos, hora de seguir em frente. Diante da movimentação, Drake concluiu que ele estava certo. Perkins já ordenara que seus homens avançassem. Henriksen e Corelli saíam pelo outro lado da câmara de torturas, e Olivia os seguia. Como os soldados, tinha sacado a arma e a levava ao lado do corpo. —Já vamos, obrigada —Jada disse. Massarsky meneou a cabeça, mas não prestava a menor atenção em Drake ou Jada. Ele, Garza e mais alguns tinham a missão de cobrir a retaguarda do grupo. Se Jada e Drake não avançassem, não podiam prosseguir. Drake colocou a mão na arma, uma pistola Glock carregada com quinze balas, e abriu o fecho do coldre. Hesitou por um instante, depois a sacou. — O que está fazendo? — Jada sussurrou. — Me preparando para quando o momento chegar. — Tem certeza de que vai haver um “momento”? — Sempre tem um. Ele e Jada se apressaram em seguir Olivia, abaixando-se para passar pelo arco da saída. Os outros estavam bem à frente, e apenas o som de botas e feixes de iuz mostravam a localização dos demais no longo túnel. Drake apressou o passo e ouviu Massarsky e os outros vindo atrás, o equipamento emitindo um ruído metálico enquanto também buscavam se aproximar do grupo à frente. O túnel terminava em um desfiladeiro estreito, com uma largura que variava entre quatro e dez metros. As paredes subiam até se perder de vista. Bem lá no alto, era possível vislumbrar um sutil brilho de luar, e, ao apontar a lanterna para cima, viam-se apenas as sombras das grossas raízes que haviam conseguido atravessar as fendas da rocha. Cerca de trinta metros acima de onde o grupo estava, a parede era recoberta de musgo, trepadeiras e dos pontos brancos que Drake nomeara de heléboros-da-caverna. Ao longo das paredes, havia caminhos estreitos e ziguezagueantes que subiam em direção às flores e desciam rumo à escuridão do fundo do desfiladeiro. As lanternas mostravam pedras pontiagudas lá embaixo. — Havia uma ponte aqui — Corelli falou. Com as lanternas, conseguiram ver a estrutura de madeira restante do que uma vez fora uma ponte de corda que ia até o outro lado da passagem. — Estão brincando? — Olivia disse. — Vamos ter de descer tudo isso e depois subir até o outro lado escalando aquilo? — Ela direcionou a lanterna para o caminho na outra extremidade, que mal chegava a um metro de largura. — Como vamos fazer isso? — Com cuidado? — Jada sugeriu. A madrasta lhe dirigiu o olhar mais cheio de ódio que Drake vira duas mulheres trocar até então. Drake examinou o outro lado do penhasco, onde um corte largo em diagonal na parede mostrava o que supunha ser a entrada da continuação do labirinto. Provavelmente haveria outras câmaras de tortura nos túneis que encontrariam ao longo da descida até o fundo do desfiladeiro e a escalada do outro lado, mas o fato de ter existido uma ponte ali sugeria que o caminho certo era seguir em frente. — E se a gente pulasse? — Drake sugeriu. Henriksen deu uma risadinha irônica. — É muito longe. Drake achava que não. A outra extremidade do desfiladeiro parecia mais larga e estava quase dois metros abaixo deles. Se não fosse pelo risco de uma queda livre rumo às pedras no fundo do desfiladeiro, seria capaz de apostar que, com a velocidade e a trajetória certas, conseguiria alcançar o outro lado com um salto. — Bem, vamos andando — Drake conformou-se. Olivia respirou fundo, como se tomasse uma decisão séria, depois levantou a arma e mirou no peito de Drake: — Nós vamos andando disse. Enquanto Jada tentava sacar sua arma, Drake preparou-se para levantar a Glock e atirar em Olivia. Imediatamente, em todo o contorno do desfiladeiro, houve movimento, com armas sendo levantadas e luzes de lanternas oscilando por toda parte. Corelli soltou um grito que parecia um uivo de comemoração. Tyr Henriksen se colocou entre Olivia e Drake: — Olivia, o que pensa que está fazendo? Enfim, a máscara caiu, pensou Drake. O sorriso que curvava o canto dos lábios dela era lindo, cruel e o próprio retrato da loucura. — Acabando com essa sua ilusão de que está no comando ela vociferou, desviando a pistola para o rosto de Henriksen. Drake piscou os olhos, surpreso, enquanto Jada mal respirava de susto. Nenhum deles previra uma virada dessas — muito menos Henriksen. Ele ficou imóvel, o queixo levantado e o olhar carregado de rancor, depois meneou a cabeça na direção do guarda-costas. — Corelli — pediu, — tente não matá-la. Rindo histericamente, Corelli tomou posição ao lado de Olivia, a arma apontada contra Drake e Jada. — Não precisa se preocupar com isso, chefe. Enquanto Henriksen absorvia mais esse golpe, os mercenários se prepararam como um pelotão de fuzilamento, todas as armas miradas no empresário, em Drake e Jada. — Sua cretina desalmada — Jada esbravejou. — Foi você quem matou meu pai, não foi? Olivia a olhou com pesar. — Sei que adoraria que fosse verdade para me odiar ainda mais, mas eu realmente gostava de Luka. Ele era um homem muito doce. No fim das contas, era inocente demais para mim. Queria que ele fizesse parte disso tudo, mas Luka se envolveu demais em sua pequena jornada e, bem... alguém iria matá-lo de um jeito ou de outro. Só que, no fim, não fui eu. Os Protetores o pegaram primeiro. — Você sabia da existência deles? — Drake perguntou. — Não até Luka aparecer morto. Então, quando soube do doutor Cheney, ficou bem óbvio que alguém queria impedir que nós encontrássemos este lugar. — Nós quem, cara-pálida? — Drake perguntou. Corelli deu um sorriso: — Nós. Drake cerrou os olhos, sentindo a mão se contrair contra o cabo da arma. — Foi você que nos perseguiu em Nova York. E foi você também quem incendiou o apartamento de Luka. — Coordenei a operação — Corelli disse, corrigindo-o. Apontou com a cabeça para Perkins. — Qualquer coisa pode ser feita, se souber quem contratar. Drake se virou para Perkins: — Se aqueles eram seus homens, foram bem descuidados. — Não era o meu pessoal— Perkins falou. — É a primeira vez que trabalho para a senhora Hzujak. A expressão de Henriksen endureceu ao escutar aquilo — a confirmação inquestionável de que Perkins obedecia às ordens de Olivia, e não às suas. — Eu é que contratei você, seu cafajeste — o empresário vociferou para o líder dos mercenários. — Quanto ela vai te pagar? — O que você ofereceu para eles não é nada comparado a um pedaço do que aguarda por nós na câmara do tesouro — Olivia esclareceu, os olhos cintilando em uma mistura de ganância e obsessão. — É um risco calculado — Perkins admitiu. — Consideramos como um investimento. Massarsky parecia desconfortável com a situação. Quando Drake o encarou com um olhar penetrante, o mercenário deu de ombros: — Desculpe, cara. — É isso aí — Drake soltou uma risada seca. Sem ressentimentos. — Já basta — Olivia disse. Fez um gesto na direção de Jada. — Peguem a mochila dela. Quando Corelli avançou um passo, mantendo a arma apontada para Drake, Jada se afastou, aproximando-se perigosamente da beirada do precipício. — Pode entregar — Drake falou. Ela quer o diário e os mapas de seu pai. São inúteis para nós aqui. Luka nunca chegou aonde estamos agora. Mesmo que tenha concluído que o Quarto Labirinto ficava na China, não teve tempo de escrever a respeito. Não tem nada aí que possa nos ajudar. Olivia riu. — Nada pode ajudá-los mesmo. — Meu Deus, quando foi que você se transformou nisso? — Henriksen perguntou. — Palavras do homem que apunhalaria o próprio irmão pelas costas para conseguir o que quer — Olivia retrucou. — Não literalmente — Henriksen respondeu. — Jamais encostei um dedo em ninguém. — Pena que perdeu sua chance — Olivia falou. Perkins pigarreou. — Podemos andar logo com isso? É uma longa caminhada até lá embaixo, mais a escalada, sem falar no caminho de volta. Olivia lhe lançou um olhar irritado, depois fez um gesto para Corelli. O homem levantou a arma e a encostou na têmpora de Drake. — Largue a arma, otário. Não consegue ver que perderam o jogo? — disse, soltando uma risada sarcástica. Isso, mais que qualquer outra coisa, fez Drake perder completamente a paciência e o juízo. — Estou largando — avisou. — Mas não fale mais comigo; seu hálito fede demais. Corelli comprimiu ainda mais a arma contra sua cabeça. Drake afastou a pistola do corpo e se agachou devagar. — Esse cara... — Corelli disse, olhando para Olivia. Posso matá-lo agora? No instante em que o guarda-costas desviou o olhai Drake lhe deu um golpe no braço, desviando a mira, e um chute em cheio no peito. Corelli cambaleou, os braços girando, e despencou desfiladeiro abaixo. Foi gritando enquanto caía. Chegou a puxar o gatilho duas vezes, mas as balas se perderam na escuridão acima deles. — Seu cretino! — Olivia gritou, correndo em direção a Drake, deixando Garza e o outro mercenário de olho em Henriksen. Perkins e Massarsky pularam sobre Drake no instante seguinte, as armas apontadas para sua cabeça. Drake podia ser meio louco de vez em quando, mas não era burro. Nem tentou pegar sua pistola do chão, apenas entrelaçou as mãos atrás da nuca. — Gente, fala sério — disse. — Vão dizer que não estavam com vontade de fazer o mesmo? Eu sei que vão atirar em nós, mas aquele palhaço tinha de ir primeiro. — Nate? —Jada murmurou. Todo o seu ar de desafio esmoreceu ao ouvir a voz dela, mas nem por um instante lamentou o que tinha feito. Corelli estivera prestes a matá-lo, mas talvez nem tudo estivesse tão perdido. Agora, Olivia não tinha nenhum parceiro, ninguém com quem pudesse conspirar, ninguém mais que soubesse encontrar o que procuravam. Perkins era seu melhor aliado no momento, mas ele só se importava com o ouro. Olivia estava sozinha, e era justamente o que merecia. — O que está esperando? — Olivia perguntou, encarando Perkins enquanto mantinha Henriksen sob a mira da arma. — Qual é o problema, Olivia? — Henriksen perguntou. — Está com medo de sujar as mãos com sangue? Drake vinha contendo a vontade de gostar do cara. Mas, já que ambos estavam prestes a ser fuzilados e, portanto, encontravam-se praticamente do mesmo lado, não conseguiu deixar de sentir uma profunda admiração pelo destemor do norueguês. — Só estou aguardando sua ordem — Perkins disse. Catorze mercenários e uma madrasta desalmada, todos com a mira nos três. Drake sentiu uma profunda tristeza tomar conta de seu coração quando pensou em Sully e se deu conta de que, quando o encontrassem, o matariam também. Levantou-se, ignorando os mercenários gritando para que não se movesse, e estendeu o braço para alcançar a mão de Jada. Ora, eram uma família ali. Ela apertou sua mão e o encarou. — Agora sei como Bonnie e Clyde se sentiam — sussurrou, um sorriso triste nos lábios e os olhos marejados de lágrimas. — Vá em frente Olivia disse. — Pode matar... Massarsky soltou um grito e se afastou do desfiladeiro, virando o rifle para mirar em algo que estava na beirada. — O que é? — Garza gritou, puxando o gatilho. Todos os olhos se voltaram para o desfiladeiro, enquanto homens encapuzados com garras de metal se arrastavam para a superfície, movendo-se a uma velocidade sobre-humana. As balas de Garza atingiram um deles e espalharam sangue pela rocha enquanto um corpo despencava para as pedras lá embaixo. Disparos ecoavam pelas paredes da caverna, mercenários gritavam, mas os Protetores da Palavra Oculta eram silenciosos ao atacar. Um deles se lançou sobre Drake, a lâmina curva desenhando um arco em meio às sombras, pronta para rasgar sua garganta. 22 nquanto se desviava da lâmina do assassino, o barulho de um disparo assustou Drake. O encapuzado perdeu o impulso do salto e caiu ruidosamente no solo de pedra aos pés dele, tremeu um pouco e então ficou imóvel. Jada estava a seu lado, a arma na mão, parecendo que ia vomitar a qualquer segundo. A pistola dela estava no coldre, mas segurava firme a Glock que Drake colocara no chão. Em meio ao caos de disparos e gritos, sangue derramado e brutalidade, ele se aproximou e tirou a pistola da mão dela. Como uma aranha em disparada, uma figura encapuzada tinha acabado de escalar a parede de rocha, as garras de metal presas nos dedos como se fizessem parte de seu corpo, e agora avançava, pronta para cortá- lo em pedaços. Drake percebeu que era mulher a primeira que vira até então entre os encapuzados. Respirou fundo ao mirar, disparando direto no peito dela. Não havia tempo para hesitação, mas tinha certeza de que aquela cena voltaria para assombrá-lo. Até mesmo em casos de legítima defesa, matar o incomodava. Quase sempre, pensou. Corelli era uma exceção. Olhando ao redor, avistou Olivia encostada à parede da caverna, a arma nas mãos, atirando nos assassinos que ainda vinham desfiladeiro acima. Perkins e Garza estavam a seu lado, com mais armas e muita munição. As rajadas das armas semiautomáticas rasgavam o as os ecos dos disparos reverberando nas paredes e ferindo os ouvidos. Drake agarrou a mão de Jada e a arrastou de volta ao túnel que levava à câmara de torturas. Por um instante, ficaram fora do campo de visão dos dois grupos de assassinos. Drake virou-se para ela, colocou a mão sob seu queixo e fez com que o encarasse. A expressão da moça era distante; parecia estar em choque. —Jada, escute. — Eu atirei naquele homem. — Se não tivesse atirado, ele teria arrancado as minhas tripas — Drake falou. — Você salvou a minha vida. Mas não temos tempo a perder aqui. Quem quer que vença aquela luta ali fora virá nos matar, por isso temos de fugir, e rápido. Ela piscou, como se tivesse acordado. — Se tentarmos voltar, vão nos pegar. Nunca chegaremos à superfície. Drake meneou a cabeça. — Não pretendo voltar mesmo. Jada olhou para o fim do túnel e viu um dos encapuzados agarrado ao ombro de um dos mercenários, bem à beira do precipício, cortando a garganta do ex-soldado com uma lâmina curva. O sangue do homem esguichou pelo ar. — Não temos como descer por essas pedras. Nunca conseguiremos passar por eles, e, mesmo que a gente consiga... —Não temos tempo pra isso —Drake interrompeu, o coração batendo como o de um tigre tentando escapar da jaula. Pensou que o peito fosse explodir, tal era sua agitação. — Só há uma esperança de sobreviver.... Um dos encapuzados entrou no túnel, viu os dois e levantou uma das mãos, na qual segurava a familiar lâmina curva, prestes a arremessá-la. Drake deu dois tiros nele. Agora restavam doze tiros no pente da Glock, antes que precisasse recarregar a arma, O assassino e a lâmina tombaram ao chão ao mesmo tempo. O homem ainda conseguiu se ajoelhar, tentando inutilmente recuperar sua arma, enquanto o sangue jorrava do peito. Foi Jada quem o acertou pela terceira vez. Ela havia sacado a arma, e ambos ficaram em suspense por um instante, olhando para a entrada, esperando que mais assassinos aparecessem atrás deles. Dali conseguiam ver feixes de luz cortando a escuridão, claridade suficiente para distinguirem o contorno acinzentado do túnel que se abria do outro lado do desfiladeiro. Jada, conscientizando-se de qual era o plano de Drake, encarou-o direto nos olhos: — Não pode estar falando sério. Se cairmos, vamos morrer. Drake guardou a arma no coldre. — Se não tentarmos pula vamos morrer do mesmo jeito. Guardou a lanterna na mochila, fechou o zíper com rapidez e a colocou de volta nos ombros. — Sully nos aguarda, meu bem. Jada soltou um palavrão, mas também guardou a arma no coldre. Ficou repetindo o mesmo palavrão como um mantra, concentrada em guardar a lanterna na mochila, e depois o encarou de novo, um brilho desafiador no olhar. — Isso vai ser... — ele começou. Jada deu um soco no braço dele. — Só cale a boca e corra. Uma estranha sensação de liberdade tomou conta de Drake, um insano desejo de entrega. Mas não era vontade de se entregar à morte, e sim ao próprio destino. A letra de uma velha canção de Janis Joplin, Me and Bobly McGee, soou em sua mente. Sully costumava ouvi-la de vez em quando: liberdade é só outra palavra para nada a perder. Nunca havia compreendido por completo o sentido da frase até aquele momento. Livre, embriagado de terror e esperança, pegou Jada pela mão, e, juntos, correram para a entrada do túnel, rumo à beira do desfiladeiro. Separaram as mãos assim que chegaram à borda e então se lançaram, com toda a velocidade possível, no vácuo de pelo menos quatro metros de distância. Por um instante, Drake sentiu-se leve, as pedras afiadas abaixo e os raios do luar acima. Depois, a gravidade voltou a agir, e ele e Jada começaram a cair. Agitando os braços para ganhar impulso, Drake aterrissou do outro lado, mas se estatelou contra a parede da caverna, batendo a cabeça na rocha. Meio tonto, escorregou até o chão, virou o corpo e viu Jada desabar de barriga na superfície, bem na beirada, com metade do corpo na pedra e as pernas pendendo no ar e balançando na escuridão. Os dedos dela arranhavam a rocha em busca de apoio, sem encontrá-lo, e ele teve a certeza de que em um segundo ela despencaria. Se isso acontecesse, morreria estatelada lá embaixo. Num pulo, pegou-a pelo pulso e, apoiando o salto da bota num resto de estaca da antiga ponte, jogou todo o peso do corpo para trás, o chão de pedra arranhando-lhe primeiro as pernas e depois as costas. No instante seguinte, puxava Jada para cima de si. Por um instante, ficaram deitados, os corações batendo em uníssono. Nem tiveram tempo para se acalmar. Um segundo depois, uma bala atingiu a parede acima deles, fazendo pequenos pedaços de pedra voar para todos os lados. Tirando Jada de cima dele, Drake se levantou, puxou-a e os dois se viraram para observar a cena que transcorria do outro lado do desfiladeiro. Meia dúzia de encapuzados escalava a parede. Dos que já tinham atingido o topo, vários jaziam sem vida no chão, montes ensanguentados em meio à batalha mortal entre mercenários e encapuzados. Olivia continuava grudada à parede, com Perkins se interpondo entre ela e o perigo. A poucos passos deles, caídos no chão, estavam os corpos de pelo menos cinco mercenários com a garganta cortada por lâminas afiadas. Os Protetores da Palavra Oculta não eram mesmo aquele tipo de inimigo que só queria ferir. Henriksen soltou um grito gutural, depois um rugido furioso, e agarrou o encapuzado que tentava cortá-lo. O gigante norueguês, uma estatueta loira à luz das lanternas, lançou o homem contra a parede. O eco de ossos se quebrando misturou-se ao ruído de batalha e morte. Sem querer saber se o homem estava morto ou desmaiado, o bilionário levantou-o do chão e lançou-o desfiladeiro abaixo. Então ele se virou e olhou diretamente para Drake. — Está olhando para... —Jada começou. — Nós Drake concordou, levantando-se e acenando. — Pule! É a única chance! — O que pensa que está fazendo? —Jada quis saber. Mas, enquanto falava, Henriksen se aproximou e pegou a arma de um dos mercenários mortos, passou a alça pelo ombro e recuou dois passos para trás, antes de correr na direção da beira do precipício. Olivia soltou um grito e empurrou Perkins, mirando e atirando em Henriksen enquanto ele se lançava ao ar. O norueguês bateu em cheio na parede e quase despencou desfiladeiro abaixo, mas Drake o segurou. Só então percebeu que Olivia errara o tiro. Do outro lado, berrando de raiva, ela passou a atirar nos três. Alguns encapuzados ainda tentavam cortar sua garganta, mas ela estava mais preocupada em se certificar de que o trio do outro lado morreria antes. Perkins a empurrou de novo contra a parede, salvando-a de uma lâmina que rasgou o ar, sibilante, destinada a lhe atingir o peito. Mas aquilo fez Perkins parar seu ataque por alguns instantes preciosos. Aproveitando a oportunidade, dois dos encapuzados saltaram sobre ele, as lâminas subindo e descendo em seu corpo, fazendo o sangue escorrer pela lanterna e transformando a luz amarelada em uma sombra avermelhada e opaca, que escurecia ainda mais à medida que a vida se esvaía de Perkins. Mesmo com mais uma perda, os ventos do confrontos agora pareciam soprar a favor dos mercenários. Mesmo que os encapuzados fossem mais numerosos, era muito difícil lâminas serem mais eficazes que submetralhadoras. Os últimos encapuzados que tentavam escalar as pedras estavam sendo alvejados antes de conseguir percorrer os últimos metros da escalada. Os mercenários acabariam derrotando todos em breve. Independentemente disso, Drake, Jada e Henriksen precisavam sair dali logo. — Não podemos ficar aqui — disse. Henriksen ainda se arriscou a lançar um olhar cheio de ódio a Olivia, antes de os três correrem para o túnel, logo após a estrutura destroçada da antiga ponte. — Atrás deles! Olivia gritou para alguém. — Vocês têm de matá-los! Quando Drake se abaixou para passar pela entrada do túnel, ouviu a voz de Massarsky: — Você perdeu o juízo, moça. Ninguém vai pular até lá. Teríamos de ser loucos ou estar sem nenhuma opção, o que não é o caso. Eles não têm como sair daqui sem passar por nós. A conversa continuou, mas, conforme Drake, Jada e Henriksen seguiam pelo emaranhado de túneis, as vozes foram se tornando mais e mais abafadas. Henriksen estava sem lanterna. Drake e Jada iluminavam o caminho. Avançavam em silêncio. Passaram por caminhos sinuosos e portas, passagens estreitas e becos sem saída, como haviam feito tantas vezes, mas agora eram verdadeiros especialistas em labirintos. Quando escolhiam o caminho errado, nunca andavam muito tempo nele. Não demorou para que deixassem a atmosfera de morte para trás. No entanto, Drake sabia que o perigo os alcançaria mais cedo ou mais tarde, e não tinha ideia de como fariam para se proteger quando isso acontecesse. Em outro lugar do inferno as salas de tortura ali pareciam ser as câmaras centrais do diabólico labirinto , detiveram-se para recuperar o fôlego. Drake e Jada se recostaram nas laterais da entrada, enquanto Henriksen percorria a caverna horripilante, entrando e saindo das sombras sem pensar no risco que corria. — Podem iluminar aqui um pouco, por favor? — pediu. Jada o ignorou, mas Drake virou a lanterna na direção dele. Henriksen estava observando um mecanismo composto por uma enorme roda de pedra com diversos ganchos de ferro. A roda tinha uma assustadora tonalidade escura, uma mancha de sangue secular. Embora estivesse sem uso havia séculos, Drake quase podia sentir o odor pungente de sangue e sofrimento no ar. Queria sair logo do Quarto Labirinto, sumir de Diyu para nunca mais voltar. Não se importava mais com tesouro nenhum. Desde o momento em que Sully fora arrastado para longe dele, seu único objetivo era resgatar o amigo com vida, mas, mesmo assim, a sensação de aventura e a possibilidade de achar uma grande quantidade de ouro tinham ajudado a lhe dar certo entusiasmo. Tudo isso acabara, no entanto. — Ei —Jada sussurrou. Drake se voltou para ela. Sob a luz das lanternas, viu que algumas mechas avermelhadas haviam se soltado, rebeldes, do rabo de cavalo. Para alguém que não tivesse passado os últimos dias a seu lado, ela poderia até parecer frágil. Mas, para ele,Jada era tão forte quanto um monumento forjado a ferro e fogo. — Obrigada. Naquele instante, ele não achava que merecia nenhum tipo de agradecimento. O que fizera por ela até então além de ficar a seu lado enquanto a madrasta a traía, pessoas morriam ao redor, o padrinho era sequestrado e ela matava alguém pela primeira vez? Não tinha o poder de devolver a vida do pai dela. Tudo o que podia fazer era terminar o que haviam começado. — Disponha — disse ele com um sorriso. — Não queria ter cumprido esta missão suicida com nenhuma outra pessoa no mundo. Jada avançou um passo em sua direção e levantou o punho, pronta para dar mais um tapa em seu braço. — Não, de novo, não! — Drake protestou, levantando as mãos num gesto de rendição. Jada sorriu. — Pensei que fosse um cara durão. — Com um leve sorriso, afastou-se dele e se encaminhou para onde Henriksen estava. — Bem, Tyr hora de nos contar exatamente que diabos aconteceu lá atrás. Henriksen se virou, ainda sob o foco da lanterna de Drake. Deixou a cabeça pender, as sombras escurecendo o brilho de seus olhos, e aquela postura o fazia parecer um século mais velho. — Nunca pensei que ela iria tão longe -—- ele disse. Levantou a cabeça e encarou Jada com uma expressão de tristeza. — Esta noite, sujei minhas mãos com sangue pela primeira vez. — Bem-vindo ao clube — ela retrucou, tentando parecer casual, mas Drake percebeu a dor em sua voz. —— Mas não podemos dizer que você seja inocente. Durante toda a sua carreira, sempre fez tudo para conseguir o que queria. Mesmo que nunca tenha matado ninguém ou ordenado uma morte, sou capaz de apostar que alguém já morreu por sua causa antes. As palavras dela ecoaram pelas paredes, mas com certeza não eram nada comparadas aos gritos que já haviam reverberado ali. — Ela te pegou, hein? — Drake perguntou. Henriksen o observou, parecendo um tanto envergonhado. — Você não é como eu esperava, senhor Drake. — Henriksen apontou Jada com a cabeça. — Nem ela, na verdade. Ambos são sobreviventes, e conquistaram a minha admiração. — Bem... considerando que, quando tudo isso começou, pensávamos que você era praticamente a encarnação do demônio, acho que você também nos surpreendeu Drake admitiu. Mas não temos tempo para terapia de grupo, Tyr. Tenho certeza de que ainda há por aí alguns desses caras metidos a finja... — E garotas também —Jada acrescentou. — Percebi — Drake respondeu. — O que quero dizer é que, não importa quantos dos Protetores da Palavra Oculta tenham sido mortos pela equipe de Perkins, é bem provável que haja mais deles por aí. Se estivesse no comando, manteria alguns na retaguarda, como um trunfo. Além disso, eles estão com Sully e lan Welch em algum lugar por aqui, e talvez haja mais prisioneiros. Sem falar no ouro. Pode haver um ou dois nos aguardando na próxima curva. Então, não daremos nenhum passo até que nos conte o que está escondendo. Henriksen franziu o cenho. Jada apontou a lanterna direto para os olhos dele. Tyr piscou e virou de costas. — Vamos lá — ela insistiu. — Chega de segredos. Se nós três queremos sobreviver até o dia raiar, precisamos trabalhar juntos. Durante alguns segundos, só houve silêncio naquela sala de torturas. O local macabro pareceu atingir os nervos de Drake novamente, e ele ficou mais impaciente do que nunca para sair dali, encontrar o centro do labirinto e dar um fim à história toda. — Tyr... — Knossos — Henriksen disse. Drake deu de ombros. — O que tem Knossos? — O labirinto de lá está em ruínas — Henriksen prosseguiu, alternando o olhar entre Drake e Jada. — Mas venho desenvolvendo certas teorias sobre o rei Minos há anos e mandei equipes fazer buscas, pequenas escavações, sempre por intermédio de museus e universidades, embora com meu pessoal no comando. Em uma dessas escavações, descobriram os resquícios de uma câmara. — Uma câmara de adoração — Jada completou num sussurro. Henriksen assentiu. — Levei seu pai até lá depois que a minha equipe conseguiu traduzir fragmentos de várias tábuas e os escritos de um jarro cerimonial. Já estava de olho nas atividades da Cidade dos Crocodilos fazia algum tempo; porém, quando seu pai confirmou minhas suspeitas de que Dédalo havia projetado tanto o Labirinto de Knossos quanto o do Egito, o da Cidade dos Crocodilos se tornou minha prioridade. Esperava encontrar uma câmara de adoração inteira lá, e, como sabem, encontramos muito mais que isso. — Mas você já tinha suas suspeitas — Drake disse, estudando o rosto dele. —Coisas que descobriu com os fragmentos de Knossos. — Coisas pequenas, fragmentos de teorias, hipóteses — Henriksen respondeu. — A primeira Senhora do Labirinto foi a própria Ariadne. Sua beleza e gentileza conseguiam manter o Minotauro calmo... — Mas isso não existe... —Jada começou. — Ai é que você se engana! — Henriksen a interrompeu. — Não compreende? Ele pegou a lanterna de Drake e a apontou para a parede, onde uma pintura horripilante em estilo chinês mostrava a Senhora do Labirinto virando um cálice de mel na boca de um escravo, cujas costas exibiam cicatrizes de chicotadas. À esquerda deles, outros escravos aguardavam a vez de participar da cerimônia. Outro, mais à direita, estava agachado após beber o conteúdo do cálice. Chifres brotavam de sua cabeça, e o rosto estava contorcido, a expressão quase selvagem. — Só pode ser brincadeira — Drake constatou, estupefato. — O mel? Ele os transformava em monstros, é isso? — Não fazia brotar chifres, é claro — Henriksen esclareceu, desanuviando o ar de descrença estampado no rosto de Drake. — Eram mais um reforço cênico, como um chapéu viking, algo para assustar os adversários, eu acho, e para perpetuar a lenda do Minotauro que Dédalo construíra tão cuidadosamente. O esqueleto que examinamos no Labirinto de Sobek, aquele que encontraram na escadaria sob o altar, tinha os chifres de um touro de verdade na cabeça. Provavelmente ficavam presos à cabeça por uma espécie de tira de couro. “Além disso, existem coisas que podem produzir a aparência lendária do Minotauro. Poderia haver no mel algum composto químico que causava a hípertricose, ou o crescimento de pelos abundantes pelo corpo todo, até mesmo no rosto. Quanto ao aspecto monstruoso, o mais provável é que os músculos deviam ser muito desenvolvidos pelo excesso de trabalho, mas também é possível que o mel contivesse alguma substância que estimulasse a glândula pituitária, que, entre outras coisas, regula o crescimento. Com toda essa química, pode ser até que alguns desenvolvessem protuberâncias na cabeça semelhantes a chifres, dando início à lenda, o que teria sido o ponto de partida para Dédalo e seus seguidores terem a ideia de utilizar chifres falsos para perpetuar a imagem monstruosa do Minotauro. Isso manteria as pessoas aterrorizadas demais para pensarem em entrar e explorar o labirinto. Mas os elementos-chave para isso eram a força e a agressividade desses escravos, uma selvageria singular, quem sabe um pouco de loucura mesmo.” A lanterna de Jada passeou pelas paredes. — Como assim, protuberâncias que parecem chifres? Isso existe de verdade? — Não são chifres propriamente ditos. Há, na medicina, alguns casos raros de pessoas que parecem ter chifres na cabeça, ou protuberâncias semelhantes no rosto ou nas mãos. Isso pode ser provocado por excesso de queratina, substância que compõe cabelos e unhas. É a mesma coisa que o chifre do rinoceronte, por exemplo: não é feito de osso, e sim de pelos. Certos tipos de câncer podem gerar anomalias parecidas... — Henriksen fez um gesto, sugerindo que avançassem para outro assunto. — Mas isso não é importante. — Concordo — Drake respondeu. — Mas como é que faziam, como é que sabiam de tudo isso? O que tem nesse mel? Henriksen esboçou um leve sorriso, mal podendo se conter. — Sabe as flores brancas que vocês viram? Muitos dos escritos das tábuas ou do vaso cerimonial que descobrimos em Knossos se referem a elas. São heléboros-brancos. Drake direcionou a lanterna para a pintura dos escravos recebendo o mel. Havia imagens das flores em meio aos caracteres chineses e aos retratos de torturas aterrorizadoras. — Mas aquelas flores não são heléboros-brancos — Jada replicou. — Já tínhamos chegado a essa conclusão antes. Henriksen arqueou uma das sobrancelhas. — Diga-me o que sabe sobre os heléboros. Ela deu de ombros: — Só o que a sua equipe de pesquisas nos mandou. Os antigos acreditavam que existiam duas espécies, a preta e a branca, ambas venenosas. — Nas lendas, o heléboro-preto cura a loucura — Drake disse. — Mas a flor que eles acreditavam ser o heléboro-branco na época... —Jada começou. — ... e que ainda hoje é chamada assim... — Drake acrescentou. — ... não é o heléboro-branco, no fim das contas. Como Nate disse, essa flor ainda é chamada assim, mas descobriram outra espécie, completamente diferente. Henriksen assentiu com a cabeça. — Mas e se, em tempos antigos, o heléboro-branco original existisse? E se o heléboro-branco verdadeiro tenha ficado praticamente extinto pelos últimos dois mil anos no mundo inteiro, exceto dentro deste labirinto, onde foi cultivado ao longo de todo esse tempo? Drake o encarou, embasbacado: —Está me dizendo que tudo isso foi por causa das flores? — O assunto é mais sério do que pode imaginar — Henriken respondeu. — Por quê? —Jada perguntou. — Você quer criar um exército de Minotauros ou algo parecido? A expressão de Henriksen endureceu; qualquer camaradagem que tivesse surgido com a luta pela sobrevivência ou a explicação do mistério tinha ido embora naquele momento. — Eu, não ele respondeu. — Mas tenho certeza de que há vários governos mundo afora que gostariam de poder fazer algo assim. — Caramba... —Jada começou. — Não acho que seja uma operação muito simples, no entanto Henriksen comentou, prosseguindo com o assunto. — Observe esta pintura. Tem seis ou sete escravos recebendo o mel, mas nem todos são Minotauros. Os textos que conseguimos traduzir sugerem que a criação dos Minotauros foi um acidente, um subproduto do heléboro-branco e do mel que extraiam da flor. Dédalo, e mais tarde Talos, queria escravos, e o efeito principal da essência destilada do heléboro -branco era tornar sugestionáveis e fáceis de controlar aqueles que a ingeriam. Não é muito diferente da maneira como os feiticeiros haitianos supostamente usavam a tetrodotoxina extraída do baiacu e de outras espécies de peixes para atingir um estado de transe, mas, neste caso, sem os problemas motores e mentais causados pela toxina. Em pequenas doses, o mel criado por Dédalo deixava as pessoas fáceis de controlar e, em doses maiores, as transformava em zumbis descerebrados ou incitava mudanças fisiológicas e psicológicas que criavam os Minotauros. Em Knossos, o mel tinha outro nome. Podemos traduzi-lo como... — . . .a Palavra Oculta — Drake o interrompeu. — A palavra à qual todos tinham de obedecer. Henriksen assentiu. — Exatamente. — Está afirmando que os encapuzados não estão protegendo o tesouro de Dédalo? — Jada perguntou. — Eles só estão protegendo flores? — É nisso que eu e Olivia discordamos — Henriksen respondeu, e nesse ponto o tom de voz aumentou, ecoando pelas paredes da câmara de tortura. Sempre acreditei que todas as referências a tesouros nos escritos antigos que encontramos falavam, na verdade, da flor. O senhor Drake, como um especialista, talvez saiba que, historicamente, o heléboro-branco também tinha a reputação de ser um dos ingredientes-chave usados... —... na alquimia Drake completou a frase. Meneou a cabeça, sentindo a descrença se avolumando dentro dele. Precisava tomar cuidado para não ser tragado por ela. — Não acredito que os alquimistas transformavam metais comuns em ouro, não mais do que na possibilidade de você tirar um coelho de uma cartola aqui e agora — Henriksen explicou. Mas acho que os grandes alquimistas faziam o seguinte: recolhiam um pouco de heléboros-brancos e o utilizavam de alguma forma para influenciar a mente daqueles ao redor e controlar a percepção deles, fazendo-os acreditar em algo que não podiam ver de verdade. — Então não há nenhum tesouro? Drake indagou. Nada de ouro? — Ah, não, tenho certeza de que devia haver ouro, ou que já. houve em algum ponto — disse Henriksen. — Agora, se me perguntar se acho que Dédalo realmente pagava os trabalhadores com o ouro que estocava dentro dos labirintos, minha resposta é: não, de jeito nenhum. Suspeito que em Knossos ele os pagava com pedaços de pedra ou castanhas, embora os trabalhadores, sob a influência hipnótica momentânea do heléboro, acreditassem estar recebendo ouro. Isso deve ter durado até o momento em que Dédalo percebeu que era muito mais fácil aumentar a dose e dominar a mente deles por completo. Aí bastava escravizá-los, numa prática que talvez tenha começado durante a construção do Labirinto de Sobek. Olivia discorda de mim. Ela acredita que Dédalo acumulou uma grande riqueza, e talvez esteja certa ao achar isso. Porém, nunca saberemos, a menos que a gente consiga chegar ao centro do labirinto. Se ela se interessasse pelo heléboro, teria tentado nos matar no momento em que encontramos as flores, ao entrar em Diyu. Mas o que ela quer é o ouro. Drake fez uma careta de escárnio: — Ao contrário de você, que quer é ficar mais rico quando vender essa flor que controla a mente das pessoas ao governo que fizer a melhor proposta. Henriksen deu de ombros. — Bem, alguém vai lucrar muito com isso. Prefiro que seja eu. Jada recuou um passo, afastando-se dele. — Era isso que meu pai queria tanto impedir ela disse, — olhando fixamente para ele. — Não tenho a menor dúvida Henriksen concordou. — Mas não sou nenhum vilão de filme de James Bond, Jada. Não estou tentando conquistar o mundo. Sou apenas um homem de negócios. — Tem alguma ideia do alcance que isso pode ter? —Jada perguntou. — Pense nas aplicações para a espionagem política ou industrial. Bastam umas gotas desse extrato no chá dos líderes mundiais para controlar as decisões deles. Sem falar no uso militar. Você sabe que vão fazer experimentos com soldados. E as ditaduras, que gostariam de ter pessoas mais dóceis sob seu comando? — Como falei — Henriksen respondeu —, alguém vai acabar fazendo isso. — A não ser que a gente destrua esse criadouro gigantesco de heléboros-brancos —Jada sugeriu. — Vamos queimar tudo! Henriksen cerrou os punhos. — Não vou permitir isso. — Opa! — Drake disse, colocando a mão no cabo da arma, que estava no cinto. Que tal respirarmos fundo aqui, amigos? — Iluminou Jada com a lanterna e viu o turbilhão de emoções que a dominava. — Henriksen, pode ser que você não tenha a intenção de dominar o mundo, mas, agora, não temos a menor ideia do que Olivia pretende, a não ser nos matar. — Eu não tenho a menor dúvida do que ela tem em mente — Henriksen respondeu. Se ela contratar um bom cientista, alguém que sintetize essa substância em laboratório, ela fará tudo o que estiver a seu alcance para ter presidentes e ditadores nas próprias mãos, como marionetes. Drake alternava o olhar de Henriksen para Jada: — Nossos objetivos não mudaram. Estou aqui por Sully. — Eu estou aqui pelo meu pai —Jada frisou. — Amo tio Vic, mas, neste momento, estou aqui sobretudo para impedir que Henriksen ou minha madrasta consigam o que desejam. — Esperem um pouco! — Drake berrou. — Não é ficando parados aqui ou batendo boca que vamos saber quem vai ganhar essa luta. Temos duas escolhas: seguir em frente ou voltar. Se Sully ainda estiver vivo, não vou sair daqui sem ele. E acho que vocês dois querem saber o que há no centro do labirinto. Ou estou enganado? — Não vou voltar —Jada falou. Os olhos de Henriksen cintilavam ao imaginar o que encontrariam pela frente, mas ele não disse nada. — Bem, então vamos andando — Drake falou. — Uma batalha por vez. Tinham perdido um bom tempo com conversas e discussões. Enquanto seguiam adiante e voltavam a explorar o local, Drake estava incomodado com o que poderia haver na escuridão que deixavam para trás. Cada sombra e fenda na parede parecia exalar uma ameaça. Quantos encapuzados ainda restariam? Porém, conforme o tempo passava sem que fossem atacados, mais se preocupavam com Olivia e seus mercenários. Massarsky parecia ter assumido o comando quando Perkins fora morto. Até que aparentava ser um sujeito legal, para alguém que vendia seu treinamento militar como soldado de aluguel, talvez até como assassino de aluguel, se o preço fosse convincente. Mas Drake tinha a sensação de que não se sentaria para bater um papo com ele tão cedo. Prosseguiram rápido, sem pegar tantos caminhos errados, acertando o trajeto quase instintivamente. Jada agia como se Henriksen não estivesse mais lá, e aquilo era bom, na opinião de Drake. Se ambos não conversassem, não precisaria se preocupar em apartar nenhuma briga. E atravessar outras câmaras de tortura, que pareciam proliferar quanto mais se entranhavam no labirinto, só ajudava a silenciar qualquer tipo de conversa. Nenhum deles tinha vontade de dizer nada. Ao entrar em uma nova câmara, os três estancaram. Antes de dar qualquer outro passo, sacaram as armas e não as guardaram mais. Eles tinham chegado a um alojamento subterrâneo dos Protetores da Palavra Oculta. Não havia ninguém lá, nem encapuzados, Suily, lan Welch ou outro refém. A câmara tinha divisórias e plataformas de madeira, além de cobertores e camas improvisadas de diversas épocas. Drake pensou em contar as salas formadas pelas divisórias e as camas, mas percebeu que, quanto mais rápido saíssem dali, melhor. — Nate, está ouvindo isso? —Jada sussurrou. Sua respiração estava irregular e o olhar tinha um brilho nervoso. Drake assentiu. Era o som de água corrente. Ele tomou a frente, iluminando o caminho com a lanterna, e, seguindo o som, encontrou no final do alojamento uma pequena porta que dava para uma fenda natural na rocha. Um odor marcante tomou conta do ambiente. Antes mesmo que entrasse, sabia que encontrara o local que os encapuzados usavam como banheiro. Seis metros abaixo, um pequeno rio cortava as pedras. — Isso é nojento — Jada comentou. — Mas necessário Henriksen respondeu. — Em algum lugar deve ficar a cozinha deles. Provavelmente caçam e até plantam. Talvez até costumem ir à cidade para comprar... — Não queremos saber de que modo eles vivem — Drake respondeu, lançando-lhe um olhar duro. Henriksen meneou a cabeça. Estava interessado, mas entendia que aquele não era o motivo de estarem ali. Não se tratava de um estudo antropológico. Drake voltou pelo mesmo caminho, passando pelas camas, até retornar ao túnel de onde tinham saído para investigar o alojamento. O rio o fizera pensar se o desfiladeiro sobre o qual saltaram também tivera, ou ainda tinha, água correndo no fundo. Sempre teve a sensação de que, mais cedo ou mais tarde, acabariam chegando a um curso de água, e por isso ficou surpreso quando o trajeto do labirinto começou a levá-los para o alto. Do nada, surgiu um som, que começou como um rugido abafado. — O que é isso? — Drake perguntou. Voltaram por um túnel que fazia uma curva, em seguida, pegaram um corredor ziguezagueante cujas paredes, de início, eram um aproveitamento do desenho da caverna, mas depois continuavam em frente devido a esforços humanos, O som diminuiu e em seguida aumentou, crescendo em intensidade até que o rugido tomou conta do ambiente ao redor. Quando a luz da lanterna de Drake se refletiu na parede úmida do túnel à frente, todos tiveram certeza do que estava diante deles. O túnel terminava em um platô, de onde podiam ter uma vista completa do cenário. A caverna era maior e mais larga do que qualquer uma pelas quais já haviam passado desde que tinham entrado no labirinto. Abaixo, o rio corria numa forte correnteza, que, mais à frente, se transformava em uma cachoeira de cerca de doze metros de altura. A queda-d’água deixava o ar da enorme gruta gelado, úmido e tomado por um barulho ensurdecedor. — É lindo — Jada falou, surpresa, aumentando o tom de voz para que os outros pudessem ouvi-la. As luzes da lanterna deslizavam pelas paredes, mostrando caracteres esmaecidos, símbolos pintados e entalhes ancestrais. Lá no alto, pequenas frestas deixavam o luar entrar, mas não ofereciam uma iluminação efetiva, apenas um vislumbre dos lugares por onde o sol podia, a muito custo, penetrar em dias claros. Fartas porções de musgo desciam pela parede mais distante, cobrindo as pedras da cachoeira, tanto no platô quanto na superfície da caverna abaixo deles. Trepadeiras repletas de heléboros-brancos, havia tempos adaptados a esse bizarro inferno subterrâneo, haviam brotado por toda parte naquele tapete verde. Apesar da potência das lanternas, conseguiam distinguir poucos detalhes nas sombras da caverna. Mesmo assim, Drake suspeitava que os pontos muito negros que pareciam ser apenas a escuridão mais profunda lá embaixo poderiam ser outros corredores do labirinto. E era muito provável que um desses túneis levasse à saída. — É por aqui — ele disse. — O que procuramos está lá embaixo em algum lugar. Jada iluminou o outro lado do rio, depois deslizou a luz da lanterna pelo platô, percorrendo as laterais da cachoeira. Drake viu a escadaria no mesmo instante que ela, os degraus entalhados na parede ao lado da queda-d’água descendo rumo à escuridão da caverna. Os degraus brilhavam com a umidade, com se quisessem dizer que bastaria um passo em falso, um escorregão para chegar lá embaixo aos pedaços. A violência se iniciou tão repentinamente que Drake não entendeu nada do que acontecia. Henriksen tocou seu ombro e virou o corpo, esticando a mão para agarrar o pulso de Drake. Ele tinha a arma em uma das mãos e a lanterna na outra, e pensou que o norueguês desejasse atacá- lo, agindo agora para eliminá-los e salvar o que restava dos heléboros-brancos. Por isso, golpeou o homem na cabeça com o cano da Glock, e ele cambaleou para trás, caindo de joelhos no chão, o sangue brotando da testa. Mesmo assim, em vez de revidar, ele apontava com a arma em outra direção, ao longo do platô, para a caverna escura de onde o rio brotava. — Ali! — Henriksen berrou. — Vire a porcaria da luz pra lá! Drake apontou a lanterna para o local e notou, pelo canto do olho, que Jada também se virava. Foi então que os viu. Cinco sombras margeando o rio em direção à luz. São apenas cinco, Drake pensou, percebendo que o número de adversários diminuíra drasticamente. As chances de sobrevivência para ver a luz do sol novamente tinham aumentado. Um dos homens se separou do grupo, apertando o passo. Henriksen levantou a arma, mirou com cuidado e atirou. Acertou-o em cheio. O encapuzado cambaleou e começou a cair, mas ainda impulsionado para a frente pela velocidade com que se movimentava. Por fim, estancou sob o feixe de luz da lanterna de Jada. Estava morto, os olhos opacos e sem vida encarando-os. lan Welch. Um pavor doentio tomou conta do coração de Drake, e ele virou a lanterna para os outros homens que se aproximavam. Henriksen estava com eles na mira. — Não atire! — Drake gritou. Sob a luz da lanterna, distinguiu quatro rostos, mas apenas um deles não estava oculto sob o capuz preto. Drake soltou um palavrão. — Sully, pare! Mas Drake podia ver, pelo olhar do amigo, que ele não o reconhecia. O Sully que fora seu melhor amigo e mentor por quase vinte anos não estava ali. Aquele homem não sabia quem ele era. Por um instante, Drake pensou se conseguiria dar um tiro nele apenas para feri-lo, mas não era tão bom atirador assim, e os três jamais conseguiriam carregá-lo para fora do labirinto se não tivesse como andar sozinho. Foi um precioso segundo que jogou fora. — Sully, sou eu! — Drake gritou. Sully se lançou contra ele, com força suficiente para deixá-lo sem ar e arrancar a lanterna de sua mão. Drake cambaleou, conseguindo apenas tocar a arma enquanto o amigo agarrava seu pescoço com as mãos para enforcá-lo. Tentando a todo custo não cair e também se afastar dele, Drake sentiu a bota escorregar no chão de pedra. Pôde ainda ouvir Jada gritar seu nome enquanto os dois, Drake e Sully, despencavam para dentro do rio gelado. Sully mantinha as mãos no pescoço do amigo. O peito de Drake queimava com a falta de a a cabeça sem saber o que seria pior, sem conseguir concluir se morreria asfixiado pelas mãos do amigo ou afogado pelas águas do rio. Então, depois do baque na água, a forte correnteza acelerou, e a cabeceira da cachoeira caprichosamente os empurrou. Soltos no ar, atraídos pela gravidade, Drake percebeu que era a queda que os mataria. 23 rake se debateu sob a água e conseguiu se desvencilhar de Sully. A correnteza seguia seu curso com firmeza, impiedosa, e por longos segundos ficou desorientado, sem saber se devia ir para a esquerda ou para a direita, se ia viver ou morrer. Então seu pé esquerdo bateu em algo maciço, e ele percebeu que era o fundo do rio. Tentando não ser arrastado pela corrente, fincou os dois pés na superfície abaixo e, de lá, impulsionou-se para cima, O peito queimava com a falta de ar, e, quando enfim emergiu, inspirou de maneira quase selvagem, sem conseguir pensar em mais nada a não ser respirar. Antes que pudesse inspirar de novo, no entanto, uma mão o puxou pela camisa. Sully o agarrou por trás, imobilizando-o com braços e pernas, tentando arrastá-lo para dentro da água outra vez. Drake lhe deu uma cotovelada no estômago e, ao vê-lo perder o ar, girou o corpo e lhe deu uma chave de pescoço. Engolindo água e arrastando Sully ao mesmo tempo, conseguiu chegar à margem. Deixara a lanterna cair lá em cima e, apesar de não se lembrar do que acontecera, também perdera a arma ao despencar cachoeira abaixo. Só tinha os punhos e o cérebro para usar agora, e torcia para que não o decepcionassem. Embaixo, na parte inferior da caverna, a luz era quase inexistente. Na verdade, estariam em meio à completa escuridão não fosse o brilho da Lua, metros e metros acima, e a luz das lanternas refletida no platô. A mescla de umidade nas paredes e do reflexo da luz revelava parcialmente o ambiente. A ausência de qualquer ponto de luminosidade evidenciava as entradas de túneis. Fora isso, Drake não enxergava mais nada. Sentiu o leito do rio com os pés e constatou que devia estar próximo da margem. O estrondo constante da cachoeira à direita tornava muito dificil ouvir qualquer outra coisa, mas mesmo assim Drake percebeu outro ruído forte vindo da esquerda. Olhou para lá e vislumbrou, na semiescuridâo, uma parede rochosa que delimitava a caverna. Dali, o rio seguia por um túnel rocha adentro. O pânico tomou conta dele. Com a garganta ardendo após quase ter se afogado, tudo que conseguia era murmurar um palavrão atrás de outro, mas, mentalmente, gritava. Se fossem arrastados pelo rio para dentro daquele túnel, a escuridão seria completa; não haveria como saber quando e se desembocariam em outra caverna, nem se teriam como sair da água. Esse rio subterrâneo poderia se estender por quilômetros e se unir ao Qin Huai ou ao Yangtze em algum ponto além da cidade de Nanjing. Se chegassem tão longe, no entanto, era bem provável que já estivessem mortos. Drake tentou arrastar Sully para a margem, lutando contra a correnteza. O amigo parecia desorientado e agora se contorcia para se desvencilhar dando-lhe cotoveladas nas costelas e tentando afastar as mãos de Drake de si. Nessa luta, Drake perdeu o equilíbrio, e Sully foi lançado à correnteza de novo, rumo ao fundo da caverna, onde poderia perder-se no curso subterrâneo do rio para sempre. — Não! — Drake gritou. Conseguiu apoiar os pés no fundo do rio e agarrou Sully pelo tronco, como se estivessem em um jogo de rúgbi. Arrastou-o para a margem, até um local em que a água batia na cintura deles, ainda com o amigo tentando se desvencilhar. Na parte mais rasa, onde o rio ficava quase tranquilo, Drake o empurrou contra as pedras da beirada. Com os pulmões queimando e o coração disparado, ficou imóvel por alguns instantes, as mãos apoiadas nos joelhos. Os músculos estavam exaustos de resistir à correnteza, e, apesar de o ar ser um bálsamo para sua condição ofegante, cada inspiração fazia a garganta arder ainda mais. No escuro, viu a silhueta quase negra de seu melhor amigo levantando-se e vindo em sua direção. A única parte visível do rosto de Sully eram os olhos, que cintilavam nas trevas, úmidos como as pedras ao redor. — Sully, por favor — Drake falou, a voz rouca. — Sou eu, Nate. Sei que ainda está aí. Não me faça brigar com você. Silencioso como todos os encapuzados, Sully se lançou contra ele. Drake desviou para a esquerda, agarrou seu braço estendido e o usou para puxá-lo com força, acertando em cheio uma joelhada no estômago do amigo. Ouviu o ar explodir pulmões afora. Mesmo assim ele resistia, arquejando e gemendo, enquanto lhe dava uma nova joelhada no mesmo lugar. Sully mordeu seu braço, os dentes fincando com vontade na carne, e Drake berrou de dor, o grito de seu sofrimento mesclando-se ao estrondo da cachoeira. Com a mão livre, deu cinco socos seguidos na têmpora do amigo, até que a boca dele se abriu. Drake se afastou, tomando cuidado para não cair na correnteza mais uma vez. Podia sentir o sangue quente descendo pelo braço, o odor metálico característico envolvendo o ar. Precisava terminar com aquilo antes que Sully o matasse. Foi em sua direção, fingiu por duas vezes que o atacaria, depois o atingiu mais uma vez no estômago e com três socos rápidos no rosto. No escuro, só conseguia distinguir a sombra do velho amigo. Não desejava mesmo enxergar os detalhes, tampouco o olhar vazio, sem nenhum brilho de reconhecimento. Com um último golpe, lançou Sully à margem pedregosa mais uma vez, e, quando o amigo fez menção de levantai Drake lhe deu outra chave de pescoço. Dessa vez, tinha a vantagem de um terreno firme sob os pés. Foi apertando o pescoço de Sully cada vez mais, enquanto as tentativas de se libertar tornavam-se mais fracas. Em alguns instantes, ele parou de resistir e se largou em seus braços. Drake o deitou com cuidado no chão, sentindo sua pulsação. Abraçou-o e suspirou, trêmulo. Está vivo, pensou, ainda paralisado de choque e alívio. Não tinha a menor ideia de como sairia do labirinto ou do que seria necessário fazer para que Sully se livrasse dos efeitos do mel, mas estava certo de que precisava seguir adiante, um passo de cada vez. Um objeto escuro veio flutuando na forte correnteza, como se tivesse brotado da água. Drake resmungou um palavrão, distanciando-se um pouco de Sully para observar o topo do platô. Um par de lanternas vinha descendo pela escada úmida de água em sua direção. — Nate! — ouviu uma voz gritar, mesmo com todo o ruído da cachoeira. — Aqui! — ele berrou em resposta, adentrando um pouco mais a parte rasa do rio. — Estou com Sully! O feixe de duas lanternas seguia pela escada entalhada na lateral da cachoeira, e aos poucos Drake passou a distinguir as formas que acompanhavam as luzes.Jada e Henriksen tinham conseguido derrotar os três encapuzados que estavam com Sully e lan Welch e os haviam atacado no platô. Um deles tinha acabado de passar por ele, flutuando na correnteza, morto ou agonizante, e Drake imaginou que os outros dois também deveriam estar mortos. — É muito fundo? — Henriksen perguntou do meio da escada. — Podemos atravessar? Drake refletiu com rapidez. Será que a água daria pé para Jada na parte mais profunda do rio? — Não sei. A correnteza é muito forte! Quando Jada e Henriksen chegaram ao fim dos degraus e à plataforma de pedra na margem do rio, começaram a examinar o fundo da caverna com a lanterna, dando a Drake uma noção melhor do ambiente. Botões de heléboros cresciam por toda parte — em paredes, trepadeiras e entranhados no musgo. Onde não havia plantas, as paredes rochosas eram ornamentadas com entalhes de octógonos com flores em seu interior e caracteres chineses pintados e retocados ao longo dos séculos. — Nate, olhe! — Jada chamou, usando a lanterna para iluminar algo no fundo da caverna, onde o rio seguia em meio ao paredão de pedra. Ele levou ainda alguns segundos para perceber que ondulações da rocha, que brilhava sob a luz artificial, eram na verdade degraus. De cenho franzido, passou a contornar a margem rochosa do rio, avançando em paralelo com os dois do outro lado. Ao examinar o local com as lanternas, Drake notou que havia degraus na sua margem também, e seguiu naquela direção. Passou por entradas de túneis, mas não conseguiu ver nada além de uma escuridão profunda enquanto avançava, chegando, por fim, aos degraus. — Tem uma ponte aqui! — disse aos dois, maravilhado com o modo como a rocha fora esculpida acima da água para permitir a travessia de pessoas. Jada e Henriksen apertaram o passo. Drake hesitou. Deixara Sully na margem e ainda podia avistar sua silhueta deitada no escuro. Subiu os poucos degraus que conduziam à ponte, mas parou ali. Enquanto os outros dois corriam para a mesma direção, observou atentamente os túneis que desembocavam na margem oposta. Jada passava por eles sem sequer virar o rosto, mas Henriksen diminuía a velocidade e iluminava o interior enquanto andava, ainda procurando pela câmara de adoração. Em dado momento, a luz da lanterna de Henriksen pareceu ter ficado para trás na entrada do último túnel. Drake piscou, tentando compreender aquele estranho fenômeno, mas percebeu que a luz lá de dentro se movia, oscilava e às vezes ficava mais brilhante. Temos companhia, pensou. Estava prestes a gritar para avisar aos outros quando o ruído abafado de uma rajada de tiros veio de dentro do túnel, ecoando por toda a caverna. Drake tomou um susto, mas então se deu conta de que o alvo não eram eles. Jada estacou nos degraus do outro lado da ponte e se voltou para olhar. — Corra! — Drake gritou, atravessando a ponte em sua direção. Henriksen avançou até ela, pegou-a pelo braço e a arrastou atrás de si enquanto se apressava na direção de Drake. Os dois tinham armas e lanternas em mãos, e a fuga foi um tanto desajeitada, com luzes oscilantes e um quase tropeçando nas pernas do outro. Mais disparos soaram, e o primeiro dos mercenários veio correndo para fora da boca do túnel, virando o corpo para cobrir a saída dos outros, tanto com a lanterna quanto com a arma. Um por um, todos saíram para a caverna; Drake contou cinco, incluindo Olivia, Massarsky e Garza, e, ao ver os encapuzados que os seguiam em disparada, arremessando facas e discos de metal afiados, teve certeza de que os outros capangas estavam mortos. — Vai, vai! —Jada gritou. Drake já se virava para voltar pela ponte. Como as lanternas de Jada e Henriksen sacudiam muito, era difícil distinguir os degraus, por isso teve de prosseguir com cuidado e lentamente. O norueguês havia soltado o braço da moça, e ela quase colidira com Drake ao descer pelos seis degraus escorregadios que davam na margem do outro lado. —Pensei que estivesse morto! — ela disse. — Eu também! — Nunca mais faça isso! Drake não conseguiu pensar em nenhuma piadinha como resposta.Seu foco estava nos túneis que desembocavam na extremidade do rio. —Jada! — chamou, apontando. — Dê uma olhada ali; veja se algum desses túneis tem saída. Olivia e seus capangas encontraram outro caminho para chegar aqui; pode haver mais de um meio para sair. — Não vou a lugar algum antes de encontrar a câmara de adoração! —Henriksen berrou para ele. Ouviram mais disparos, e todos se viraram para ver uma mulher encapuzada enfiar uma longa lâmina em um dos mercenários, os cabelos longos e negros balançando sob o capuz. O impulso de seu salto fez ambos despencar no rio. Olivia e os outros, no entanto, já haviam alcançado a ponte. Drake sabia que tinham sido vistos, já que as luzes deslizavam por toda a caverna, mas a madrasta de Jada tinha apenas três capangas entre ela e a morte certa, e agora corria como se o diabo estivesse em seu encalço. — Pode fazer a loucura que quiser por aqui... — Drake gritou para Henriksen — . . .depois de me ajudar a deixar Sully em segurança. Henriksen hesitou, embora apenas por um instante, antes de contornarem a margem, rumo aonde Sully jazia inconsciente. Ambos o levantaram pelos braços. Ao ouvir o chamado de Jada, parada na boca do túnel mais próximo à cachoeira, começaram a arrastá-lo naquela direção. Andaram o mais rapidamente possível, as botas de Sully arrastando no chão. Lá atrás, na ponte, Massarsky, Garza e um sujeito negro de queixo quadrado que, pelo que Drake recordava, se chamava Suarez, defendiam sua posição. Estavam postados na passagem sobre o rio e haviam baleado dois encapuzados que vinham pela margem. Mais um ou dois deles, talvez os últimos, embora fosse impossível afirmar, ainda não haviam saído do túnel — estavam encurralados pelos mercenários. Não havia como sair de lá sem ser alvejados. Olivia mantinha-se atrás de Garza, a arma na mão. O cabelo loiro estava desgrenhado e sujo, mas seu rosto transmitia pura determinação. Virou-se, olhando fixamente para Drake, enquanto ele e Henriksen arrastavam Sully túnel adentro. Dali, ele conseguiu ler um palavrão em seus lábios. Logo depois, estavam fora da vista dela. Foi só quando Drake virou o rosto para procurar Jada que notou que o breve caminho sinuoso terminava logo à frente em três degraus que davam para uma câmara de adoração. O altar octogonal localizava-se no centro da sala. Drake sentiu um calafrio, um assombro tomando todo o seu corpo. Depois de tanto sacrifício, enfim haviam encontrado o local que tanto procuravam. Ele e Henriksen arrastaram Sully pelos degraus, mas subitamente o norueguês o soltou. Drake precisou amparar a cabeça do amigo para que não batesse no chão de pedra, enquanto o outro corria pela sala, usando a lanterna para iluminar caracteres chineses, símbolos e pinturas que ornamentavam as paredes. Jada, por sua vez, já havia adentrado a antecâmara, o lugar onde os rituais eram preparados, construída ao lado da câmara de adoração. A disposição do local era absolutamente idêntica à dos outros labirintos que Dédalo criara. Sob diversos aspectos, Diyu era diferente dos demais, mas ali, na parte central, a origem comum de todos eles era incontestável. Ouviram novos disparos do lado de fora, e um grito que só podia ser de Olivia. Não ficariam muito tempo sozinhos naquela câmara. — O mecanismo! — falou para Jada com urgência. Encontre o... —Já estou procurando! — ela respondeu, esquadrinhando a antecâmara com a lanterna. Mesmo com a escassa iluminação, encontrou um bloco de pedra que parecia diferente dos demais. Abriu então um sorriso e se abaixou para empurrar, primeiro com as mãos e em seguida com o pé. Sob o olhar ansioso de Henriksen e Drake, com um ranger alto, o altar se moveu alguns centímetros. Jada encontrara o dispositivo que acionava o mecanismo. No chão, Sully começou a gemer e a se mover enquanto lentamente recobrava a consciência. Drake não sabia qual versão do amigo acordaria — a que conhecia ou a criada pelo heléboro-branco. Drake e Jada se entreolharam. Não importava quais fossem as intenções de Jada sobre o que fazer com a flor que lhe causara tanta dor e sofrimento, podia afirmar que ambos precisavam saber o que encontrariam na câmara lá embaixo. — Empurre! — Drake disse a Henriksen. No pequeno túnel atrás deles, podiam ouvir passos e a voz de Olivia e seu trio de mercenários. No chão, Sully gemeu mais alto, na voz profunda e rouca que Drake conhecia, vociferando todo tipo de palavrão e amaldiçoando os Protetores da Palavra Oculta enquanto prometia vingança. Henriksen se lançou contra o altar, e Drake fez o mesmo. Toda a estrutura se moveu para trás, e o melancólico rangido de pedra se arrastando preencheu o ambiente. A primeira coisa que Drake notou na escuridão foi o odor nauseante que lhe invadiu as narinas. Em seguida, viu dois olhos amarelados brilhando nas trevas e ouviu um rosnado bestial que se transformou em um rugido. O Minotauro subiu a escada como um raio, babando e estendendo a mão para agarrar Henriksen pela garganta. Drake estava desarmado, mas deu o soco mais forte de toda a sua vida no aglomerado de músculos sob o braço do Minotauro. Sentiu os nós dos dedos se esmagar com o impacto e uma dor quase insuportável se espalhar pelo braço. Recuou, murmurando um palavrão. Quando o monstro fechou uma das mãos ao redor do pescoço de Henriksen, ele virou o rosto e rosnou para Drake. Jada apontou a lanterna direto para os olhos do Minotauro, e ele se encolheu, assustado. Henriksen deu dois tiros no peito dele, e o monstro humano cambaleou, relaxando a mão o suficiente para que o norueguês conseguisse se desvencilhar. O Minotauro olhou para baixo, observando os ferimentos do tórax, de onde agora começava a escorrer sangue, e Drake pôde examiná-lo melhor. Não havia dúvida de que era um homem, deformado e horrível de se olhar, mas inegavelmente humano. Uma leve camada de pelos lhe cobria as bochechas, e, em meio ao cabelo, havia pequenas protuberâncias pontudas que pareciam ser de osso. Afixada por tiras de couro, uma armação de ouro desgastada sustentava dois chifres de animal. A fera não usava roupas, e o pelo que recobria o corpo estava ralo em alguns lugares. Parecia doente. Infelizmente, as balas não o detiveram. Drake ouviu o ruído de passos bem atrás de si, vindos do túnel, e, em seguida, a voz de Garza murmurando um palavrão. — Filho da mãe! — Suarez berrou. Massarsky agarrou Olivia e a colocou atrás de si, enquanto Garza levantava o rifle e preparava a mira. — Saia da frente dessa coisa! — Garza gritou. Drake não precisou ouvir duas vezes. Apenas urna olhadela para o Minotauro já o deixara apavorado. Pegou Jada pela mão e recuou até bater as costas na parede. Henriksen também se afastou, e Drake se perguntou por que não continuara atirando. Ele tinha a arma apontada para o monstro, mas, agora que sua atenção não estava mais em sufocá-lo até a morte, aparentemente perdera o interesse em matá-lo. Sully tinha se levantado, cambaleante, e tentava recobrar totalmente o equilíbrio, bloqueando a linha de tiro de Garza. — Abaixe-se! —Garza gritou. — Atire logo! — Olivia ordenou aos berros. — Acerte nele também! Atire logo nesse desgraçado! O Minotauro rugiu, tentando atacar os feixes de luz que o haviam cegado por um momento, mas, pela maneira como se virou, cerrando os olhos, parecia ter dirigido sua atenção para a voz estridente de Olivia, reconhecendo que era ela quem dava as ordens. E por que não reconheceria? Afinal, era humano. A criatura se dirigiu a Olivia com passos pesados, ignorando quem estava no caminho. SulIy lançou-se de joelho no chão, abrindo passagem. Garza puxou o gatilho, e a maioria das balas se cravou na parede, o eco da rajada semiautomática ribombando nos ouvidos. Três balas atingiram o quadril e o braço do monstro humano, e ele gemeu de dor. Mas elas não o detiveram — ele era absurdamente rápido, e mudou de direção num instante. O pente da arma de Garza acabou, e ele continuou apertando o gatilho, o que só provocava ruídos. Podia até ter munição para recarregar, mas seu tempo havia acabado. Os olhos se arregalaram quando o Minotauro esticou a mão, agarrou sua cabeça e a torceu para o lado de maneira selvagem. O pescoço quebrado emitiu um estalido seco, soando como uma chibatada na câmara de adoração. — Vamos, garoto — Sully disse, tocando o ombro de Drake, mais para se apoiar que para empurrá-lo. Drake viu que Henriksen já descia pela passagem secreta sob o altar. Dando um tapinha nas costas de Sully, apontou para o local e também chamou Jada. Rapidamente, os três seguiram no encalço do norueguês. Ouviram mais rajadas cortando o ar e o som de balas se cravando em um corpo. Dessa vez, quando o Minotauro rugiu, foi num gemido de dor. Enquanto os três desciam rumo ao centro do Quarto Labirinto, os sons da violência iam ficando para trás. Em meio às sombras, apenas com as lanternas de Henriksen e Jada para guiá-los, encontraram o corredor que começava na base dos degraus. As paredes e o chão pareciam exalar o odor fétido e almiscarado do Minotauro. O cheiro era tão forte que Drake fez uma careta de nojo. Sully ainda cambaleava um pouco, e Drake o fitou com preocupação. Os Protetores haviam mexido de maneira profunda com a mente dele. Prova disso eram os ferimentos que sofrera no pescoço quando o amigo tentara estrangulá-lo. Mas ele estava vivo, e o alívio que sentia com esse fato era como uma vitória. Sully tropeçou, e teria caído ao chão se Drake não o tivesse amparado. Passou o braço do amigo por cima do ombro, ajudando-o a se equilibrar ao avançarem. Conseguiu ouvir um murmúrio quando ele começou a resmungar algo parecido com palavras. — O que foi isso? — Drake perguntou. — Está surdo? — Sully grunhiu. — Falei que isso aqui cheira a roupa suja. Drake piscou, surpreso, e abriu um largo sorriso. — É bom ter você de volta, meu velho. Jada os alcançou naquele instante e imediatamente deu um forte abraço em Sully. Drake se afastou para lhes dar privacidade, e por vários segundos os dois só ficaram ali, os braços ao redor um do outro, os ombros de Jada tremendo de emoção enquanto enterrava o rosto no pescoço dele. — Estou tão feliz que esteja vivo — ela murmurou. — Nós dois estamos, querida — Sully respondeu. — Vejam isto — Henriksen chamou. Henriksen usava a lanterna para iluminar uma passagem lateral do corredor. Quando deu uma espiada, viu que o túnel continuava adiante e que tinha uma entrada que conduzia a um pequeno alojamento com pinturas rústicas na parede, parecendo feitas de sangue. O fedor de sujeira e morte que o lugar emanava era insuportável, e constatou que aquele devia ser o local onde o Minotauro dormia. — Vamos — Sully falou. — Temos de terminar isto aqui. Logo chegaram ao fim do corredor que não tinha mais de vinte metros de comprimento tão pequeno que ainda enxergavam a luminosidade das lanternas dos mercenários na câmara anterior. Ali no final do túnel, havia uma porta pesada de madeira, emoldurada com metal, que sustentava as grossas tábuas. Não haviam encontrado nada parecido nos outros labirintos, mas Drake percebeu, pela aparência do material, que a porta tinha sido colocada lá havia não mais que um século, como se fosse o único reduto onde os encapuzados tivessem permitido a passagem do tempo. Essa pequena concessão à modernidade não combinava com a selvageria do Minotauro. E, além disso, havia luz sob a porta. — Mas que diabos...? — Drake disse. Henriksen entregou a lanterna para ele e virou a maçaneta. A porta se abriu para dentro, e o bilionário a empurrou com a pistola. Desarmado, Drake se sentia mais vulnerável do que nunca, mas, conforme a porta se abria, esqueceu de quase tudo, até mesmo de pensar em como se protegeria. Assim como nos outros projetos de Dédalo, havia três degraus na entrada. Esta sala era muito maior do que todas as outras câmaras de adoração já vistas por eles. Havia braseiros acesos ao longo das paredes, a intervalos regulares, alcançando até o fundo da caverna. Dois enormes candelabros pendiam de correntes presas ao teto, com grossas velas brancas brilhando fortemente. Mas nem toda essa luminosidade era capaz de clarear muito a caverna, uma combinação bizarra de túmulo e caixa-forte. O tesouro de Dédalo estava disposto ao longo do local e preenchia até as alcovas escuras no fundo da caverna. Jarros e vasos de pedra estavam cheios até a borda com moedas de ouro, cunhadas com antigos caracteres gregos e egípcios e misturadas a tiaras de pedras preciosas, colares dourados e cetros brilhantes. Havia um crocodilo de ouro maciço, com cerca de um metro de comprimento, que parecia ter vindo do Templo de Sobek. E, no centro de tudo, em um pedestal, ficava a estátua dourada de um Minotauro, os chifres feitos com enormes pedaços de rubi. Relanceando o olhar, Drake tentou absorver de uma só vez a majestade do local e a quantidade de segredos que ocultava. Por mais tesouros que houvesse ali, a ameaça que aquela caverna continha era muito maior que sua promessa de fortuna. Havia também três tumbas de pedra, enormes como sarcófagos, mas com uma inegável influência chinesa no formato e nos símbolos entalhados. Atrás delas, um pequeno grupo de pessoas aguardava, observando os intrusos com olhos repletos de medo e ódio. Havia três encapuzados, um guardião para cada tumba, talvez. Uma mulher alta e com um véu, estava entre eles, a luz dos braseiros criando sombras na pequena parte visível de seu rosto. Os olhos pareciam emitir um brilho amarelado, como os do Minotauro. Atrás dela ficava um altar e, acima dele, prateleiras recobertas de jarros e cálices. Em cima do altar viam-se flores brancas e secas, fragmentos de ossos e uma variedade de pequenos copos de pedra esculpida. Um deles estava tombado e despejara um pó cor de cobre na pedra clara. A Senhora do Labirinto, pensou. Não poderia ser outra pessoa. Ainda assim, o olhar de Drake fora atraído para além dela, à direita das três tumbas, onde um monstro quase cadavérico jazia deitado sob pesados cobertores de lã, obviamente doente, em uma cama improvisada de madeira. Os olhos esbranquiçados evidenciavam sua cegueira, e a cabeça, horripilante e deformada, era coberta de feridas e rugas. Por certo um dia fora um Minotauro, mas agora era apenas um homem velho, deplorável e demente à beira da morte. — Não deveríamos ter vindo aqui —Jada sussurrou. Drake compreendia. A cena tocara seu coração de maneira tão poderosa que por um momento chegara a se esquecer dos mais de dois mil anos de escravidão, tortura e morte que o local representava. Então a Senhora do Quarto e último Labirinto apontou um dedo trêmulo na direção deles e vociferou uma ordem com tanto ódio, crueldade e desdém que Drake foi capaz de sentir o veneno emanando dela. Os encapuzados atacaram, saltando sobre as três tumbas e se lançando no ar. Henriksen atirou, mas o assassino de preto era rápido demais: contorceu todo o corpo e contra-atacou, atingindo o norueguês. Os dois caíram no chão em uma disputa acirrada. A arma de Henriksen deslizou pela pedra. Jada alvejou o encapuzado mais próximo dela. A bala o atingiu no ombro e o fez cambalear mas Drake não pôde ver mais nada, O terceiro assassino veio em sua direção, rápido como um raio, uma lâmina curva na mão. Drake aguardou o golpe, desviou e o atingiu com a lanterna de Henriksen, ferindo seu punho. A adaga caiu ruidosamente no chão, mas o homem continuou a atacar, tentando atingir a garganta dele com a outra mão. Drake se virou, tentando desviar do golpe, e o adversário errou sua garganta por apenas alguns centímetros, dando-lhe um soco na lateral do pescoço. Sully partiu de trás e agarrou o homem. Levantou-o do chão e o arremessou com tanta vio1ncia contra uma das tumbas que o encapuzado urrou de dor e caiu no chão, arfando com a mão nas costas, se arrastando, neutralizado. O som de uma rajada de arma automática invadiu a caverna, com balas se cravando em peças de ouro e destruindo jarros e vasos. Todos ficaram imóveis, exceto Henriksen, que deu um último golpe e nocauteou o oponente. O encapuzado soltou um gemido, e, enquanto caía no chão, o bilionário pegou a lâmina do inimigo e se virou para o lugar de onde tinham vindo os tiros. Drake e Sully estavam próximos um do outro. Jada continuava parada perto do cadáver do encapuzado, que aparentemente havia sido alvejado pela segunda vez. Todos os olhares se concentraram na entrada da caverna, onde Suarez e Olivia desciam o último degrau. Ele estava com o braço ao redor dos ombros dela, buscando apoio, o lado esquerdo do corpo todo ensanguentado e a dor estampada no rosto, embora ainda segurasse a arma com firmeza, os olhos atentos. Olivia pousou o olhar em todo aquele ouro com uma expressão que beirava a luxúria, um sorriso quase infantil, tamanha era sua alegria. O Minotauro havia arranhado o lado direito de seu rosto, deixando-lhe marcas fundas, mas ela mal parecia ter notado. Na mão esquerda, trazia a pistola. Fez menção de falar, mas não conseguiu articular nenhuma palavra, caindo numa gargalhada histérica, O sangue respingava do queixo, manchando sua roupa. — Olhe pra isso! — disse, quando enfim conseguiu. — Caramba, Tyr olhe tudo isso! — Estou olhando — Henriksen respondeu, o tom de voz quase triste. — Estávamos certos! — Olivia respondeu, soltando Suarez, que conseguiu permanecer de pé sozinho. — Vá em frente, soldado. Mate-os. Acabe com todos eles. A arma de Suarez não se moveu. — Acho que não farei isso. Não vou ter como sair deste fosso sem ajuda, e você não vai conseguir me carregar vai? Olivia se virou para ele com uma careta de escárnio. Nesse momento, um grito soou atrás de Drake, e ele se voltou, pronto para lutar. A Senhora do Labirinto, pensou. Ela e o monstro moribundo pareciam tão inofensivos que todos haviam se esquecido deles até aquele momento. Ao se virar, viu a mulher alta agarrar Henriksen por trás e com uma das mãos segurar firme seu rosto enquanto deslizava uma lâmina curva pela garganta do milionário. Agonizante, enquanto caía ele arrancou o véu dela, revelando um rosto grotesco, sem as características bestiais do Minotauro, mas deteriorado por uma vida inteira de lento envenenamento pelo heléboro-branco. Suarez abriu fogo, fazendo-a tombar para trás em meio às tumbas numa poça de sangue. O último dos encapuzados fez menção de se levantar, ainda cambaleante após a surra que levara de Henriksen. Olivia mirou e tentou atirar nele, mas estava sem munição. Com uma rápida rajada de sua arma, Suarez finalizou o serviço. Drake chamou Jada para perto de si, tanto para confortá-la quanto para buscar conforto. Colocou um dos braços ao redor dela, e Sully se juntou a eles. Jada também estava armada, mas Suarez tinha o domínio da situação, e estava nas mãos dele determinar o que aconteceria em seguida. Drake sentiu náuseas ao olhar para todos aqueles corpos — o de Henriksen, o da Senhora do Labirinto e os dos últimos Protetores da Palavra Oculta. Voltou-se para o velho e moribundo Minotauro em sua cama desgastada. A criatura tremeu, olhando cegamente para o nada. Sua mente devia estar tão arruinada que não parecia se dar conta de que havia estranhos na caverna. Se fosse esse o caso, Drake pensou, era melhor assim. — Não quero nada daqui — Sully falou. Parecia enojado. Drake e Jada compartilhavam de seu sentimento. Olivia, no entanto, exibia um sorriso ensandecido no rosto. Deixou Suarez apoiado nos degraus e correu em direção aos jarros, enfiando as mãos dentro deles, pegando as moedas e deixando-as escorrer por entre os dedos. Drake tentou resistir à tentação de calcular quanto valeria tanto ouro em moedas antigas como aquelas. Não conseguia sequer obter um valor aproximado. — Pare — Sully falou, pressentindo sua reação. Não há nada aqui que... Suarez se aproximou dele, balançando a arma com um gesto enfático. — No momento, somos todos amigos aqui, e só porque desejo viver. Se não quiserem ser absurdamente ricos, é problema de vocês. Mas eu não tenho nenhuma objeção contra esse tesouro. Drake pensou em lhe contar que as flores do labirinto podiam valer mais que todo o tesouro dentro da caverna. Mas duvidava de que Suarez fosse acreditar nele. Olivia, por sua vez, sabia tudo sobre o heléboro-branco e, pelo que Henriksen dissera, não hesitaria em fazer como ele planejara e vendê-lo a quem pagasse mais. Mas, pelo menos naquele momento, era evidente que o ouro era sua prioridade. Olivia pegou um colar de ouro egípcio, que parecia bem pesado, e o colocou no pescoço, sorrindo como se fosse uma garotinha brincando de vestir as roupas do armário da mãe. Montou no crocodilo de ouro e olhou ao redor meneando a cabeça como se tudo aquilo fosse demais para absorver, e foi então que deparou com a estátua dourada do Minotauro, os chifres de rubi cintilando. Pulou para o chão e correu até o pedestal onde ficava a imagem. Quando ela esticou a mão em direção à estátua, Drake sentiu uma vergonha avassaladora. Olhou para o Minotauro, um homem decrépito, destruído pela ingestão de uma poção maligna durante toda a vida, e percebeu que o monstro humano abaixou a cabeça e virou o rosto. Talvez não estivesse inteiramente cego... O que será que evitava ver? Drake desviou o olhar para Olivia. A luz dos braseiros e as sombras passeavam por seu corpo. Quando os dedos dela tocaram a estátua de ouro e rubis, de algum modo Drake intuiu o que ia acontecer. Afastou-se de Jada e Sully, e correu na direção de Olivia enquanto ela levantava o Minotauro do pedestal, fascinada com tanto brilho. Um bloco de pedra octogonal começou a subir do alto da pequena estrutura de pedra. A estátua retirada do pedestal servia como contrapeso. Um ruído ensurdecedor de mecanismos rangendo fez as paredes vibrar, e pedras se quebrando e se partindo sacudiram a sala. Drake se preparou para correr. — Saiam daqui! — gritou para Sully e Jada. Suarez o encarou com olhos arregalados. Não tinha muita ideia do que acabara de acontecer, mas, vendo a expressão de terror dos demais, também se dirigiu à escada, correndo da melhor maneira possível em seu estilo manquitola. — Onde diabos vocês acham que...? — Olivia berrou atrás deles. Um enorme bloco de pedra na parede da caverna se moveu e caiu sobre os jarros de moedas. Eles se espatifaram, espalhando ouro por toda a superfície, no exato momento em que uma enxurrada de água verteu do espaço vazio na parede onde antes havia o bloco. A sequência de destruição prosseguia. Outro pedaço de pedra se soltou da parede, depois um terceiro e um quarto, e a água jorrou para dentro, enchendo a caverna com a forte correnteza do rio. O volume era tal que, em instantes, o ambiente já estava inundado. Jada chegou primeiro à escada e ajudou Suarez a sair da água. Juntos, subiram os degraus. Drake e Sully vinham logo atrás, mas Sully se virou e lançou um olhar para o fundo da caverna. — E ela? — perguntou. Olivia encontrava-se em meio a um redemoinho formado por meia dúzia de jatos d’água que jorravam das paredes. Os tesouros submergiam, tragados pela corrente. A mulher gritava, mas não era de pânico, e sim de angústia por ver todo aquele ouro desaparecer. Agarrava-se à estátua do Minotauro como se fosse seu filho, tentando mantê-la acima da água, cujo nível só aumentava. — Venha logo, droga! —- Drake gritou, andando lentamente pela água em sua direção. — Nate! — Sully o chamou. — Podem ir — Drake respondeu, gesticulando para que saíssem dali. — Estou bem atrás de vocês. A água subia a uma velocidade espantosa; já estava em sua cintura e não parara de jorrar para dentro da caverna. — Olivia! Solte a estátua e nade! Ela o encarou com tanto ódio que o fez parar onde estava. Lutava para segurar a pesada estátua e achar um caminho em meio ao redemoinho no centro da câmara. Drake soltou um palavrão e tentou se aproximar mais um pouco, mas o rio inundava o lugar cada vez mais. Alguma coisa sob a água a fez tropeçar, pois ela sumiu, afundando instantaneamente. Segundos depois, emergiu, cerca de seis metros à direita dele. Mas não estava sozinha. O Minotauro moribundo a segurava por trás, os olhos esbranquiçados brilhando à luz dos candelabros. A água havia derrubado os fogareiros e os apagara, mas as velas que pendiam do teto ainda ardiam. Num primeiro momento, Drake pensou que o velho monstro tinha encontrado forças para arrastar Olivia para fora da água, quando viu que uma de suas mãos estava enroscada nos cabelos dela, a outra fechada ao redor de sua garganta, e com as duas puxava Olivia para baixo. Ambos afundaram juntos. Drake hesitou, furioso com Olivia e consigo mesmo. Depois, mesmo com o estrondo da água ao fundo, ouviu Sully gritar seu nome da entrada da caverna. Tinha de sair dali, e logo. Começou a percorrer o caminho de volta rumo à porta, a água cada vez mais funda. Quando conseguiu alcançar a escada, a água já batia em seu peito. Ao subir os degraus submersos, viu a luz de uma lanterna no corredor à frente. Sully o aguardava. — Vá embora! — ele gritou, lutando para sair da água e subir o último degrau. Sully o iluminou com a lanterna, que devia estar na mochila de Suarez, gritando para que se apressasse. — Vamos, Sully, saia daqui! — Drake berrou ao correr na direção do amigo. A água chegou ao topo dos degraus e passou a transbordar corredor afora. Os olhos de Sully se arregalaram quando ele compreendeu. Tinham aproximadamente trinta metros para percorrer, e a água continuaria subindo até que chegasse ao nível do rio, cerca de três metros acima deles. A água agora havia inundado o túnel, molhando as pernas deles. Sully tropeçou, mas Drake o amparou, e continuaram avançando. À frente, viram Jada, que auxiliava Suarez a subir a escada rumo à câmara de adoração. O mercenário escorregou, caiu e não conseguiu mais se levantar, até que Drake chegou para ajudá-los. Quando prosseguiram, a água já estava nos joelhos. Tiveram de arrastar Suarez pelos últimos degraus e ao longo da passagem oculta junto ao altar. Arquejando, com apenas uma lanterna, praticamente se arrastaram para fora da câmara, passando pelos cadáveres de Massarsky, Garza e do Minotauro mais jovem, enquanto a água, em nível crescente, vinha no encalço deles sem trégua. Os três degraus os conduziram para fora da câmara de adoração e os levaram ao pequeno túnel que dava na margem rochosa do rio, onde a cachoeira mantinha seu estrondo ininterrupto e o heléboro-branco crescia em abundância. Suarez morreu ali, por ter perdido sangue demais com o ferimento, instantes depois de o colocarem gentilmente no chão. Drake caiu de joelhos ao lado do mercenário, cansado até a alma de tantas mortes e tanta ganância. — Obrigado por não nos matar — Drake murmurou antes de estender a mão e fechar os olhos do homem morto. Trocou um olhar com Sully e Jada, que se escoravam um no outro, exaustos e arfantes. Agachou-se e olhou ao redor, esperando longos segundos para ver se algum Protetor da Palavra Oculta saltaria túnel afora para tentar matá-los. Nenhum apareceu. Bem no alto, no topo da caverna, pensou ter visto pequenos raios de luz, que indicavam o amanhecer. — O que faremos agora? —Jada perguntou. — O que seu pai desejaria que fizéssemos — Sully respondeu. Drake assentiu, levantando-se devagar. Relanceou o olhar para as flores nas paredes, em meio ao musgo e às trepadeiras. — Exatamente — concordou. — Vamos arrancar tudo das paredes e queimar. Temos de nos assegurar que o heléboro-branco puro permaneça um mito para sempre. — Podemos fazer uma bomba para explodir o túnel sob o Monte do Tesouro —Jada sugeriu. Drake deu de ombros. — Por que nos dar ao trabalho? Quando sairmos, a entrada permanecerá oculta, e o governo proíbe a escavação no local. — Perkins deixou dois de seus homens guardando a entrada. O que diremos a eles quando sairmos? — ela perguntou. Sully riu. — Diremos que deram muita sorte. Drake deu um tapa carinhoso nas costas do amigo, e ambos sorriram para Jada. — Melhor ainda — Drake falou. — Diremos que estão demitidos. 24 inco dias depois, Luka Hzujak finalmente foi enterrado, O sol de outono derramava um brilho dourado sobre a beleza silenciosa do cemitério. Woodlawn era um dos mais famosos da cidade de Nova York, um oásis de paz e silêncio no Bronx. Jada comentara que fora isso que a levara a escolher o local. Drake concordou. No fim de outubro, havia tantas folhas avermelhadas e douradas no chão quanto nos galhos das árvores, e cada brisa que soprava as espalhava pelos amplos jardins, ao redor das lápides e estatuetas de anjos. Além do ruído distante de motores de carros, que parecia ser a eterna música de fundo de Nova York, os únicos sons que se ouviam ali eram o do vento batendo nas folhas e a voz do sacerdote. Drake estava à esquerda de Jada, e Sully, à direita. Ela havia chorado como qualquer filha enlutada faria, mas mantivera a cabeça erguida o tempo todo. O pai dela amava desvendar mistérios mais do que qualquer outra coisa. Ele tentara descobrir a verdadeira história de Dédalo e seus labirintos antes de Henriksen, e fora incapaz de resistir à tentação de seguir adiante, por mais que suas intenções fossem puras. Por outro lado, Drake sabia que ele e Sully em geral não podiam dizer o mesmo — a intenção deles nem sempre era tão inocente quanto a de Luka. Andavam sobre uma linha tênue, às vezes na ponta da navalha poderiam facilmente descambar para a criminalidade e a ganância. Olivia estava disposta a ferir ou matar qualquer um para satisfazer seu desejo por ouro, e até a ideia de transformar pessoas em marionetes a inspirava. Drake e Sully eram bem diferentes. Assim como Luka, amavam a história e a empolgação da revelação de segredos, mas tinham de admitir que metade do entusiasmo vinha do fato de que esses segredos muitas vezes se revelavam tesouros. Desejavam as recompensas que vinham com os riscos, e isso certamente ajudava a motivá-los. Mas quanto isso os tornava diferentes de Henriksen? — essa era a pergunta que vinha assombrando Drake desde que haviam saído de Diyu, exaustos e alquebrados. Ele e Jada tinham cuidado de Sully por um dia e meio em uma suíte de hotel em Pequim, onde se hospedaram usando identidades falsas, rezando para não ser presos. Apesar de ele não ter recebido uma dose suficiente para que sua mente tivesse danos permanentes, seu corpo precisava se livrar do veneno. Durante esse tempo, Drake refletiu bastante sobre Tyr Henriksen. No fim, chegou à conclusão de que, apesar de a distância entre sua filosofia e a do empresário não ser tão grande quanto gostaria, era suficiente para que conseguisse dormir em paz. O norueguês amava a história e as descobertas, e também cobiçava os tesouros do passado. Mas, mesmo que não fosse uma pessoa tão ruim quanto Olivia, ainda assim era uma ovelha negra. Não tinha desejo de matar ou pedir que outras pessoas matassem em seu lugar, mas não se importava nem um pouco com quantos pudessem morrer em consequência de suas ações. Tinha a intenção de vender o heléboro-branco pelo melhor preço, enquanto Drake, Sully e Jada haviam queimado todas as flores, sem se importar com a fortuna incalculável que poderiam ganhar se houvessem agido como Henriksen ou Olivia agiriam. Drake jamais poderia afirmar que o que ele e Sully faziam não era, pelo menos em parte, por causa dos tesouros, das riquezas que poderiam ganhar. Mas, no fundo do coração, sabia que não se lançava em aventuras apenas por isso, e que jamais o faria. O sacerdote terminou de dar as bênçãos e depois fez um gesto para Jada. Ela deu um passo à frente. O caixão do pai estava sobre um suporte, ao lado da sepultura aberta, recoberta por um tecido verde. Enormes arranjos florais criavam uma espécie de trilha para as pessoas passarem ao lado do esquife, e Jada foi a primeira. Uma lufada de vento desalinhou seu cabelo, fazendo as mechas cor de cobre cobrir seu rosto, mas ela não se deu ao trabalho de arrumá- las. Pegou uma flor na primeira coroa, foi até o caixão e a depositou sobre a tampa. Parou, deu um beijo nos dedos da mão direita e os pousou sobre o caixão. Suspirou profunda, longa e tremulamente. Se deu adeus a ele, foi em seu coração, e não em voz alta. Drake e Sully tiraram flores de um arranjo e as colocaram sobre o caixão, antes de escoltar Jada para longe, enquanto a fila de pessoas que vinham prestar as últimas homenagens a Luka Hzujak se formava atrás deles. Alguns primos e duas tias de Jada compareceram ao enterro, mas Sully era seu padrinho, e ela queria que ele ficasse a seu lado durante toda a cerimônia. A moça parou e esperou pelos parentes, mas, antes que chegassem, virou-se para Drake e pegou suas mãos. — Obrigada. Drake meneou a cabeça. — Não tem por que me agradecer. Ele era um bom homem. Jada se virou para Sully, os olhos marejados de lágrimas. Seu lábio inferior tremia. — Não sei se vou conseguir lidar com isso... começou, mas a voz falhou. Olhou para o chão e ficou observando as folhas que dançavam a seus pés no gramado. Sully pôs a mão no ombro dela, inclinando-se para lhe dar um beijo na testa. — Tudo bem,Jada. Estaremos sempre por perto. Vá falar com seus parentes; vou ficar aqui esperando. Ainda emocionada, ela o encarou. Os olhos estavam vermelhos e úmidos, mas repletos de um amor quase sólido. — Você é minha família agora Jada falou, e se voltou para Drake: — Vocês dois são. Ela envolveu Sully com seus braços e o apertou tão forte que ele resmungou, os olhos esbugalhados de um modo quase cômico. Depois relaxou e correspondeu ao abraço, retendo-a forte também por um tempo, até que ela suspirou e se afastou. — Vai ficar aqui? — ela perguntou. — Sei que tem de voltar pra sua vida. Sully apontou para uma das tias de Jada, que já havia deixado uma flor sobre o caixão e a aguardava a alguns metros deles, sem querer interrompê-los: — Pode ir. Ficaremos aqui por uns dias ainda. Jada sorriu, secou as lágrimas e foi falar com a tia. Outros se juntaram ao redor dela e, por um instante, Drake e Sully foram esquecidos. Sully arrumou a gravata, claramente desconfortável no terno que comprara para o enterro. — Obrigado — ele disse. — Pelo quê? — Por ter vindo quando pedi e por ter continuado vivo. Drake deu de ombros. — Faria o mesmo por mim. Sully assentiu, pensativo. Olhou para Jada, que recebia as condolências dos demais. — Está preocupado com ela? — Drake perguntou. — Um pouco, mas sei que vai ficar bem. Ela é mais esperta que nós dois juntos. Alguma coisa no tom de voz do amigo fez Drake estacar. Inclinou a cabeça e encarou Sully. — O que tem em mente? — perguntou. Sully o olhou de soslaio, alisando o bigode, a expressão enigmática. — Recebi uma ligação do Massimo ontem à noite. Sabia que ele tem um primo que é cardeal em Roma? Drake franziu o cenho. — Não. Você sabia? — Não. Mas o negócio é o seguinte: na verdade, o primo dele não é mais cardeal. Sessenta e sete anos de idade e resolveu deixar a batina, abandonar o Vaticano. Aparentemente, desiludido. Mas não saiu de mãos vazias. — Desembucha, Sully — Drake disse. — O primo do Massimo, ex-cardeal, levou alguma coisa no bolso quando foi embora do Vaticano. E aí, o que era? Sully esboçou um leve sorriso, quase irônico. — Conhece a história do arqueólogo italiano que, há cerca de dez anos, encontrou um relatório nos arquivos do Vaticano sobre um missionário, Andrés Lopez... — Conheço a história — Drake o interrompeu. — Esse sujeito viveu quando? Fim do século XVI? Supostamente, Lopez encontrou Paititi, cidade na qual se baseia a lenda do Eldorado. Segundo ele, a cidade se localizaria na bacia do Amazonas, no Peru. Mas ele, e depois o Vaticano, mantiveram tudo em segredo por quatrocentos anos. Já ouvimos um milhão de histórias como essa. Não existe nenhuma prova, e preciso dar um tempo de cidades perdidas e tesouros antigos. Sully arqueou uma das sobrancelhas. — Precisa, é? Drake assentiu. — É, preciso. — E se eu te contasse que o primo do Massimo trabalhava nos arquivos do Vaticano antes de decidir que não queria mais ser cardeal? E se contasse não apenas que o arqueólogo italiano estava certo, que Andrés Lopez de fato descobriu Paititi, mas também que o primo do Massimo tem o mapa que Lopez fez, mostrando exatamente como chegar lá? O que me diria? Drake olhou para o sacerdote e o caixão coberto com flores, que a essa altura formavam um monte. Observou as árvores e as cores do outono, os prédios ao longe de Nova York, que se estendia por toda parte. Sully estava certo, claro. Jada ficaria bem. Iria para casa e receberia o abraço de todos os seus amigos. Tinha uma família para cuidar dela. Além disso, ela deixara bem claro que a perigosa aventura que compartilhara com eles seria a única de sua vida. Sentiria saudade de Jada. Com uma risada baixa e pesarosa, Drake balançou a cabeça: — Sabe que vai conseguir nos matar um dia desses? — Alguém vai encontrar Paititi, Nate — Sully retrucou. — Gostaria muito que fôssemos nós. — Então fica assim — Drake respondeu, levantando a gola do casaco, já que a brisa de outubro se tornara um vento frio —, vamos para o Peru.